Trechos de lei paraense que permitem contratações sem concurso são inconstitucionais, diz PGR

Em quatro anos, quantidade de temporários contratados foi 4,6 vezes maior do que a de concursados.

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que declare inconstitucionais trechos de lei do Pará que possibilitam a contratação temporária de profissionais, sem concurso público, para suprir falta ou insuficiência de pessoal para execução de serviços essenciais. Para o PGR, a norma genérica contraria a Constituição Federal, que admite esse tipo de admissão por tempo determinado apenas para suprir necessidade temporária e de excepcional interesse público, desde que especificada a urgência, o prazo e a necessidade da contratação.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5673 contesta trecho da Lei Complementar 7/1991 do Pará que amplia os casos de excepcional interesse público previstos no artigo 37, inciso IX, da Constituição Federal. Para o PGR, a lei paraense, ao exemplificar de forma abrangente hipóteses de contratação temporária, abre espaço para que a mera carência de pessoal em serviços essenciais (saúde, educação, segurança pública, entre outros) seja suprida por servidores contratados sem concurso.

“O preceito, por conter cláusula genérica e excessivamente abrangente, dá ensejo a sucessivas contratações de servidores temporários para executar serviços essenciais e permanentes, em quaisquer dos órgãos da administração direta, autárquica e fundacional do Estado do Pará, com injustificada e indeterminada protelação de realização de concurso público para suprir falta de pessoal para execução de serviços essenciais”, argumenta Janot.

Segundo o PGR, a norma “tem causado distorções graves na admissão de trabalhadores no Pará”. Tanto que, entre 2012 e 2016, foram realizados 10 concursos públicos e admitidos 5.732 servidores efetivos aprovados nos certames, enquanto outras 26.652 contratações temporárias foram feitas para as mais diversas funções públicas. O número corresponde a quase cinco vezes as contratações via concurso. “Não raro – é impossível desconhecer – tais contratações possuem fins não republicanos (como apadrinhamento, clientelismo e cooptação eleitoral), distantes da busca de realização do interesse público, objetivado pela norma do art. 37, inciso IX, da Constituição”, destaca na ação.

Conforme explica, a Constituição Federal prevê como regra concurso para admissão de servidores no serviço público, admitindo exceções para cargos em comissão e contratações temporárias de excepcional interesse público. A jurisprudência do STF estabelece critérios cumulativos indispensáveis para validar esse tipo de contratação. Elas devem abranger os casos excepcionais previstos em lei, ter prazo predeterminado, além de atender necessidade temporária, urgente e interesse público excepcional. Além de tais requisitos, é necessário indicar de forma expressa e específica a excepcionalidade da situação de interesse público e o caráter indispensável da contratação temporária.

MPF INICIA PROCEDIMENTO PARA RECONSTRUÇÃO DE PROCESSO PENAL DO CASO FAZENDA BRASIL VERDE

A reconstituição do processo sobre trabalhadores mantidos em situação análoga à escravidão atende decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Mais de 120 trabalhadores passaram pela Fazenda Brasil Verde, no sul do Pará, submetidos a condições análogas à escravidão, sem alimentação adequada ou pagamento digno. Essas e outras violações de direitos humanos serão reconstituídas pelo Ministério Público Federal (MPF) por meio de procedimento investigatório criminal instaurado para apurar os crimes cometidos na propriedade rural no município de Sapucaia de 1997 a 2000. A medida é resultado da primeira decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) na temática de trabalho escravo contemporâneo.

Em dezembro de 2016, após três anos de processo, o tribunal internacional considerou o Estado Brasileiro culpado por violar o direito de liberdade, especificamente o direito de não ser submetido a qualquer forma de escravidão ou servidão; o direito de acesso à justiça e a garantias judiciais; e o direito à razoável duração do processo das vítimas escravizadas na Fazenda Brasil Verde. O inquérito que apurava o caso foi extraviado durante sua tramitação na Justiça brasileira. A condenação do Brasil baseia-se nos direitos e deveres incorporados à legislação brasileira com a adesão do país à Convenção Americana de Direitos Humanos ou Pacto de São José da Costa Rica.

Na decisão, a Corte Internacional considerou que apesar de o Estado ter pleno conhecimento do risco sofrido pelos trabalhadores submetidos à escravidão ou trabalho forçado no Estado do Pará e, especificamente, na Fazenda Brasil Verde, não demonstrou ter adotado medidas efetivas de prevenção antes de março de 2000 no sentido de impedir essa prática e a submissão de seres humanos às condições degradantes e desumanas identificadas”.

Como reparação, o Estado Brasileiro foi condenado a restabelecer o inquérito policial 2001.39.01.000270-0, iniciado em 2001 perante a 2ª Vara da Justiça Federal de Marabá. À época, ainda não havia sido consolidada a competência federal para investigar o crime de trabalho escravo, razão pela qual o juiz federal que atuava no caso remeteu o processo à Justiça Estadual em Xinguara, no Pará. Depois disso, o inquérito não foi mais localizado. A reconstituição terá o intuito de identificar, processar e punir os responsáveis pelos crimes cometidos na Fazenda Brasil Verde. A sentença determinou ainda que a União indenizasse as vítimas em cinco milhões de dólares.

Em cumprimento à decisão da CIDH, a Câmara Criminal do Ministério Público Federal (2CCR/MPF) enviou à Procuradoria da República em Redenção, no Pará, documentos referentes ao caso julgado pela CIDH para subsídio na instauração de procedimento investigatório criminal (PIC) que irá apurar as violações de direitos humanos na propriedade pecuária, em Sapucaia.

A coordenadora da área criminal do MPF, subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen, lembra que escravidão contemporânea é tema prioritário da instituição que, desde 2011, conta com um grupo de trabalho específico sobre o tema no âmbito da 2CCR. A partir de 2014, procuradores da República passaram a participar de algumas operações de fiscalização do grupo móvel de combate ao trabalho escravo do Ministério do Trabalho. “No caso da Fazenda Brasil Verde, o MPF atuou junto à Corte Internacional como perito auxiliar. Agora, a Câmara irá empenhar esforços para apoiar os membros de Redenção para o melhor cumprimento da decisão da CIDH”, explica a subprocuradora-geral.

Entenda o caso – Durante a década de 90, a propriedade pecuária Fazenda Brasil Verde recebeu 128 trabalhadores rurais para a execução de diversos trabalhos em Sapucaia, no sul do estado do Pará. Os homens com idade de 15 a 40 anos foram atraídos de diversas cidades do norte e nordeste do país pela promessa de trabalho.

Ao chegar na fazenda, no entanto, os trabalhadores foram surpreendidos por longas horas de jornada, com ferramentas inadequadas e sem alimentação satisfatória. As vítimas dormiam em galpões de madeira sem energia elétrica, sem camas nem armários, e toda a comida que consumiam era anotada em cadernos para desconto de seus salários. Ao questionarem o capataz da propriedade, os homens foram informados que não poderiam deixar o trabalho e receberam ameaças.

A prática era comum na fazenda há mais de uma década, conforme ficou posteriormente demonstrado. Somente em 2000, no entanto, quando dois trabalhadores conseguiram fugir da propriedade, as irregularidades foram registradas pelas autoridades brasileiras.

Com o extravio do processo penal referente às violações, nenhum responsável foi punido, tampouco nenhuma das 128 vítimas resgatadas foram indenizadas pelas condições degradantes, análogas à de escravo. Os trabalhadores receberam apenas pagamento parcial coberto pelos “Termos de Rescisão dos Contratos de Trabalho” no momento do resgate.

CIDH – Vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA), a Corte Interamericana de Direitos Humanos tem sede na Costa Rica e é o órgão máximo do sistema interamericano de proteção aos direitos humanos. Aliada à Comissão Interamericana, em Washington, nos Estados Unidos, julga violações de direitos fundamentais, interpretando e aplicando a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

O caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil é a quinta condenação do país pela CIDH.

Fonte: MPF

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