“Jogada ensaiada” põe CPI do Detran em xeque

Deputado Fernando Coimbra (PSD)
Deputado Fernando Coimbra (PSD)

As denúncias envolvendo o deputado estadual Fernando Coimbra (PSD) em fraudes no seguro-defeso reforçaram os temores de que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga desvio de dinheiro do Departamento Estadual de Trânsito (Detran) para a Associação Atlética Santa Cruz deve terminar mesmo em pizza. Coimbra é relator da CPI, escolhido sob medida para blindar o senador tucano Mário Couto. A escolha teria ocorrido com aval do governador Simão Jatene.

O cargo é estratégico já cabe ao relator conduzir os interrogatórios, dar o tom da investigação e elaborar o relatório final. “É preciso esclarecer a situação. Não se pode condenar o deputado, mas o fato de ele ter pendências judiciais o deixa em situação frágil”, diz o deputado Edmilson Rodrigues (PSol).

Coimbra foi um dos principais envolvidos na operação realizada no final de outubro de 2010 pelo Ministério Público Federal (MPF), Controladoria Geral da União (CGU) e Polícia Rodoviária Federal (PRF). Na época, foram cumpridos mandados de busca e apreensão. Centenas de documentos e computadores das secretarias Federal e Estadual de Pesca e Aquicultura do Pará foram recolhidos.

A operação atingiu também a Superintendência Federal do Trabalho onde Coimbra era titular. O escritório e comitê político dele também foram vasculhados durante a operação. O outro acusado foi Paulo Sérgio Souza, o Chico da Pesca (PT), que acabou perdendo o mandato, considerado inelegível por oito anos e multado em R$ 50 mil pelos crimes eleitorais. Os órgãos de fiscalização apuraram que em menos de dois anos, o número de beneficiados aumentou em 200%, muitos não cumpriam o requisito básico para receber o seguro – ser pescador. Os cadastros eram feitos em troca de votos.

Em sessão especial na AL no último dia 7 o deputado cassado Chico da Pesca disse achar muito estranho que Coimbra, arrolado no mesmo processo do qual foi vítima, continue livre, leve e solto, sem ser incomodado pela Justiça ou pelo Ministério Público. “A grande questão é porque o ex-superintendente regional do Trabalho não foi representado nessa ação. Está comprovado que aposentados, empresários e até pessoas mortas recebiam o seguro e a responsabilidade por esse pagamento é do Ministério do Trabalho através das superintendências estaduais”, criticou na ocasião.

Ontem, o DIÁRIO tentou contato com o deputado Fernando Coimbra, mas ele informou, por meio do chefe de Gabinete, Rui Nogueira; que não se pronunciaria sobre o assunto. O presidente da CPI do Detran, Ítalo Mácola (PSDB), também não quis comentar o assunto, mas disse que vai trabalhar para que a CPI realmente aconteça. Mácola informou que na próxima reunião, que será realizada na manhã desta quarta-feira, apresentará uma série de requerimentos com pedido de informações ao Detran. Entre esses requerimentos está a listagem de todos os temporários do órgão, os valores gastos com esses servidores e os contatos por empresas terceirizadas. “Temos todo interesse em passar o assunto a limpo”, garantiu.

O Sindicato dos Servidores do Detran, porém, continua cético em relação ao ímpeto apurador da CPI. Hoje a entidade vai realizar um ato público com direito a enterro simbólico do Detran e barraquinha para distribuição de pizza.

A concentração será às 8h da manhã em frente da sede do Departamento na Augusto Montenegro. “Será um protesto pela moralização do Detran, em defesa dos servidores e pela qualidade dos serviços públicos”, diz o presidente do Sindetran, Elison Oliveira.

Coimbra pode ser denunciado à justiça

O Ministério Público Federal (MPF) e a Controladoria Geral da União (CGU), passados três anos da operação, ainda continuam analisando os documentos, notas fiscais e equipamentos apreendidos no escritório de Fernando Coimbra e da sua gestão na Superintendência Regional do Trabalho na busca de irregularidades fiscais. Caso os indícios de fraude se confirmem, Coimbra ainda poderá ser denunciado à justiça em ação criminal e eleitoral, podendo perder seu mandato a exemplo do que ocorreu com Chico da Pesca.

A Assessoria de Imprensa do MPF explicou ontem que existem casos onde os volumes a investigar são grandes e a demora é maior. Segundo a assessoria, ainda não foram encontradas provas ou ainda não é o momento oportuno para fazer a denúncia. O MPF informou que não comenta investigações ainda não concluídas, à exceção se for para ajudar a elucidar o caso.

O fato é que apenas Chico teve o mandato cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE/PA), em agosto de 2011.

Fernando Coimbra, que participou diretamente do esquema fraudulento no seguro-defeso, continua impune.

A fraude do seguro foi tão escrachada que de 50 mil pescadores cadastrados em menos de dois anos aumentou para 150 mil.

No Registro Geral de Pesca (RGP) eram incluídas pessoas alheias à profissão de pescador para receberem seguro-desemprego à época do defeso do pescado, como assegura a legislação trabalhista para os pescadores artesanais. Somente essa irregularidade teria custado R$ 280 milhões aos cofres federais.

A Nota Técnica nº 2985 da CGU de dezembro de 2010 mostra a fraude na concessão do Seguro-Defeso para pescador artesanal entre janeiro de 2009 a junho de 2010. Nesse período existiam cadastrados no Ministério da Pesca no Pará 204.303 pescadores. Desse total, 164.579 receberam o benefício, só que desse montante, 109.690 não estavam registrados no Ministério. Ou seja, apenas cerca de 55 mil pescadores receberam corretamente o benefício.

Para ter acesso ao seguro, os pescadores precisam se cadastrar nas superintendências de Pesca e Aquicultura para receber o Registro Geral de Pescador.

Ocorre que ter a posse da carteira não garante automaticamente o beneficio, pois quem recebe a documentação dos pescadores nos municípios, cadastra e autoriza a Caixa Econômica Federal a pagar o benefício é justamente a Superintendência Regional do Trabalho, que na época dos fatos era comandada no Pará por Fernando Coimbra.

Em abril, duas operações de combate a fraudes na obtenção e concessão de seguro desemprego destinado ao pescador artesanal no Marajó foram realizadas em Soure, Salvaterra, Curralinho, Breves e em Belém pela Polícia Federal, com apoio da Polícia Civil do Pará, além do Ministério do Trabalho. Vários mandados de prisão e de busca e apreensão foram expedidos e um deles atingiu Sávio Roberto Oliveira, ex-diretor de Seguro Desemprego da DRT na gestão de Fernando Coimbra.

FALSIFICAÇÃO

Além da investigação que sofre do MPF e CGU, Fernando Coimbra foi o responsável pela indicação do técnico de enfermagem Ricardo Pul Pinto para o comando da agência do Detran (Ciretran) do município de Redenção. Ricardo Pinto responde na 1ª vara federal de Marabá (processo n° 0008862-77.2010.4.01.3901) ação penal por crime de formação de quadrilha (Art. 288 do Código de Processo Penal).

Caso seja condenado pode ser pegar pena que varia de três a 12 anos de reclusão, além de pagamento de multa.

O atual chefe do Ciretrans de Redenção também foi preso em flagrante em 19 de janeiro de 2007 pela Polícia Federal em Xinguara por falsificar e fazer circular dinheiro falso (Art. 289 do Código de Processo Penal) e pode pegar também de três a 12 anos de cadeia, além de multa. A questão é: que isenção terá Fernando Coimbra, relator da CPI da Corrupção do Detran, para investigar as falcatruas cometidas pelo órgão já que, além de ser da base governista ainda indicou dirigente para unidade do órgão investigado acusado de vários crimes?

Sindicato denuncia militarização

O Sindicato dos Servidores do Detran (Sindetran) divulgou nota ontem, afirmando que o diretor-geral do órgão, Walter Pena, apoiado pelo secretário de Segurança Pública, Luis Fernandes, estariam “tentando militarizar o Detran, seguindo o modelo do Estado de São Paulo”, onde Pena trabalhou por mais de dez anos. Segundo o Sindetran, o modelo paulista lotou o Detran daquele estado de coronéis, tenentes, subtenentes, cabos e soldados. Apesar disso, “o trânsito de veículos da capital de São Paulo é lento e desumano”, considerado um dos piores do mundo.

Para a entidade, o “exemplo negativo” do estado de São Paulo não deve ser seguido no Pará, sob pena de termos brevemente centenas de policiais militares, através de convênio com o Detran, ocupando a fiscalização de trânsito “enquanto os marginais estarão muito mais a vontade para fazer novas vítimas de homicídios, latrocínios, sequestros relâmpagos, estupros, roubos e outras formas de violência contra o cidadão de bem que paga seus impostos, taxas e contribuição de melhorias”.

Nos últimos dias, prossegue o Sindetran, ocorreu a tentativa de retirar da autarquia de trânsito atribuições técnicas definidas no Código de Trânsito Brasileiro como privativas do Detran, mas se a intenção se consumar isso possibilitará a destinação de recursos do órgão para a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar.

Ainda de acordo com a nota, percebe-se que a grande repercussão que a imprensa tem dado às denúncias de corrupção na autarquia, que provocaram as instalações de CPI´s que teoricamente iriam apurar irregularidades e a existência de improbidade administrativa no Detran, serviram para o governo tentar celebrar convênios com a PM e os Bombeiros, que assim passariam a ocupar o lugar dos servidores do Detran nas ações de vistorias veiculares e de fiscalização de trânsito.

Paulo Bentes, tachado pelo sindicato de “braço direito” dos interesses políticos que dominam o Detran, deu aval a um convênio entre os Bombeiros e o Detran publicado em 24 de de abril passado e com vigência até 2018, no valor de R$ 1,4 milhão.

INVERÍDICA

A assessoria do Detran responde que a informação contida na nota do Sindetran carece de veracidade, porque não há nenhuma intenção de “militarizar” o órgão. Segundo ela, não chegou até o conhecimento do diretor-geral Walter Pena qualquer intenção do governo estadual em promover esse tipo de mudança na estrutura do Detran. A ideia, na verdade, seria um convênio de capacitação de 77 policiais para atuarem em áreas de risco.

Esse tipo de capacitação – algo semelhante já ocorreu no Corpo de Bombeiros, Agência de Mobilidade Urbana (Amub), e com policiais de Marabá – ainda não está fechado entre o Detran e a Polícia Militar, porque depende de discussões como o pagamento por risco de vida. A Secretaria de Segurança Pública também nega a “militarização” do Detran, informando não existir qualquer projeto para substituir seus agentes de trânsito por militares fardados.

Suspeitas sobre Operação Blitz 

A nota do Sindetran também questiona o secretário de Segurança sobre o que teria a dizer sobre o possível “vazamento” da operação da Polícia Civil, coordenada pelo Ministério Público do Estado, que deflagrou a “Operação Blitz” no Detran-PA. No dia 7 de maio, a polícia prendeu acusados de fraudar a emissão de Carteira Nacional de Habilitação (CNH).

Foram emitidos 69 pedidos de prisões preventivas e 86 mandados de busca e apreensão, sendo que 34 detenções foram executadas, incluindo membros de alguns Centros de Formação de Condutores (CFC), as chamadas autoescolas, que facilitavam o processo de emissão por meio fraudulento.

“Também foram presos os braços direito (procurador-chefe) e esquerdo (coordenador de Ciretrans) do diretor-geral do Detran, Walter Pena. Na calada da noite, tanto o procurador-chefe, Paulo Bentes, quanto o diretor- geral estiveram no Detran até as 3h e 30 minutos da madrugada no mesmo dia em que a polícia civil fez a batida policial no Detran apreendendo inclusive o computador do ex-procurador-chefe”, descreve a nota.

COUTO

A suspeita de vazamento da operação policial por parte de integrantes do governo surgiu do próprio Ministério Público, pois se deixou de lado a maior parte da cúpula do Detran, inclusive Walter Pena, de modo a poupar um maior escândalo para a gestão “Mário Couto” no Detran. Fontes do sindicato asseguram que o diretor-geral pregou uma peça em Paulo Bentes, quando esse ainda estava no cárcere: “prometeu nomeá-lo novamente seu procurador-chefe tão logo baixe a poeira”.

O Sindetran dispara novos petardos contra Walter Pena, dizendo que ele teria garantido a Bentes haver cobertura da cúpula do governo junto a Secretaria de Segurança Pública para que as investigações não sejam divulgadas na íntegra, e que não possam atingir a maioria dos assessores, gerentes, coordenadores e diretores parceiros no Detran. Os atingidos, nesse caso, seriam “somente os pequeninos, pois esses não tem como se defender”, concluiu o documento.

Fonte: Diário do Pará

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