Atos de Jatene geram prejuízo de R$ 250 milhões aos municípios

Simão Jatene, governador do Estado, abre mão de arrecadar receita do ICMS desde 2010, enquanto prefeituras sofrem com a queda de arrecadação.

Na semana passada, em documento oficial enviado ao Ministério Público Estadual (MPE), a Secretaria de Estado da Fazenda (Sefa) admitiu que, entre janeiro de 2010 e outubro deste ano, abriu mão de quase R$ 1 bilhão em impostos por meio da concessão do Regime Tributário Diferenciado (RTD), um benefício concedido a empresas sem a exigência de contrapartidas como a geração de empregos e sem publicação no Diário Oficial.
O número imediatamente repercutiu entre os prefeitos dos 144 municípios paraenses que logo fizeram as contas. Ao abrir mão dessa fatia do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), o governador do Estado, Simão Jatene, sangrou também os cofres dos municípios.
PREJUÍZO
O rombo estimado é de R$ 250 milhões. O valor é resultado de uma conta simples. Para cada real arrecadado pelo Estado na forma de ICMS, 25 centavos devem ser destinados ao bolo da chamada quota parte dos municípios, ou seja, a fatia que é distribuída entre as prefeituras. “Pelo que determina a Constituição, os municípios são, por assim dizer, sócios do ICMS. A rigor, ao conceder renúncia, o Estado está renunciado a uma parte que não lhe pertence”, diz o presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), Charles Alcântara.
Foi ele que representou contra o secretário de Estado da Fazenda, Nilo Noronha, junto ao Ministério Público, em razão da recusa do Estado em divulgar os dados da renúncia fiscal referente aos RTDs. Quatro meses após a representação, a Sefadivulgou os números.
SEM TRANSPARÊNCIA
O secretário-executivo da Federação das Associações de Municípios do Pará (Famep), Josenir Nascimento, diz que a política de incentivos fiscais é importante para atrair investidores, gerar empregos, movimentar a economia, mas também critica a falta de transparência na concessão dos RTDs.
“O ICMS não é um imposto exclusivo do Estado. É partilhado com os municípios. O governo abriu mão dessa receita sem nunca ter discutido com os prefeitos. Nunca perguntou se eles concordavam ou não”, diz Nascimento. “É de se questionar, por exemplo: quais os benefícios dessa política, quais os municípios beneficiados, onde foram gerados empregos?”, completa. Para o secretário da Famep, o governo deveria ter incluído representantes dos municípios na comissão responsável por conceder o benefício.
A mesma opinião tem o prefeito de Abaetetuba, Alcides Negrão (PMDB). “Qualquer ação do Estado que vá impactar nos cofres municipais deve ser debatida. Temos associações, consórcios de municípios que poderiam participar da discussão sobre a política de benefícios”, aponta.
MP INVESTIGA TRIBUTAÇÃO DIFERENCIADA

A concessão do Regime Tributário Diferenciado (RTD) por parte do Governo do Pará é alvo de uma investigação do Ministério Público Estadual. O caso veio à tona por acaso, quando o promotor Nelson Medrado começou a apurar benefícios concedidos pelo Estado do Pará à empresa JBS, do delator da Lava Jato, Joesley Batista. O grupo é investigado pelo pagamento de propina e financiamento de campanhaseleitorais, via caixa 2.

Em novembro de 2015, a JBS pediu para ser incluída no Programa de Incentivo ao Desenvolvimento Socioeconômico do Pará. Com isso, receberia isenção de impostos, mas teria que apresentar contrapartidas como a geração de empregos e manutenção de postos de trabalho já existentes. Pelo acordo, aprovado por uma comissão estadual, a JBS teria isenção de quase 81% de imposto estadual para, em troca, manter os frigoríficos já em funcionamento e criar ou ampliar unidades em Altamira e Marabá, municípios do sudeste paraense. Outra exigência era abrir uma conta do Banco do Estado do Pará (Banpará).
Em março de 2017, a empresa abriu mão dos incentivos para, logo em seguida, ser beneficiada pelo Regime Tributário Diferenciado sem necessidade de contrapartida.
Ao investigar o caso, o Ministério Público descobriu que havia pelo menos 100 casos parecidos. A própria Secretaria de Estado da Fazenda chegou a confirmar cerca de 800 empresas beneficiadas.
CONCESSÃO DIRETA
O detalhe é que os RTDs eram concedidos diretamente pela Diretoria de Fiscalização da Sefa, sem publicação no Diário Oficial. O valor da renúncia fiscal também não é declarado na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
MEDO DE REPRESÁLIA
Na semana passada, o DIÁRIO ouviu prefeitos de várias regiões. A maioria disse desconhecer o programa de benefícios por meio de RTD e reclamou da falta de transparência, mas preferiu não se manifestar publicamente para evitar problemas políticos que podem impactar na transferência de recursos do Estado para as prefeituras. “Para mim, é como se o governo estivesse fazendo caridade com o chapéu alheio, ainda mais em um momento de extrema crise”, disse um dos ouvidos pela reportagem.

Fonte: Rita Soares/Diário do Pará

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