Taxa pelo uso de água revolta mineradoras
Em 2012 o advogado Ismael Moraes era um dos conselheiros mais destacados da OAB no Pará e esteve, junto com outros advogados, à frente de um movimento no Conselho Estadual que levou ao afastamento por 6 meses do presidente da entidade, Jarbas Vasconcelos, então acusado de corrupção. Nesse período, convidado pessoalmente pelo interventor e ex-presidente do Conselho Federal Roberto Busato, Ismael Moraes assumiu a presidência da Comissão de Meio Ambiente da OAB ocasião em que fustigou o Governo do Estado a cobrar das mineradoras pelo uso de trilhões de metros cúbicos de águas públicas que elas utilizam e devolvem poluídos ao meio ambiente. Naquela ocasião, o Governo não atendeu a proposta do advogado, mas agora enviou à Assembléia Legislativa projeto de lei em que cria uma taxa cobrando pelo uso da água.
Sobre o assunto, o advogado concedeu a seguinte entrevista exclusiva a O IMPACTO
Jornal O Impacto: O que aconteceu para o governo mudar de opinião e cobrar agora das mineradoras pelo uso da água?
Ismael Moraes: Infelizmente, nem sempre são princípios republicanos que regem os atos dos políticos. Em 2012, as mineradoras haviam acabado de contribuir regiamente com a campanha, de 2010, do governador Simão Jatene, e acenavam que o fariam novamente para o pleito de 2014. Mas o governo se viu obrigado a instituir a taxa mineral logo após o escândalo que foi a revelação de que as mineradoras não pagavam imposto ou taxa alguma por suas atividades. Ao serem cobradas com a taxa mineral, as mineradoras se sentiram “traídas” e, nas eleições deste ano de 2014, resolveram retaliar e não doar um centavo para a campanha do governo Simão Jatene, mas encheram a burra dos cofres de campanha do candidato Helder Barbalho. Agora quem retaliou foi o governador Simão Jatene que pediu ao vice-governador Helenilson Pontes, sem dúvida a maior autoridade do Mundo em questões fiscais na Amazônia, para que elaborasse uma forma de cobrança das mineradoras pelo uso da água.
Jornal O Impacto: O projeto elaborado por Helenilson Pontes copia a proposta que o senhor apresentou quando estava na OAB?
Ismael Moraes: Não, o projeto de lei elaborado pelo meu amigo Helenilson Pontes apenas demonstra que o Governo acordou para a idéia que eu lancei de se cobrar pelo uso da água. Mas a sua elaboração legislativa cria um caminho melhor e mais inteligente de atingir o mesmo objetivo que eu propus de buscar obter receita por um fato econômico e ambiental, com graves consequências sociais, sem ficar presa na intrincada teia legal que a União criou para impedir que os Estados explorem essa fonte de receitas.
Jornal O Impacto: No que a atual proposta é melhor que a sua?
Ismael Moraes: Na proposta que eu enviei em nome da OAB a idéia era criar uma compensação prevista na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, ou seja, era uma forma de pagamento pelo uso de bem público e pelas consequências ambientais das atividades. Mas, para implementá-la, seria necessário criar uma estrutura burocrática e instrumentos tecnológicos de medição de uso e de danos, que seria cara e ensejaria margem para contestação. Pela atual proposta elaborada pelo Helenilson basta usar de alguns formalismos, que podem ser executados pela estrutura administrativa que o Estado já dispõe. Esse projeto vai além ainda em algo que eu também não cogitei: cobrar das hidrelétricas, que são privadas ou federais.
Jornal O Impacto: Quais as dificuldades que o governo terá para aprovar e executar essa lei?
Ismael Moraes: Não acredito que haverá deputados bastantes a apoiar as mineradoras em quantidade capaz de derrubar a proposta, mesmo que essas empresas tenham um grande poder de comprar políticos – e elas exerçam esse poder. As mineradoras fizeram a aposta política errada. A entidade que as representa, o SIMINERAL, que é uma entidade do mal, no pior sentido da palavra, superestimou o seu poder econômico de eleger quem quisesse acreditando que o seu dinheiro elegeria o candidato Helder Barbalho. E esse erro foi um dos maiores bens que a sociedade paraense recebeu em toda a sua História!
Jornal O Impacto: Alguma entidade importante apóia o SIMINERAL?
Ismael Moraes: Eu fiquei estarrecido em saber que a OAB no Pará enviou à Assembléia Legislativa uma Nota Técnica elaborada por uma obscura Comissão de Direito Minerário, assinada pelo advogado Márcio Augusto Maia Medeiros, dizendo que “o Estado do Pará não tendo instituído o Conselho Estadual de Recursos Hídricos, os Comitês de Bacias Hidrográficas e a classificação das águas dos rios (Resolução CONAMA 57/2005), não pode cobrar pelo uso da água”. Ou seja, a entidade que antes defendia os interesses difusos da sociedade agora se presta a esse rastejante papel de pau-mandado desse Sindicato de Mineradoras (SIMINERAL) que só quer espoliar o povo do Pará! Procurei saber mais sobre essa relação, e o que eu ouvi dizer é que o SIMINERAL é o maior financiador das atividades da OAB. Vou protocolar um pedido de informações oficiais sobre essa relação, e se isso se confirmar se comprovará espúria e imoral!
Jornal O Impacto: O deputado Márcio Miranda fez alguma proposta de criação de taxa igual a essa?
Ismael Moraes: Que eu saiba esse senhor sequer tinha idéia do que pudesse ser esse assunto. E se tivesse, não acredito que tivesse coragem de propô-la. Atualmente apareceram muito pais da criança, mas o mais importante é que a proposta voltou com força política e com melhor elaboração.
Jornal O Impacto: O que o senhor acha que o Pará ainda pode criar para obter receitas junto às grandes empresas?
Ismael Moraes: Quase não existe brecha para o Estado criar imposto que o compense das perdas da Lei Kandir, que desonera as exportadoras do ICMS, a principal fonte de receita estadual. Mas o Estado pode obter grandes ganhos se ele se impor nos licenciamentos para autorizar o funcionamento dos grandes projetos econômicos. Se o Estado mudar a forma de licenciamento do simples Licenciamento Ambiental, que atualmente quem concede é a SEMA, para um novo Licenciamento Socioambiental, que envolveriam as Secretarias de Segurança, Saúde, Educação, Transportes e ainda o Judiciário e o Ministério Público, porque os empreendimentos se estabelecem, e ficam os lucros para as multinacionais e o custo de manutenção para o Estado. Esse novo licenciamento buscaria respostas para como seriam solucionados os problemas dos núcleos humanos decorrentes desses empreendimentos.
Jornal O Impacto: E as receitas que ficam quase todas nas mãos do governo Federal, o Estado não tem como pedir compensações?
Ismael Moraes: O Pará deve acionar judicialmente o governo Federal pelo abandono que ele faz das terras que federalizou e hoje são terras de ninguém. Deve cobrar da União pelo custeamento das populações da Ilha de Marajó que, mesmo sendo território federal, vive abandonado e às expensas do governo do Estado. A imposição da taxa pelo uso dos recursos hídricos não atingirá o comércio, os produtores grandes, pequenos e médios de outros setores (diversos dos da mineração), assim como o bolso do cidadão comum, porque as mineradoras exportam seus produtos e as hidrelétricas estão submetidas ao regime tarifário com alíquota nacional.
Jornal O Impacto: Como fica Santarém nesse panorama?
Ismael Moraes: Eu conheço bem este local, que é um dos lugares que eu mais amo, apesar de não ter nascido aqui. Vivi aqui 3 dos mais importantes anos da minha vida, dos 14 aos 17 anos. Por isso posso dizer que é impressionante como Santarém com seus respeitáveis séculos ainda queira se manter como uma Macondo de centenas de anos de solidão ao fazer uma sistemática oposição ao centro de poder estadual sem qualquer planejamento político. Louvável que se lute por emancipação, mas não se pode obter decisão se afastando do centro de poder; deve-se fazer parte dele. Os governadores são transformados em inimigos da região, que fica cada vez mais desprestigiada. Em Santarém, quando um político local ocupa um cargo importante e se aproxima do centro das decisões estaduais, em vez de ele ser apoiado ele é triturado como se houvesse se transformado em inimigo. A sociedade local não concede tempo para que algum político seu filho desenvolva maturidade política e ganhe poder.
Da Redação