MPF quer assumir Belo Monte
Ativistas contra a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte protestaram na tarde de ontem pela descriminalização do movimento. A Polícia Civil paraense pediu a prisão preventiva de 11 integrantes do Movimento, acusados de planejar a ação que destruiu o escritório do Consórcio Norte Energia, como protesto durante o Encontro Xingu + 23, em Altamira no mês passado. Nessa segunda-feira, 2, os participantes se reuniram em frente ao escritório de recrutamento do Consórcio Construtor de Belo Monte, em Belém, para manifestar repúdio contra as prisões.
Os participantes da mobilização na tarde de ontem panfletaram explicando a população porque são contra a construção da Usina e leram uma nota de repúdio em um mega-fone para alertar quem passava. Segundo Amanacy Araújo, manifestante, é hora de se engajar. “Não sou do movimento, mas apoio a causa. Li as notícias sobre as prisões, soube da manifestação e resolvi participar”, conta.
A nota de repúdio exige “a imediata anulação de todos os processos de criminalização da população do Xingu e seus apoiadores”. E ainda garante que durante o Xingu + 23, o Consórcio Norte Energia, que teve o escritório destruído, tentou interditar o evento. “Um dia antes do início do evento, o Consórcio Norte Energia tentou anulá-lo com um interdito proibitório, criminalizando antecipadamente quatro membros do Movimento Xingu Vivo para Sempre”.
Entre os investigados estão um padre, um pescador e um documentarista. Diante dos pedidos de prisões preventivas, o Movimento informa que os advogados entraram com um habeas corpus preventivo para garantir a liberdade dos perseguidos, mas o pedido foi negado pela Justiça.
O Ministério Público Federal no Pará apresentou hoje à comarca da Justiça Estadual em Altamira uma arguição de incompetência absoluta para que a investigação sobre os protestos contra Belo Monte ocorra na esfera federal, diante da origem das acusações investigadas: a ameaça representada pela obra da usina contra os direitos indígenas. Em casos similares, de acordo com a jurisprudência juntada pelo MPF, o Supremo Tribunal Federal têm afirmado que a competência é da Justiça Federal. “A Constituição determina a competência da Justiça Federal para o processo e julgamento de causas envolvendo disputa sobre direitos indígenas”, argumenta o pedido, assinado pelos procuradores da República Bruno Gutschow, Cláudio Terre do Amaral, Ubiratan Cazetta e Felício Pontes Jr,. Com o pedido, o MPF espera que a Justiça Estadual decline da competência. Se isso ocorrer, as investigações passam a ser feitas pela Polícia Federal, com acompanhamento do MPF e da Justiça.
Em uma das decisões do STF citadas na arguição, a corte suprema decidiu que, tendo em vista que a Constituição da República impôs à União o dever de preservar as populações indígenas, “é competente a Justiça Federal para julgar o feito (um homicídio, no caso citado), não estando a Justiça Estadual, na presente ordem constitucional, legitimada a conhecer das infrações penais cometidas por ou contra indígenas”. Para o MPF, a origem do ilícito atualmente investigado pela Polícia Civil do Estado do Pará – acusações contra indígenas e integrantes do movimento Xingu Vivo para Sempre de danos patrimoniais no escritório do canteiro de obras – é a usina de Belo Monte e a ameaça que constitui às terras e recursos naturais dos povos indígenas do Xingu. Os próprios documentos do licenciamento ambiental da obra atestam o impacto grave sobre os índios. “Caso a usina seja construída, vai interferir de maneira drástica nas condições de vida da população indígena de Altamira e da população indígena da Volta Grande”, diz o Estudo de Impacto Ambiental de Belo Monte. A Funai, ainda no licenciamento, confirma: “as maiores preocupações dos índios referem-se à perda dos peixes, das praias e das casas, ao aumento da incidência de doenças e da violência”
A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário, determina que a Fundação Nacional do Índio, órgão da União, participe das apurações em quaisquer irregularidades envolvendo povos indígenas, o que também atrai a competência da Justiça Federal. Além disso, há evidente interesse federal no caso, já que apenas uma semana depois do episódio apurado pela Polícia Civil, um grupo de indígenas de várias etnias ocupou um canteiro de obras de Belo Monte e o próprio Consórcio Construtor tentou a reintegração de posse junto à Justiça Federal. “Os documentos juntados com a inicial denotam a gravidade do problema, uma vez que diversos índios, aparentemente armados, estão ocupando área de terceiros, no claro intuito de paralisar a construção da barragem, haja vista que é do conhecimento público a discordância da população indígena e parte da população civil daquela região com o empreendimento”, disse a juíza federal Priscilla Pinto de Azevedo ao negar o pedido de reintegração de posse. Para o MPF, todos os elementos do caso afirmam a competência federal.
Fonte: Diário do Pará