Empresas que participaram do leilão de Belo Monte são investigas pelo TCU

O Tribunal de Contas da União (TCU) está investigando, como consequência das revelações da Operação Lava-Jato, a possibilidade de ter havido conluio no leilão da usina hidrelétrica de Belo Monte, em abril de 2010. Esse eventual acordo entre os dois consórcios que apresentaram propostas para controlar a usina pode ter elevado o preço da tarifa paga pelos consumidores de energia elétrica do país por 30 anos. A investigação inédita por parte do TCU é resultado de uma parceria entre a área técnica de energia elétrica e o grupo de trabalho criado há três meses para tratar de casos da Lava-Jato: a Seinfra Operações. A informação é jornal ‘O Globo’.

De acordo com as informações divulgadas pelo veículo, os técnicos partiram de dois elementos principais para apontar a hipótese de conluio no leilão. O primeiro é a participação da Eletrobras por meio de subsidiárias nos dois grupos concorrentes (Furnas e Eletrosul de um lado e Chesf do outro, o vencedor). Outro indício foram as mudanças profundas na composição acionária do consórcio Norte Energia, vencedor, logo após a realização do certame. Em poucos meses, sócios saíram, outros entraram e até perdedores no leilão passaram a fazer parte do grupo vencedor, ou foram contratados por ele para fazer as obras.

Ainda é cedo para dizer que tipo de providências serão tomadas, caso se comprove que houve conluio. De acordo com um especialista, o TCU pode desde recomendar uma ação do Ministério Público, até responsabilizar os gestores e as empresas, pedir ressarcimento, requerer anulação do leilão ou declarar as empresas inidôneas.

A área técnica já está entrevistando pessoas envolvidas nessas negociações e reunindo documentos, embora o TCU tenha limitações que não existem para o Ministério Público e a Polícia Federal, como quebra de sigilos. Onde é possível, porém, a Seinfra Operações tem conseguido dados transferidos pelo Ministério Público Federal da Operação Lava-Jato.

OBRAS TAMBÉM ESTÃO SENDO INVESTIGADAS

Outra dificuldade seria a comprovação do conluio. Segundo acórdão anterior do TCU investigando essa hipótese em outro caso, definiu-se conluio como “um acerto entre os licitantes quanto à elaboração das propostas, acerto esse que geralmente não é documentado”. O Tribunal já reconheceu ser difícil comprovar a existência de conluio, pois, “mesmo que as propostas de preços sejam completamente diferentes entre si, podem ter sido objeto de combinação verbal entre os licitantes, objetivando apenas forjar uma real competição”.

A construção da usina foi citada na delação premiada do ex-senador Delcídio do Amaral, já homologada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ele disse que foi montado um sofisticado esquema de corrupção nas obras de Belo Monte.

O argumento do governo após o leilão e as denúncias, para descartar qualquer possibilidade de desvio, era que a existência de dois concorrentes e um deságio no preço da tarifa teto oferecida teriam assegurado a concorrência necessária para o leilão. Para os técnicos do TCU, porém, o fato de ter havido um deságio de 6% em relação à tarifa teto não impede que tenha sido firmado acordo entre os concorrentes na definição do preço de R$ 78 por Megawatt-hora (MWh).

— E se o preço competitivo fosse 30% menor? — questiona uma das pessoas a par das investigações.

As apurações do TCU derivam de recomendação prevista em acórdão de agosto de 2015. A abertura de investigação solicitada pela Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia da Câmara dos Deputados foi aprovada pelos ministros do Tribunal prevendo “fiscalização nas empresas estatais acionistas da SPE Norte Energia, no intuito de verificar a regularidade e a efetividade dos controles exercidos sobre os investimentos e contratos firmados pela companhia, notadamente no que se refere à possibilidade de superavaliação de investimentos”.

Outra frente de investigação do TCU é o contrato entre a Norte Energia e o Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM), de mais de R$ 13 bilhões. Neste caso, a hipótese é de ter havido sobrepreço. O relatório do TCU aponta que o custo atualizado da obra chegou a R$ 33 bilhões, com alta de 74% em relação ao orçamento inicial de R$ 19 bilhões. No leilão, o valor considerado foi de R$ 25,8 bilhões. Apontado o eventual sobrepreço, as obras poderiam ter uma indicação de interrupção, como outras no rol de indicações do TCU.

A usina hidrelétrica de Belo Monte já gera energia, mas ainda não está completamente pronta, o que deve ocorrer apenas em 2019 (nove anos após o leilão). Segundo técnicos, o contrato com o CCBM é o primeiro a ser analisado pelo TCU, por ser o maior, mas há outros que despertam dúvidas entre os analistas.

-—Podemos iniciar uma Lava-Jato só sobre Belo Monte — disse um técnico sob condição de anonimato.

Para os técnicos do TCU, embora a Eletrobras seja acionista minoritária da Norte Energia, o capital governamental no empreendimento é relevante, tendo em vista a participação da estatal e suas subsidiárias no consórcio com 49,98% (além da Cemig, estatal estadual de Minas Gerais), os empréstimos concedidos pelo BNDES, a participação dos fundos de pensão de instituições federais (20% do capital), a indicação de servidores para conselho e diretoria da Norte Energia e a possibilidade de os sócios serem chamados a fazer novos aportes de capital, o que implicaria mais dinheiro público. O TCU vem abrindo frentes para investigar essas Sociedades de Propósito Específico (SPE) pelas quais as estatais costumam investir em sociedade com entidades privadas.

MAIS OBRAS DE USINAS NA MIRA DO TCU

Ainda segundo matéria do ‘O Globo’, no âmbito da Lava-Jato, o TCU já havia apontado, em março, que a construção da usina hidrelétrica de Tumarín, na Nicarágua, com valor de US$ 1,2 bilhão, era um projeto “extremamente desvantajoso e potencialmente lesivo” para a Eletrobras, que participaria da sociedade no empreendimento. Os repasses para a obra, porém, foram suspensos por determinação do TCU. Os levantamentos sobre Tumarín já envolveram técnicos das áreas de energia elétrica e da Seinfra Operações do TCU.

As obras das usinas de Angra 3, Jirau, Santo Antônio, Teles Pires, São Manoel, Mauá 3 e Simplício também estão sendo avaliadas pelo TCU.

Procurados, o consórcio Norte Energia e a Eletrobras não quiseram se manifestar. O relatório técnico do TCU está para ser concluído e deverá ser encaminhado ao ministro José Múcio, responsável pelo acompanhamento do setor no tribunal.

RG 15 / O Impacto com informações do ‘O Globo’

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