Cardiologistas estudam o efeito da espiritualidade sobre a saúde do coração
“Sem fé, a vida se torna muito mais curta.” A teoria do aposentado tijucano João de Oliveira é antiga e inquestionável entre os religiosos. Mas agora a questão chegou à ciência, que, apesar do imenso abismo que sempre a separou da espiritualidade, começa a investigar a influência da fé em pacientes com doenças cardíacas. O assunto será destaque no 68º Congresso Brasileiro de Cardiologia, que acontecerá em setembro, no Riocentro.
– Baseado em alguns casos, resolvemos estudar se a religiosidade realmente faz com que os pacientes adoeçam menos e tenham menos problemas cardiovasculares – afirma o cardiologista Álvaro Avezum, do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, em São Paulo.
Mas o fato é que, fora dos laboratórios e das universidades, muitos pacientes que se apegaram à fé para enfrentar grandes problemas de saúde já tiveram a comprovação de que precisavam. João recorre à Nossa Senhora da Conceição para enfrentar uma cardiomegalia (coração aumentado). Nicia Ribeiro, de 66 anos, tem o mesmo problema e se agarra ao Senhor do Bonfim para enfrentar a doença. Já o vendedor Hercílio da Silva, de 42, recorreu à São Jorge para domar seus dragões: além do problema de coração e de pressão alta, ainda venceu uma leucemia.
– Fiz o tratamento e sabia que ia ficar curado. Em três sessões de quimioterapia, todas as taxas já estavam voltando para o lugar – revela o devoto do Santo Guerreiro.
Avezum explica, no entanto, que há diferenças significativas entre espiritualidade e religiosidade, embora as duas situações sejam estudadas. A religiosidade é ligada a crenças e cultos. Já a espiritualidade está relacionada à forma como a pessoa encara os fatos cotidianos e os sentimentos no decorrer da vida.
– Pesquisamos se, antes de o problema celular se manifestar no corpo, o agir e o pensar podem antecipar essa desorganização celular – explica, lembrando que até mesmo um ateu pode se encaixar nesses casos.
Embora a maioria dos médicos ainda se atenha apenas aos hábitos de vida de seus pacientes, alguns especialistas já verificam que a crença em alguma vertente, qualquer que seja ela, colabora para o tratamento.
– Algumas escolas médicas afirmam que pessoas assíduas a um determinado culto religioso ou que se apegam à religião têm uma evolução melhor – diz o médico.
Com ou sem comprovação, são os próprios pacientes que dão a dica nesses casos: é melhor acreditar.
Nicia Ribeiro conta que, há muitos anos, esteve em Salvador e se emocionou muito quando entrou na Igreja de Nosso Senhor do Bonfim. Desde então, virou devota.
– Sinto uma fé, um amor muito grande quando vejo a imagem de Jesus na cruz, e choro desesperadamente. Não tenho explicação para essa fé. Meu Senhor do Bonfim sempre me ajuda, nunca me desampara. Vou direto ao todo poderoso, ao chefão. Quando fiz um cateterismo, entrei na sala de exames agarrada a uma imagem que trouxe da Bahia. Durante o exame, chamei tanto pelo Senhor do Bonfim que o médico me perguntou se eu era baiana. Correu tudo bem. Com muita fé, estou aqui.
João de Oliveira, de 78 anos, devoto de Nossa Senhora da Conceição, também conta com sua fé para enfrentar a doença cardíaca.
– Se eu não tivesse toda essa fé, acho que já tinha ido embora há muito tempo. Muita coisa já aconteceu comigo. Sem minha medalhinha, com certeza teria sido muito pior. Até em situações de rua. Já fui assaltado duas vezes e tenho certeza de que tudo teria sido diferente se não estivesse com a minha proteção.
O aposentado conta que sempre foi ligado à religião:
– Acredita que essa fé tenha me ajudado a enfrentar o problema do coração desde os 50 anos. É por isso que não deixo a medalhinha por nada. Independentemente de qualquer coisa, as pessoas têm que acreditar em algo, mesmo que tenham problemas na vida, que tenham que se curvar. Sem fé, a vida não faz nenhum sentido.
Fonte: Extra