Dr. Rodolfo Geller: “Não creio em represálias”

Dr. Rodolfo Geller
Dr. Rodolfo Geller

O advogado Rodolfo Hans Geller, ex-presidente da Subseção da OAB de Santarém, com grande atuação na área do direito em Santarém e região, recebeu nossa equipe de reportagem em seu escritório e nos concedeu entrevista exclusiva, onde aborda a profissão do advogado e do corretor de imóveis. Veja a entrevista na íntegra:

Jornal O Impacto: O art. 5º, do Código de Ética e Disciplina do Estatuto da OAB, define que: “exercício da advocacia é incompatível com qualquer procedimento de mercantilização”. Como o senhor interpreta essa questão?

Rodolfo Geller: Inicialmente esclareço que presto esta entrevista com o respeito devido a todos, objetivando contribuir para o prestígio da classe e da advocacia. Sabe-se que é dever de todo advogado tratar os colegas, as autoridades, os servidores e o público em geral com respeito e discrição, mas também com independência. É assim que sempre me conduzi e persistirei. Não creio em represálias no âmbito da administração da OAB, onde não há partidos, instituição que historicamente ganhou respeito público, força e peso pela atuação coesa e destemida em tantas lutas nacionais, contra a corrupção e o nepotismo, em favor das liberdades democráticas, do direito, da justiça social e da dignidade humana, só para exemplificar. Desde sempre o exercício da advocacia foi incompatível com a mercantilização. Para não me alongar, creio atuais estas palavras de Rui Barbosa, sobre a atuação do advogado: “não fazer da banca balcão, ou da ciência mercatura. Não ser baixo com os grandes, nem arrogante com os miseráveis. Servir aos opulentos com altivez e aos indigentes com caridade. Amar a pátria, estremecer o próximo, guardar fé em Deus, na verdade e no bem” (Oração aos moços).

 Jornal O Impacto: À luz do art. 5º, XIII, da Carta Política de 1988, evidencia-se que: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Na esteira deste preceito constitucional, considerando a hipótese de vir o(a) advogado(a) exercer outras profissões regulamentadas por lei – o que é recorrente – excetuadas aquelas com incompatibilidades e impedimentos previstos no capítulo VII,  da Lei 8.906/1994 (Estatuto da OAB), o teor do mencionado art. 5º, do Código de Ética da OAB, não caracteriza uma violação da referida norma constitucional?

Rodolfo Geller: Parece que a indagação quer abordar se há impedimento para o exercício da advocacia concomitante com outra profissão regulamentada. Aqui partimos da idéia de que, “no seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social” (art. 2º, § 1º, Lei nº 8.906/94). Dentro desse contexto, deve o advogado proceder de forma que seja merecedor de respeito e prestígio à advocacia, exercendo as atividades privativas conforme a Constituição (art. 133), o Estatuto e leis aplicáveis, o Regulamento Geral, os Provimentos e o Código de Ética, principalmente. Assim, há o dever de observar as incompatibilidades e os impedimentos inscritos nos arts. 27 a 30 da Lei nº 8.906/94. No caso de dúvida, é pertinente e adequado formular consulta, em tese, ao Conselho da OAB (art. 85, IV, do Regulamento Geral do Estatuto). Servem ainda de auxílio inicial e cotejo as normas previstas para cumulação de cargos no serviço público, inscritas no art. 37, XVI, da Constituição, aplicáveis com ponderações. Preservar a independência da advocacia é fundamental, o que parece impedir o exercício concomitante de outra profissão regulamentada no mesmo espaço físico.

Jornal O impacto: É certo que a captação de clientela para a advocacia através da utilização de outra profissão viola o código de Ética e o Estatuto da OAB. Partindo dessa premissa, em quais hipóteses a prática simultânea da advocacia com outra profissão lícita violaria o Código de Ética e Disciplina do Estatuto da OAB?

Rodolfo Geller: Neste ponto, o cuidado com a atuação profissional independente deve ser ainda mais rigoroso (art. 31, § 1º, Lei nº 8.906/94). O advogado não pode ter agenciador de causas, alguém que, agindo geralmente de modo sutil (em geral nas ações plúrimas), tenha participação nos futuros honorários; isto, segundo Paulo Luiz Netto Lôbo, danifica o prestígio da advocacia e amesquinha o trabalho profissional (Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB, 3 ed., Saraiva, 2002, p. 190). Fazer captação de causas ou angariar clientes, oferecendo os serviços como se fosse mercadoria, é vedado ao advogado. Eventual publicidade deve ser realizada de modo genérico e com moderação, sem prometer resultados (cf. Paulo Lôbbo). Regra geral, o advogado deve ser procurado, e não procurar clientes, seja diretamente ou em ambientes sociais, mesmo que essa circunstância seja derivada de outra profissão que eventualmente exerça. Por ser assunto importante, embora por vezes complexo, a publicidade recebeu tratamento especial no Código de Ética (arts. 28 a 34), cuja leitura e releitura recomenda-se. Em qualquer caso, é vedado divulgar a advocacia em conjunto com outra profissão (art. 1º, § 3º, Lei nº 8.906/94). O advogado que usa habitualmente a imprensa, seja para alegações forenses, falar de certos temas jurídicos ou causas não pode, por esse meio, sutilmente captar ou angariar clientes. Eis um pouco dos desafios éticos que todos nós advogados temos neste âmbito.

Jornal O Impacto: Percebemos que os Conselhos Regionais e o Conselho Federal de categorias, principalmente os de Corretores de Imóveis (CRECI E COFECI), têm uma postura, a nosso sentir, um tanto quanto mais coerente no tocante à matéria, posto que vêem em determinadas profissões, especialmente na advocacia, contabilidade, economia, administração de empresas e outras, uma linha muito tênue, inclusive correlatas e complementares das atividades imobiliárias. Dessa forma, o senhor acredita que a OAB tende a operar no mesmo sentido dos CRECIS ou, ao contrário dessa fronteira, a Ordem irá relutar pela proibição de outras atividades simultâneas com a advocacia?

Rodolfo Geller: Não cabe neste espaço, nem é intenção, analisar se há ou não coerência ética entre o agir e o dever-ser de outras profissões regulamentadas. Contudo, não posso deixar de referir que a ética tem preceitos um tanto isonômicos e universais, com semelhante fundo protetivo, isto de modo acentuado nas regras deontológicas fundamentais. Assim, os deveres fundamentais do advogado (art. 2º, Parágrafo Único, Código de Ética) são correlativos aos de outras profissões regulamentadas. Vejamos alguns deveres fundamentais do advogado: “preservar, em sua conduta, a honra, a nobreza e a dignidade da profissão, zelando pelo seu caráter de essencialidade e indispensabilidade (I); atuar com destemor, independência, honestidade, decoro, veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé (II); velar por sua reputação pessoal e profissional (III); empenhar-se, permanentemente, em seu aperfeiçoamento pessoal e profissional (IV); contribuir para o aprimoramento das instituição, do direito e das leis (V). Percebam que outras profissões regulamentadas têm iguais preceitos éticos, isto em análise abrangente. No fundo, todos temos compromissos inafastáveis com os fundamentos e os objetivos inscritos na Constituição Federal (arts. 1º e 3º), que são o chão e o norte de quem tem compromisso com o Brasil. O direito deve ser o motor e principal protagonista dessa cruzada ética, atento aos clamores das ruas, pois todo poder emana do povo e em seu nome deve de ser exercido (art. 1º, P. Único, CF). A OAB deve acentuar e revigorar o combate contra todas as formas de corrupção, e isto é medida de conduta inafastável para todos nós advogados. As outras profissões regulamentadas precisam juntar forças, aliar-se nessa cruzada republicana.

 Jornal O Impacto: Pela análise dos diversos julgados dos Tribunais de Ética das Seccionais e do próprio Conselho Federal da OAB, é fácil perceber a total divergência no exame da matéria, posto que as decisões acerca do assunto não consistam em uma padronização. Ao contrário disso, mostram-se contraditórias, adversas ao entendimento predominante dos CRECIS E COFECI, que também possuem legislação própria, mas não vedam o exercício de corretor com outra profissão. Dito isso, em sua opinião, o que deve ser feito para uniformizar o entendimento e vencer o assunto no âmbito da OAB?

Rodolfo Geller: Sobre julgados de processos éticos, confesso não conhecer com exatidão os proferidos no âmbito dos Conselhos de Corretores de Imóveis. Perante a OAB a matéria está bastante discutida, e no essencial mais ou menos consolidada, com regras específicas. Porém, exige-se agora interpretação sistemática e teleológica. Não dá mais para ficar apenas com o velho método de interpretação literal, achando que os temas éticos têm caráter penal e devem ser interpretados de modo restritivo. Estamos ultrapassando os umbrais do positivismo estrito e avançando para um novo tempo, em doutrina chamado de pós-positivismo (Luiz Roberto Barroso. Direitos fundamentais: Estudos em homenagem a Ricardo Lobo Torres. Daniel Sarmento e Flávio Galdino [Orgs.], Renovar, 2006, p. 669 e sgts.). Esse sentido de que tudo deve ser padronizado ossifica, cristaliza e estagna o direito, retirando-lhe o poder de acompanhar a rápida e dinâmica evolução civilizatória neste tempo de ágil comunicação informatizada, de avanços fenomenais rápidos na medicina e outras áreas. A história nos mostrou que a legalidade formal pode encobrir/permitir a barbárie (e.g., nazismo). Foi isto que fez a doutrina superar o positivismo estrito das leis/regras, introduzindo a dogmática dos princípios, que tem quatro características básicas: a) reaproxima o direito com a ética; b) resgata os valores civilizatórios; c) reconhece a normatividade dos princípios; e d) cultiva e promove os chamados direitos fundamentais (Barroso, cit.). É sob essa dimensão que devem ser interpretadas as normas éticas, olhando sempre para dentro da Constituição, onde estão os princípios, os valores e os fundamentos instituídos e aprovados por todos nós, base do agir e do dever-ser de todas as profissões.

Jornal O Impacto: Tomamos conhecimento que OAB PARÁ vai encaminhar uma comissão para fiscalizar os escritórios de advocacia em Santarém, que exercem atividade imobiliária no mesmo prédio. Na sua opinião, um advogado pode exercer atividade como pessoa física e como corretor de imóveis (pessoa jurídica), no mesmo prédio que exerce a advocacia? Mesmo que seja em salas separadas?

Rodolfo Geler: Para poder melhor entender e então responder adequadamente a questão devemos tomar em conta algumas informações que indicamos acima. Igualdade no modo de tratar os assuntos implica que eles tenham os mesmos elementos de fato e de direito. As profissões regulamentadas são autônomas na compreensão jurídica, isto é, no espectro essencial não se sobrepõem, abordam aspectos diversos. Os serviços prestados pelo corretor de imóveis não são os mesmos prestados pelo advogado. Isto obriga que essas profissões, para continuarem a ser autônomas, como regra geral, sejam exercidas em espaços físicos diversos. Nada impede que uma empresa imobiliária tenha em suas dependências um setor jurídico, mas o espaço de atuação do advogado não pode se confundir com o do exercício profissional do corretor. Há que haver uma separação, um agir diferenciado e autônomo, que põe cobro e deixe bem visível aos freqüentadores e interessados os âmbitos de atuação de um e outro profissional. Logo, mesmo podendo um advogado ser também corretor de imóveis ou contador, por exemplo, os espaços de atuação não podem confundir-se de modo a retirar a autonomia das profissões e perturbar a compreensão dos interessados e até a ordem pública. Sobre o assunto, aludimos a decisão que nos parece adequada, tomada pelo Tribunal de Ética da OAB/SP, que no ponto assim concluiu: “Inexistência de impedimento ou incompatibilidade com relação às atividades de corretagem, embora não recomendável. Necessidade imperiosa de preservação dos preceitos éticos e de ordem pública não podendo, por conseqüência, serem as atividades conjuntas exercidas no mesmo espaço físico nem angariar causas ou clientes e comprometer o direito/dever de sigilo profissional e inviolabilidade do escritório de advocacia, além da estriba obediência ao § 3º do art. 1º do EAOAB, que veda a divulgação da advocacia em conjunto com outras atividades, melhor entendido pela leitura do artigo 31 do Código de Ética e Disciplina” (Proc. nº E-1.389, in Boletim AASP nº 1984/6, citado por Gisela Gondin Ramos. Estatuto da Advocacia: Comentários e jurisprudência selecionada. 4 ed. OAB/SC, 2003, p. 52). Se vossa afirmação for verdadeira, sugerimos que a OAB comece as verificações por Belém, ou quiçá por Brasília, locais onde o fenômeno por certo é bem conhecido, para dar exemplo educativo, fator altamente pedagógico do ponto de vista ético no Brasil que vivemos.

Jornal O impacto: O advogado pode exercer como pessoa física a atividade de advocacia e como pessoa jurídica a atividade de imobiliária?

Rodolfo Geller: Não vemos problema ético algum no exercício conjunto dessas profissões, que será tanto mais nobre quando bem atendidos e cumpridos, com o rigor e o desvelo necessários, todos os deveres basilares, os deontológicos e demais regras e preceitos de conduta ética de ambas as atividades. O mesmo raciocínio pode ser aplicado se as profissões forem de advogado e contador, ou administrador ou economista. Outra vez anotamos que a Constituição é a maior medida de compreensão e definição para a matéria, motivo porque todas as normas e regras infraconstitucionais pertinentes, legais e éticas, devem sempre ser interpretadas em modelo conforme a Constituição. Nela estão bem demarcados os contornos inafastáveis constitutivos de nosso Estado de Direito, base do que procuramos e defendemos incessantemente dentro da OAB e fora dela: a JUSTIÇA. Este modo de ser e proceder é que sempre nos moveu e nos impulsiona a prosseguir na vida e nas lutas, procurando cumprir com cabeça erguida nossa missão.

Fonte: RG 15/O Impacto

Um comentário em “Dr. Rodolfo Geller: “Não creio em represálias”

  • 20 de agosto de 2013 em 07:15
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    Durante a entrevista toda, fugiu do assunto e não respondeu, pois sabe-se na Cidade que o mesmo é muito mais corretor de imóveis do que advogado.

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