A Hannah Arendt do Ver-o-Peso
Domingo passado, ao fazer compras no Mercado Ver-O-Peso pela manhã, perguntei a uma vendedora, senhora sexagenária, o que ela achara da ordem de condução coercitiva de Lula. A observação lúcida contida na resposta deixou-me atônito.
Em 1960, a filósofa judia-alemã Hannah Arendt fez a cobertura jornalística para a revista The New Yorker do julgamento de Adolf Eichman, comandante de um campo de extermínio nazista, sequestrado pelo Mossad em Buenos Aires e levado a Israel. Ao reportar os fatos, concluiu ter visto não um terrível criminoso anti-semita, mas tão-só um disciplinado burocrata frio. Observou que o Estado nazista reduzira a perversidade da indústria homicida a uma categoria institucional de modo a banalizar a maldade. Isso, que lhe rendeu muitos desafetos na intelectualidade e no próprio Estado judeu, veio se confirmando na historiografia.
Voltando à comerciante da feira, ela assim respondeu:
– Foi um erro desse juiz (Sérgio Moro), porque o Lula já estava preso, ele não podia sair na rua porque era chamado de ladrão por qualquer pessoa. Ele não podia sair de casa. Agora ele está solto, está livre, porque virou vítima de novo!
Considero que a sutileza contida nessa resposta tem uma dimensão filosófica digna de Hannah Arendt. Apesar de confundir o ato judicial como se fora punição, quando é medida de investigação, mesmo assim correspondeu à compreensão geral de que castigar era o efeito utilitário buscado pelo juiz, o que destoou da sensação de martirização que fora efetivamente produzida.
Não havia lido em lugar algum o que ouvi dessa senhora sobre esse significativo evento da crônica política nacional. O que prova que é como disse Guimarães Rosa: no sertão encontramos de Goethe a Cervantes.
Fonte: RG 15/O Impacto