Dilma foi alvo de espionagem de agência dos EUA

Presidente Dilma Rousseff
Presidente Dilma Rousseff

A Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA) monitorou o conteúdo de telefonemas, e-mails e mensagens de celular da presidente Dilma Rousseff e de um número ainda indefinido de “assessores-chave” do governo brasileiro. Além de Dilma, também foram espionados pelos americanos nos últimos meses o presidente do México, Enrique Peña Nieto, — quando ele era apenas candidato ao cargo — e nove membros de sua equipe. As informações foram reveladas ontem pelo “Fantástico”, que teve acesso a uma apresentação feita dentro da própria NSA, em junho de 2012, em caráter confidencial. O documento é mais um dos que foram repassados ao jornalista britânico Glenn Greenwald por Edward Snowden, técnico que trabalhou na agência e hoje está asilado na Rússia.

Ontem à noite, ao tomar conhecimento da reportagem, o ministro da Justiça, Eduardo Cardozo, classificou a espionagem como um fato “gravíssimo” e afirmou que, se confirmado o monitoramento das comunicações da presidente Dilma e de seus assessores, o episódio terá sido uma “clara violação à soberania” brasileira. Cardozo antecipou ainda que fará um pedido formal de explicações aos Estados Unidos e que o tema será levado à Organização das Nações Unidas (ONU).

— Se forem confirmados os fatos da reportagem, eles devem ser considerados gravíssimos e caracterizarão uma clara violação à soberania brasileira — disse o ministro, depois de uma reunião com Dilma. — Isso foge completamente ao padrão de confiança esperado de uma parceria estratégica, como é a dos Estados Unidos com o Brasil. Diante desses fatos, vamos exigir explicações formais ao governo americano, o Itamaraty convocará o embaixador dos Estados Unidos (Thomas Shannon) para dar explicações e vamos levar o assunto a todos os fóruns competentes da ONU.

A apresentação em que a presidente Dilma Rousseff e o presidente Enrique Peña Nieto são citados e aparecem até em fotos tem um total de 24 slides e não traz nenhum exemplo de e-mail ou ligação da governante brasileira. O título é “Intelligency filtering your data: Brazil and Mexico case studies” (“Inteligência filtrando informação: os estudos de caso do Brasil e do México”, numa tradução livre), e sua classificação indica que o documento só pode ser lido pelos países que integram o grupo batizado pela NSA como “five eyes”. São eles: Estados Unidos, Grã-Bretanha, Austrália, Canadá e Nova Zelândia. Nesse mesmo documento, que data de junho de 2012, a NSA explica com grande precisão de detalhes e desenhos como espiona os telefonemas, e-mails e mensagens de celular dos dois líderes latino-americanos. Ao final, congratula-se de ter tido “sucesso” na empreitada.

Segundo o jornalista Glenn Greenwald, que recebeu os documentos de Snowden e colaborou com a reportagem do “Fantástico”, a apresentação de slides deixa claro que o primeiro passo da NSA é identificar seus alvos, seus números de telefone e seus endereços de e-mail. Depois, usando pelo menos três programas de computador — o Cimbri, Mainway e Dishfire (este capaz de procurar uma palavra-chave numa imensidão de dados) —, a agência filtra as comunicações que devem merecer mais atenção. Para ilustrar esse processamento de dados, a apresentação traz a imagem de duas mensagens de celular. Na primeira delas, capturada numa comunicação entre dois colaboradores do então candidato Enrique Peña Nieto, ele aparece identificado pela sigla EPN (as primeiras letras de seu nome).

A segunda, extraída do celular do próprio Peña Nieto, traz uma revelação: o nome daquele que viria a ser anunciado, dias mais tarde, como coordenador de Comunicação Social do governo. Nessa parte do documento, lê-se, no alto do slide, o número 85.489. Para Greenwald, o número poderia significar o total de mensagens interceptadas pela NSA no entorno de Peña Nieto. O dado não foi comprovado.

Ao trazer à tona o estudo de caso do Brasil, a apresentação da NSA é clara. Seu objetivo é “aumentar o entendimento dos métodos de comunicação” de Dilma Rousseff e de seus “assessores-chave”. No slide que vem logo em seguida, a agência mostra, sem revelar nomes, a teia de relacionamentos da presidente e como esses indivíduos se relacionam entre si. Segundo a interpretação de Greenwald, essa é uma forma de os Estados Unidos identificarem os principais interlocutores do governo brasileiro. E, segundo revela o documento obtido pelo “Fantástico”, o esforço tem dado resultado. Na conclusão da apresentação sobre o caso Brasil, a NSA destaca que “foi possível aplicar essas técnicas com sucesso contra alvos importantes”, inclusive contra os brasileiros e mexicanos que costumam proteger tecnicamente suas comunicações (os chamados “OPSEC-savvy”, em inglês).

O ministro José Eduardo Cardozo preferiu não adiantar quais providências seriam tomadas caso as denúncias reveladas ontem sejam confirmadas, mas avançou na crítica:

— Isso (a espionagem) atinge não só o Brasil, mas a soberania de vários países que pode ter sido violada de forma absolutamente contrária ao que estabelece o direito internacional — destacou ele. — Não pode haver uma coleta indiscriminada de dados no Brasil sem a determinação do Poder Judiciário.

‘Amigo, inimigo ou problema?’

Mas o interesse da NSA pelos brasileiros não se esgota aí. Um segundo documento revelado ontem à noite indica que os Estados Unidos ainda têm dúvidas quanto à sua avaliação do Brasil. Em um dos slides do powerpoint intitulado “Identifying challenges for the future” (“Identificando desafios para o futuro”), que também foi repassado a Greenwald por Snowden, a Agência de Segurança Nacional se faz uma pergunta: “Amigos, inimigos ou problemas?” Logo abaixo faz uma lista de países que merecem observação. O Brasil encabeça o ranking composto ainda por Egito, Índia, Irã, México, Arábia Saudita, Somália, Sudão, Turquia e Iêmen. Classificada pela sigla “FOUO” (“for official use only” – “exclusivo para uso oficial), a apresentação tem 18 slides e pretende levar a agência a fazer uma reflexão sobre o período que vai de 2014 a 2019. O documento também classificado como confidencial é disponibilizado apenas para os “five eyes”, países com quem a NSA diz “trocar informações de forma frequente”. Nele, o Brasil aparece ainda ao lado da Turquia como nações emergentes capazes de gerar “estresse regional”.

No terceiro e último documento repassado por Greenwald ao “Fantástico”, a maior agência de segurança do mundo revela que mantém uma equipe responsável por monitorar questões comerciais em treze países da Europa e em “parceiros estratégicos” mundo a fora. Na lista da ISI estão Brasil, México, Japão, Bélgica, França, Alemanha, Itália e Espanha. Segundo o documento, são nações que têm em comum o fato de serem importantes para a economia americana e para as “questões de defesa”. Essa divisão especializada da NSA também daria ao órgão “informações sobre as atividades militares e de inteligência” desses países.

Procuradas pela TV Globo, as embaixadas dos Estados Unidos e do México não se pronunciaram. Em outubro, Dilma Rousseff tem viagem marcada para encontrar o presidente americano, Barack Obama, nos Estados Unidos.

Fonte: O Globo

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