ONU estimula consumo de insetos enquanto chefs incorporam esses animais às receitas

Gafanhoto sobre pastel frito de camarão
Gafanhoto sobre pastel frito de camarão

Dias atrás, um garçom do restaurante Paxia, no México, serviu-me peru com percevejos e disse: “Coma os bichos primeiro, com as mãos”.

Eram dois, a passear por cima da comida e a tentar fugir da morte, escalando a borda branca de porcelana. Pareciam marias-fedidas, que são primas próximas.

Capturei um chumil (seu nome em espanhol) e enfiei-o vivo na boca. Fechei o maxilar, respirei fundo para ganhar coragem e crac!

Foi morte súbita. O suco das entranhas misturou-se aos pedacinhos da carapaça espatifada em uma só massa negra. Cobriu-me a língua de um sabor fortíssimo de… maçã-verde!

Da Dinamarca à Austrália, tenho me deparado, cada vez mais, com insetos no prato.

A moda, quem diria, surgiu no Brasil, graças ao chef Alex Atala, do paulistano D.O.M., que levou saúvas na mala de presente para o chef René Redzepi, do Noma, em Copenhague, e exibiu-as em palestras internacionais. “Foi um choque quando provei as formigas [amazônicas], um momento eureca”, disse Redzepi em vídeo sobre o tema.

O chef não só saiu à caça de formigas de sua região para servir aos clientes como foi além. Fez que o laboratório de pesquisas que dirige, o Nordic Food Lab, se dedicasse ao estudo da entomofagia, desenvolvendo receitas com baratas, cigarras e formigas, entre outros bichos.

Em parceria com o movimento Pestival (ou festival das pestes), o laboratório dinamarquês serviu em evento londrino em abril tira-gostos feitos com insetos. O menu incluía musse de larva de mariposa e caldo de gafanhoto.

As pesquisas do Food Lab apareceram em relatório divulgado dia 13 de maio pela FAO (Organização da Alimentação e da Agricultura), órgão da ONU, recomendando o aumento do consumo de insetos por ser nutritivo, abundante e não-poluente.

Ainda pouco difundido nos países ricos, o consumo de insetos esbarra no preconceito. “Insetos precisam ser deliciosos para terem chance de se tornar alimento para milhões de pessoas”, diz o chef Ben Reade, do Food Lab.

DEGUSTANDO INSETOS

Insetos dão às receitas muito mais textura do que sabor. Patas e cascos, ainda mais quando secos ou fritos, estilhaçam-se à primeira mordida e fazem cócegas na língua. Geralmente, falta gosto.

A formiga amazônica servida no D.O.M., de notas cítricas, apreciada pelos índios no alto Rio Negro (e de lá trazida por Atala), destaca-se de outras espécies. “Dos mais de sete tipos de saúvas da Amazônia, só essa tem essa potência de sabor”, diz o chef. Outra exceção é o tal do percevejo que degustei há pouco na Cidade do México.

A espécie chamada “chapulín” é apreciadíssima naquele país. O nome do personagem Chapolin, aliás, foi dado em homenagem à cor do inseto: vermelho.

Serviram-me vários sobre guacamole no restaurante Azul Condesa, no México, e pareceram-me supérfluos. Em contato com o abacate molhado perderam a crocância, e os temperos encobriam seu delicado sabor.

No dia seguinte, provei os mesmos “chapulines”, mas tostados e socados com sal. Deliciosos! As notas terrosas e carnosas me lembravam um cozido muito reduzido.

Achei menos graça no gafanhoto que coroava o pastel frito recheado de camarão que provei no restaurante Billy Kwong, em Sydney. Tamanhos eram o “crac-crac” e a intensidade da fritura que mal notei o gosto do bicho seco.

Como eu, a maioria das pessoas prefere ingerir insetos crocantes aos flácidos ou gosmentos, como as larvas.

Tenho certo nojo de qualquer larva crua, inclusive o gusano, que antes de virar borboleta vive entre as rígidas e espinhosas folhas do maguey (planta usada para produzir o destilado mezcal).

Mas adoro o gusano seco, tostado, com sal, que tem na boca notas gostosas, profundas e difíceis de descrever.

Ovas de formiga (“escamoles”, em espanhol) me soam ainda mais repugnantes. Entretanto, são a maior iguaria do reino dos insetos, apreciadíssimas pelos mexicanos.

“Acho o gosto terroso, elegante. São untuosas”, diz Atala. Ao prová-las sobre uma torradinha de milho no restaurante Pujol, na capital mexicana, tive que concordar: tinham um quê de amanteigadas e a textura, embora mais mole, lembrava as sementes de quiabo que a chef Roberta Sudbrack, no Rio, serve como se fossem caviar.

Ao superar a barreira psicológica, soube apreciá-las. Como bem diz Mark Hermansen, antropólogo formado na Universidade de Oxford que se dedica hoje ao estudo dos insetos comestíveis, “só o preconceito pode fazer o gosto de certas coisas parecer ruim”.

Editoria de Arte/Folhapress

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