Moradores se arriscam vivendo à beira de lagos 'assassinos' na África

As águas calmas do lago Monoun e do Nyos, no noroeste de Camarões, seriam um sinal evidente de tranquilidade no local. Nas profundezas, no entanto, está a fonte de um perigo mortífero, que pode vir à tona a qualquer momento e ameaçar as populações ribeirinhas.

Há 25 anos, o despertar de uma aldeia vizinha ao Nyos ficou marcado pela morte. Durante a noite, dezenas de moradores perderam a vida. Na época, a razão era inexplicável. Concluiu-se depois que a emissão de gases teria asfixiado os habitantes dos arredores.

Monica Lom Ngong relata à BBC o cenário da tragédia, cuja causa até aquele momento era desconhecida.

‘Fiquei rodeada de gente morta, alguns dentro de casa, outros fora, outros detrás das casas…. e os animais por toda a parte: vacas, cachorros, todos jaziam no solo, me deixando confusa. Na minha família, éramos 56, mas morreram 53’, conta.

Aquela noite havia sido macabra. Aldeias inteiras amanheceram sem vida, apenas com os corpos espalhados pelo chão. Não havia sinal de pânico. 1.800 pessoas morreram enquanto dormiam ou cozinhava.

Não havia explicação lógica.

Lago Moroun
Dois anos antes, em uma manhã de 1984, Ahadji Abdou estava a caminho de sua granja em Camarões quando viu uma cena que nunca iria esquecer, nas proximidades do lago Moroun.

‘Pensei que fosse um acidente de trânsito. Desci da bicicleta e fiquei paralisado. Havia muita gente morta em todas as partes da estrada. Algo terrível havia acontecido’, diz.

Lago Nyos

Em questão de horas foram encontrados 37 corpos.

‘Escutamos que haviam sido massacrados. Nos contaram que 12 pessoas estavam em um caminhão e que 10 morreram. O motorista foi o primeiro a sair e ver se estava acontecendo alguma coisa com o motor, que parou. O resto dos homens decidiram sair do veículo e morreram’, disse à BBC Motapon Oumarou.

O pânico tomou conta do lugar, conta o médico Pierre Zambou, o primeiro a chegar ao local.

‘Nunca havíamos visto algo assim. Parecia que tinham sido vítimas de uma doença altamente contagiosa. Não tínhamos máscaras nem ataduras. Colocamos todos em um jipe militar e os levamos dali’, conta.

Armas biológicas
Os 1.800 moradores nos arredores do lago Nyos morreram enquanto ainda dormiam.

Desta vez, a amplitude do caso e o número de mortos fez com que o caso viesse à tona, pela imprensa, causando comoção internacional.

A morte daquelas pessoas fora tão súbita que logo correram rumores de uma possível arma biológica.

E se alguém estava fazendo testes secretos, os Estados Unidos queriam saber. Tanto que meses depois enviou ao local o cientista Haraldur Sigurdsson, para investigar os estranhos acontecimentos do lago Monoun.

A guerra biológica foi descartada totalmente. As vítimas pareciam ter sido sufocadas. Mas com que? Sigurdsson decidiu falar com as testemunhas e descobriu que houve quem tivesse visto o assassino.

‘Vimos uma nuvem branca e espessa a poucos metros da gente. Mas desapareceu em um instante’, contou Motapon Oumarou.

Esta foi a primeira pista, mas havia outra: todos os 37 mortos do lago Monoun pereceram em uma entrada próxima da água.

Sigurdsson coletou, então, amostras da água. ‘A água estava cheia de gás. Bolhas enormes se formavam. Imediatamente me dei conta de que as águas profundas estavam saturadas de gás’, conta.

Era um gás que não se via, nem se sentia o cheiro. Mas um gás que, em alta concentração, sufoca.

‘Entendi que o dióxido de carbono, o CO2, havia sido o agente asfixiante’, conta.

Ovos podres
Nos dois casos, as vítimas moravam perto de lagos, o Nyos e o Monoum.

Em ambos os locais, os sobreviventes relataram terem sentido um odor de pólvora e ovos podres. No caso do lago Nyos, também houve relatos de explosão.

A suspeita voltou a recair sobre o CO2, como explicou à BBC George Kling, da Universidade de Michigan, membro da equipe de investigação.

‘Era algo difícil de entender, até que topamos com documentos de pilotos de guerra narrando que o uso de altas concentrações de CO2 funciona como um alucinógeno sensorial’, diz.

‘Uma das alucinações mais citadas foi o odor de ovos podres e pólvora’, diz.

Em seu estudo, o cientista Sigurdsson havia concluído que o dióxido de carbono vinha das profundezas da terra.

‘O gás chega ao lago mas não forma bolhas, pois o peso da água é tamanho que o dissolve, por isso não o vemos. Mas se a pressão é liberada de repente, o gás brota de maneira explosiva’, diz.

Algo parecido a agitar uma garrafa de champanha e logo estourar a rolha.

Bomba-relógio
Os cientistas comprovaram que a teoria de Sigurdsson – conhecida como fenômeno do lago explosivo – é correta e se questionaram como o lago concentra níveis tão altos de CO2.

Os cientistas descobriram que os lagos acumulavam CO2 sob os seus leitos e que, à media que a concentração crescia, eles se transformavam em uma enorme bomba-relógio química. Mas o que detonava essa ‘explosão’?

Há várias teorias sobre o que agiu como detonador no caso do lago Nyos. Uma delas é a de que a tragédia foi desencadeada por uma queda da parede da cratera que abriga o lago.

Nyos continua sendo uma ameaça em potencial para quem vive na área. No entanto, agora ele tem um sistema de tubos que ajuda a aliviar a pressão, fazendo com que o gás se disperse.

O desastre de Nyos fez com que todos os lagos profundos da África e da Indonésia fossem examinados. A conclusão a que se chegou foi a de que todos eram seguros, exceto um: o lago Kivu, em Ruanda.

O logo, na fronteira com a República Democrática do Congo, é um dos maiores e mais profundos do continente – e milhares de pessoas vivem no seu entorno.

No entanto, a única coisa que poderia detonar uma liberação mortífera de gás seria um incidente geológico em grandes proporções.

O problema é que o lago Kivu está localizado justamente em uma zona de terremotos e rodeado de vulcões, incluindo o monte Nyiragongo.

Do g1

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