Milton Corrêa
Reforma política se arrasta há mais de 15 anos no Congresso
Agência Brasil
Enquanto a presidenta Dilma Rousseff apresenta proposta para que um plebiscito leve à sociedade a possibilidade de decidir sobre a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte exclusiva para tratar da reforma política, um projeto sobre o assunto está pronto para ser votado no plenário da Câmara dos Deputados desde o ano passado.
O relator da matéria, deputado Henrique Fontana (PT-RS), não perdeu ainda a esperança de ver seu relatório ser analisado pelos demais deputados. Segundo Fontana, o texto chegou ‘à porta do plenário’, mas não foi apreciado por falta de um acordo entre os líderes partidários.
Agora, diante das manifestações populares que vêm pedindo mudanças na política do país, o deputado acredita que a reforma política possa ser enfim votada pelo Congresso. ‘Apoio esta proposta que a presidenta lançou, de uma Constituinte para votar a reforma política. Mas isso não impede que o Congresso resgate o meu projeto e vote em regime de urgência’, disse o deputado.
Fontana diz que a matéria, que há 15 anos é discutida pelos parlamentares sem que se chegue a um acordo que permita a votação, é de fato ‘complexa’. Segundo ele, existem ‘interesses diversos’ que são difíceis de conciliar. ‘Quem sabe esse novo cenário de manifestações possa abrir a porta para que a reforma política seja votada’, avalia.
A proposta relatada por Fontana é a mais recente discutida pelo Congresso. O texto dele prevê o financiamento público exclusivo das campanhas, a coincidência das eleições para todos os cargos – de vereadores a presidente da República – em 2022 e a prorrogação dos mandatos de prefeito a serem eleitos em 2016. Além disso, ele propõe também o fim das coligações em eleições proporcionais e a criação de uma lista flexível de candidatos a ser apresentada para os eleitores.
O relatório de Fontana também amplia a possibilidade de a sociedade participar da vida legislativa por meio da internet. O texto dele aumenta as formas de apresentação de projetos de lei de iniciativa popular, como foi o caso do projeto que criou a Lei da Ficha Limpa.
Também recentemente, uma comissão mista do Congresso Nacional elaborou uma proposta menos ambiciosa com mudanças na lei eleitoral. O projeto, coordenado pelo deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), propõe, entre outras coisas, que sejam convocadas novas eleições em caso de cassação de mandato de prefeito e medidas para reduzir a burocracia na Justiça Eleitoral. O projeto também estabelece a permissão para a pré-campanha, em que os candidatos poderão assim se declarar nas próprias redes sociais e sites.
Para entender melhor as sugestões, Zero Hora conversou com especialistas sobre os eventuais benefícios das mudanças para o sistema político e para a sociedade.
1. FINANCIAMENTO PÚBLICO
Se por um lado a mudança onera ainda mais os já assediados cofres públicos, o cientista político Pedro Arruda avalia que trocar o financiamento privado das campanhas pelo público é um custo que pode valer a pena. Setores da sociedade incapazes de fazer doações seriam melhor representados. O risco de aumento de repasses ilegais, via caixa 2, é visto como um risco. Mas não seria um impeditivo: — Não há sistema imune a fraude. E quando toda doação se torna ilegal, pode ficar mais fácil de fiscalizar. Hoje, há uma compra de votos institucionalizada. Em 2010, as campanhas no Brasil custaram R$ 3,9 bilhões. Com o financiamento público, a intenção também seria baixar dessas despesas. Primeiros números falam em R$ 500 milhões, a serem divididos pelos partidos conforme as suas bancadas. — Esse é um dos motivos pelos quais há resistência ao financiamento público. Quem hoje está na oposição, receberia um valor menor — aponta o cientista. Obrigados a dividir um bolo menor, os partidos devem apresentar menos candidatos. Do contrário, haverá ainda menos recursos para quem se aventurar na vida pública.
2. FIM DAS COLIGAÇÕES
A palavra “fraude” é usada pelo juiz eleitoral Marlon Reis, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, para definir as eleições sob o atual sistema de coligações partidárias. Mas o magistrado esclarece: — Não é preciso acabar com as coligações para acabar com os efeitos ruins dela. Hoje, coligar-se a outra legenda tem duas finalidades: somar forças para ganhar vagas no Legislativo e somar tempo de horário eleitoral nas eleições majoritárias. Afinidade de propostas foi para o fim da fila. A fraude, conforme Reis é um eleitor votar em um candidato específico e beneficiar outro completamente diferente. Para combater essas práticas, no entanto, não seria preciso plebiscito ou ampla reforma, mas uma simples mudança na lei vigente.
3. SISTEMA ELEITORAL
Os pontos mais complexos da reforma residiriam em duas mudanças do sistema eleitoral: o voto distrital ou o voto em lista. Elas são classificadas pelo cientista político Adriano Oliveira, respectivamente, como “desnecessária” e “estapafúrdia”. — O primeiro problema do voto distrital é como se dará essa divisão por distritos. Mas o principal deles é que esse sistema, informalmente, já existe — avalia. Segundo ele, o eleitor vota naturalmente em políticos da sua região. Oliveira vê com bons olhos a maior vigilância entre o cidadão e um parlamentar ligado ao seu distrito, mas nada fundamental para mudar a política brasileira. Já o voto em lista — em que a pessoa votaria em um partido, e elegeria uma fila de parlamentares definido previamente pela sigla — recebe críticas mais duras: — Ele beneficia “donos” dos partidos e vai contra tudo o que há de mais moderno na política: novas lideranças, candidaturas avulsas e pulverizadas.
4. VOTO SECRETO
Das cinco sugestões para o plebiscito, o fim do voto secreto é a que mais prospera no Congresso. Os defensores argumentam que o voto secreto, por vezes, preserva o interesse do povo, por escudar o parlamentar das imposições dos partidos ou do governo federal. — É uma preocupação cabível. Mas é uma questão de custo-benefício. A sociedade tem mais a ganhar com essa total transparência do que o parlamentar a perder — declara a cientista política Maria do Socorro.
5. SUPLENTE SEM VOTO
É mais fácil encontrar o mar em Brasília do que um defensor do mecanismo de suplência dos senadores. A unanimidade, no entanto, não impede que 21% do Senado (17 vagas) seja ocupado por ilustres desconhecidos, substitutos de senadores que se tornaram governadores, ministros ou faleceram. E quem seria o substituto ideal de um senador afastado? — Ninguém. Deve-se realizar uma nova ou aguardar a próxima eleição — opina o cientista político Ricardo Caldas.