Pescado diminui a níveis alarmantes no Pará
É um cenário que uma geração atrás seria impensável, mas que já começa a ganhar contornos de pesadelo para mais de nove mil pescadores profissionais na região bragantina. No ritmo de pesca industrial sem controle atual, é provável que em dez anos haja um colapso total nas populações de pescada amarela, gó, gurijuba, peixe-serra e outras espécies que não são consideradas ‘nobres’ e não possuem uma legislação específica que as proteja. Sem período de defeso e sem normatização da captura, já houve uma queda de 50% nas populações desses peixes em pouco mais de uma década.
A situação preocupa Ibama, pesquisadores e pescadores. O cenário que se esconde sob as águas paraenses assusta porque pode colocar em risco uma atividade profissional que garante sustento das mais diversas formas. A maior ameaça, no entanto, tem forma e localização definidas. São as embarcações cada vez maiores e em maior número vindas do nordeste brasileiro. Barcos de pesca de Pernambuco e principalmente do Ceará, disputam, muitas vezes em condições de vantagem sobre os pescadores locais, o controle da pesca no Estado. O Pará deixou de ser o principal produtor de peixe do Brasil. Hoje ocupa a terceira posição, atrás de Ceará e Santa Catarina.
“Vai ser uma crise generalizada, principalmente para o pequeno pescador”, avalia a engenheira de pesca Rosália Souza, 42 anos, professora e pesquisadora da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA). Segundo ela, a origem do problema tem endereço certo. O próprio Ministério da Pesca, uma das pastas novas criadas pelo presidente Lula ainda no primeiro mandato.
“O Ministério da Pesca protegeu a pesca industrial. Enquanto criou seguro-defeso para espécies como o pargo, piramutaba e camarão, por exemplo, liberou a pesca para o peixe diverso. A política do Ministério não é para a pesca artesanal. É para grandes indústrias”, atesta.
Rosália Souza integra o Centro de Pesquisa de Gestão de Recurso Pesqueiro do Norte (Cepenor), na UFRA. Em sua sala de pesquisa, armazena dados coletados há mais de uma década sobre a situação populacional dessas espécies de peixe. Nada do que já coletou a deixa esperançosa. “Todo o estoque pesqueiro está em declínio, sem perspectiva de recuperação. Não há ordenamento na pesca dessas espécies e o estoque apresenta um colapso. Estamos discutindo isso com setores responsáveis há oito anos e nada foi implantado”.
Os índices mostram esse declínio. Em 2000, a produção da pescada amarela foi de 20 mil toneladas de peixe capturado. Quatro anos depois, a produção caiu para 15 mil toneladas. Atualmente, não passa de 10 mil a 12 mil toneladas.
O peixe-serra também enfrenta esse declínio populacional. Foram 12 mil toneladas pescadas em 1998. De lá para cá, o número só vem caindo, chegando a assustadores 6 mil toneladas. A situação mais crítica é a da pescada gó. Em 1999, a produção foi de seis mil toneladas. Em 2004, chegava a apenas 2 mil toneladas. Esse ano houve déficit de abastecimento. Comunidades pesqueiras ribeirinhas vivem, praticamente, desse peixe.
“É uma situação mais crítica porque é um peixe que vem como acompanhante do camarão, pescado com rede de malha e de curral. Ele está correndo perigo por todos os lados”, diz a pesquisadora. Segundo ela, a situação chegou a um ponto praticamente irreversível. “Não tem como recuperar”, diz.
Ibama quer rediscutir normas para a pesca
Em Belém, o problema começa a ser pensado de forma ainda incipiente. “O Ibama já fez várias reuniões e algumas espécies necessitam de tratamento adequado. Estudos indicam que a pescada amarela, por exemplo, necessita de uma normatização”, diz o analista ambiental Antonio Melo.
Segundo ele, um dos fatores que contribuem para a diminuição da espécie é o esforço feito para a captura, com redes e anzóis cada vez maiores. O mercado nacional também começa a absorver mais o produto. No Sudeste e no Nordeste, a gó já competiria em pé de igualdade com a sardinha, garante o analista.
“O Ibama já está preocupado com isso. Junto com o Ministério da Pesca, pretendemos discutir em 2011 a normatização dessas espécies. Pode ocorrer uma paralisação da pesca e uma adequação dos equipamentos de captura”, diz Melo.
Quatro procedimentos precisam ser adotados, segundo Ibama e Cepenor. Defeso das espécies, controle de entrada de frotas pesqueiras, normatização dos apetrechos e delimitação do tamanho das espécies que podem ser capturadas. “Só o defeso não seria suficiente, porque não teria como fiscalizar”, diz Rosália Souza.
Em Belém, a representação do Ministério da Pesca informou que qualquer tipo de posicionamento a respeito do assunto só pode ser feito na sede do ministério, em Brasília.
Captura na época da ‘ovada’ tem sido comum
Em Bragança, principal município da zona bragantina pesqueira, sobram reclamações na Colônia de Pescadores Z 18. “Ao não proteger as outras espécies, o Governo Federal faz com que todos os outros peixes sejam ameaçados. Se qualquer pessoa for a uma feira ou mercado nesse período vai encontrar peixes como o serra e a pescada com a ‘ovada’. Só vai diminuir a espécie desse jeito”, diz o diretor da colônia, Cariolano Cardoso da Silva.
A colônia de pescadores tem quase cinco mil associados e 3.500 em vias de ingressar na associação.
Peixes capturados na época da ova tem sido comuns, segundo ele. A tainha, bastante apreciada no nordeste paraense, reproduz entre maio e agosto. Mesmo assim, continua sendo pescada normalmente no período.
A própria legislação é falha ao tentar proteger o caranguejo, na avaliação de Cariolano. “A proibição da captura é feita na época da andada, em janeiro, mas o período crítico é quando ele troca a carapaça e fica mais fraco. São três meses no meio do ano”, diz ele. Só em Bragança e municípios próximos existem mais de cinco mil coletores de caranguejo.
Gente como Gerson Silva, pescador artesanal que alterna siri, caranguejo e peixes pequenos como fruto do trabalho. “É o que sei fazer”, diz ele, enquanto afunda braços e pernas num manguezal em busca de crustáceos.
Diário do Pará