Levaram Roseane (mote de um anúncio)
“Trimmm! Toca o telefone nesta manhã de quinta (28) na “Tribuna do Povão”, onde o povo tem vez e voz: uma mulher do outro lado da linha aciona o radialista Sinval Ferreira, a lenda viva do rádio santareno, dizendo que sumiram com a “Roseane”. Ela estava no porto do Quilombo de Saracura. Levaram-na nesta madrugada “– Está de verde e laranjada, novinha, a Roseane é do irmão dela, e o caboclo ainda nem tinha estreado a Roseane e se apossaram dela dessa maneira!” “– Quem souber o paradeiro da Roseane ligar para o telefone: 99193-0585 – A bajara tem 9 metros”.
(*Esta crônica foi desenvolvida tomando como mote a nota inicial, aspeada, extraída do blog do NelsonVinencci, sob autorização do mesmo.*)
Indo conversar com o amigo Cícero Prazeres, que estava no Cais perto do velho Mercado, melhorou de ânimo com a esperança de recuperar o seu amor. Cícero era dependente do comunicador de Marconi assim como uma adolescente é do whattsapp, e foi no radinho do antigo camarada que Raimundo Canindé ouviu o radialista Sinval Ferreira estrilar a “nota de utilidade pública” contando do seu infortúnio. Mais uma vez em sua vida uma uiara de nome Roseane sumia, do dia pra noite, deixando-o atarantado. É verdade que a sua embarcação e a inspiração para o seu embelezamento com a pintura esmerada viera da paixão mal curada por aquela moça de olhos agateados, de pele escura como a casca de uma tracajá do Tiningú, de onde ela era.
Parecia que esse nome, Roseane, era enfeitiçado, como Roxane foi para Alexandre, o Grande, e igual a este, poderia levá-lo à perdição. Sexagenário avançado, Raimundo Canindé já passara do Cabo da Boa Esperança e, mesmo assim, era incorrigível. Gastava dinheiro perdendo celular e moça. Não aprendia as sábias lições do amigo Cícero de que não era mais coisa que servisse aos dois por serem novos demais: “os dois tem sempre coisa nova, e, na nossa idade, a gente não tem como acompanhar, além do que usa quase só para falar de vez em quando, e ainda tem que ficar agarrado na mão, se não um peste leva…”
Raimundo Canindé tinha delírios de grandeza, pensando na cabocla e na bajara. Bem que se preocupara, quando batizou a bajara, com a possibilidade da ocorrência de algum escândalo daqueles em que vários agentes da Polícia Federal, de cara fechada e vestidos de preto, aparecem no Jornal Nacional carregando montes de documentos, computadores, conduzindo sujeitos algemados, e que nessa “bronca” estivesse envolvida a filha do ex-presidente José Sarney, a Roseana. Se isso acontecesse, poderiam pregar-lhe uma peça como fizeram com aquele belo iate que o ex-prefeito Ronan Liberal homenageou o filho “Rolnei”, colocando-lhe o nome. Nunca esqueceu que gaiatos foram de noite e trocaram o N por um B, rebatizando assim a embarcação com o nome “Rolbei” – o que fez parecer que o ex-prefeito estava não homenageando o filho, mas comemorando um ato! Portanto, não era exagero pensar que vândalos também pudessem ir à surdina e completar o nome da sua nau com o da famigerada família Sarney.
Canindé acreditava que, de tão bonita, a sua canoa poderia ter outro fim. Não merecia ficar apenas fundeada perto do Mascotinho, com moleques usando-lhe a popa e a proa como base daquela ridícula pesca ao charuto com lâmpada fluorescente vazia.
A Prefeitura poderia alugá-la para algum evento folclórico, para enfeitar a frente da cidade ou de Alter-do-Chão, no Sairé. O problema é que talvez não ficasse bem na foto a possibilidade de a barriga do prefeito entalar na sua entrada.
Talvez o deputado Antonio Rocha, precisando de um barco novo, fosse mundiar Raimundo Canindé para comprar barato a Roseane, perto do que valia.
Talvez o Ministério Público até obrigasse à assinatura de um TAC para que conservasse esse patrimônio cultural.
Tinha que encontrar Roseane. Tinha que rever Roseane para renovar a imagem, além da lembrança, e continuar viajando além da realidade.
Seu destino, arretada como estava, deveria levá-lo a outras águas além do Maicá.
E eis, então, que encontraram uma bajara. Ligaram no numero informado. À pergunta se a encontrada era uma belezura, disseram que era “bonitinha, não tinha nada demais”, mas, afinal, era ela mesma. E quem a roubou? “Não teve roubo, não, ela é que desamarrou sozinha, com o balanço da água”, disseram. A vaidade de Raimundo se foi.
No outro dia, o radialista Sinval Ferreira fazia chegar aos quatro cantos o anúncio de que uma bajara bem pintada era oferecida por um preço barato…
Fonte: RG 15\O Impacto