Estudo busca alternativas para recuperar minerais presentes no esgoto sanitário
Da próxima vez que você estiver na pia da sua casa lavando louças, ou tomando banho, ou ainda apertando o botão da descarga, você poderá estar contribuindo para a poluição dos rios, a qual poderá ser agravada pelos seus hábitos.
Você já parou para pensar em que tipo de esgoto você produz? Esgoto é água que, depois de passar pelos usos industriais, agrícolas ou residenciais – nesse último tipo, como os provenientes de pias, chuveiros ou descargas -, adquire características físico-químicas determinadas por hábitos como alimentação, uso de detergentes, desinfetantes, uso de cosméticos e outros fatores como clima e disponibilidade de água, além de outros costumes cotidianos.
“O esgoto tem a característica que a água sofreu depois do seu uso; esse uso pode ocorrer de diversas maneiras, como, por exemplo, doméstico, industrial etc., e em cada um desses usos ainda haverá variações. Se a população se alimenta basicamente de produtos orgânicos – e dependendo do tipo de indústria -, as características também serão diferenciadas. Essas características variam muito de local para local e dependem da característica da água”. A afirmação é da pesquisadora Rose Meira, do Instituto de Ciências e Tecnologia das Águas (ICTA) da Ufopa, que está desenvolvendo uma pesquisa que busca alternativas para recuperar minerais presentes no esgoto sanitário.
O estudo, intitulado “Síntese e caracterização da estruvita MgNH4PO46H20 a partir de efluentes sintéticos combinados com fontes alternativas de reagentes”, executada pela professora Rose Meira no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Geologia e Geoquímica (PPGG) da Universidade Federal do Pará (UFPA), é uma tentativa de ampliar esse tipo de estudo no Brasil, onde é bastante incipiente.
No geral, essa água que sai da pia, do chuveiro, da descarga de residências, indústrias e até de hospitais é composta por elementos como uma série de nutrientes como magnésio (Mg), nitrogênio (N), fósforo (P), que após tratamento podem precipitar-se e ser utilizados como ecofertilizantes de liberação lenta. Mas para que isso ocorra esse esgoto necessita de tratamento, “o que demanda muita pesquisa”, conclui Meira.
“Nosso objetivo é contribuir para uma melhor compreensão sobre o processo de síntese de estruvita como técnica alternativa viável de remoção de nutrientes provenientes de águas residuais domésticas associadas a fontes alternativas reagentes, nesse caso, os rejeitos das indústrias minerais da região”, esclarece a Profa. Rose Meira. A pesquisa vai avaliar efluentes sintéticos em laboratório para simular as características físico-químicas do esgoto doméstico.
De acordo com a pesquisadora, os estudos nessa área, no Brasil, ainda são escassos. A primeira tese abordando o tema foi defendida no ano passado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em parceria com uma universidade espanhola. “Apesar de possuir um grande potencial de recuperação de nutrientes a partir de esgoto doméstico, o Brasil ainda apresenta poucos estudos envolvendo a remoção de nutrientes a partir da síntese de minerais”.
Lembre-se destes números: cada santareno consome, em média, 150 litros de água por dia. Desse total, 80%, ou seja, 120 litros viram esgoto doméstico, o que pode resultar num processo de eutrofização, que é a concentração de matéria orgânica em ambientes aquáticos.
Mas a conta de consumo per capita não é exata, afirma Meira. “Em Santarém, como não existem hidrômetros instalados nas residências, não é possível mensurar o consumo de água e, a partir deste, o consumo per capita de esgoto”. Esseconsumo médio de um indivíduo é o consumo efetivo de água multiplicado pelo coeficiente de retorno, que é de aproximadamente 80%.
Para analisar esse tipo de dado em Santarém, devem ser adotados valores de pesquisas da região, nesse caso os dados mais próximos são da cidade de Belém. “Na capital desenvolvi anteriormente pesquisas de consumo em áreas de bairros consolidados (onde já existe uma rede coletora de esgotos e rede de abastecimento de água) da ordem de 207,3 L/hab.dia, e também para áreas informais 154,1 L/hab.dia, em áreas informais ainda não existe nenhuma, ou muito pouca, infraestrutura de saneamento e também sem hidrômetro, como ocorre aqui em Santarém”. E completa: “Lá eu instalei os hidrômetros em uma amostra da população da ocupação Riacho Doce, que está localizada próximo aocampus da UFPA e medi o consumo deles durante 12 meses para mensurar o consumo dessa parcela da população, já que não existiam dados de pesquisas para o consumo de população de baixa renda e de invasões no Brasil, naquela época”.
Considerando uma média populacional de 300 mil pessoas, na cidade de Santarém são consumidos por dia aproximadamente 36 milhões de litros de água. A conta é simples, a maior parte dessa água vira esgoto doméstico e vai direto para o solo (escoado a céu aberto, empoçado nos quintais ou em tanques sépticos seguidos de sumidouros) ou para os rios por meio de ligações na canalização de drenagem pluvial.
“O pós-tratamento para recuperar esses elementos no esgoto irá contribuir para o que o efluente final do tratamento apresente excelente qualidade, podendo ser lançado no meio ambiente sem causar problemas, e além disso pode produzir um material sintetizado rico em minerais interessantes para a agricultura, como a estruvita, por exemplo”.
A estruvita foi descoberta em 1846, na universidade de Hamburgo, na Alemanha, e pelas características físico-químicas pode ser utilizada como ecofertilizante. “O interesse científico por essa pesquisa surgiu a partir da constatação de que esse elemento também é uma importante fonte de fósforo”, esclarece Meira.
O problema do esgoto sanitário é antigo, mas apenas há pouco tempo os governantes despertaram para a questão. Em Santarém estão sendo construídas as primeiras duas estações para tratamento de esgoto (ETE’s). Cada estação vai tratar o esgoto produzido pelo equivalente a 50 mil pessoas, ou seja, cerca de 30% da população inicialmente, possuindo capacidade de ampliação para o dobro do atendimento dentro das mesmas ETE’s. Parece pouco, mas já faz uma diferença num lugar onde até pouquíssimo tempo nenhum esgoto recebia tratamento, comemora a pesquisadora.
A legislação brasileira – No Brasil, a Resolução Conama 357/2005, alterada pela Resolução Conama 430/2011, estabelece que efluentes de qualquer fonte poluidora só poderão ser lançados diretamente ou indiretamente nos corpos d’água, desde que atendam aos padrões previstos nas legislações que estabelecem padrões para macronutrientes. “Os rios e igarapés urbanos têm uma capacidade, um limite para receber certa quantidade diária de efluentes, e dependendo da quantidade e da carga orgânica que for despejada o rio pode entrar num processo de eutrofização”.
Apesar de Santarém possuir grande parte da extensão do aquífero Alter do Chão – manancial subterrâneo – e de o rio Tapajós ter uma grande capacidade de suporte para absorção, já é possível identificar trechos de rio eutrofizados, principalmente próximo às saídas de rede de drenagem e também próximo aos pontos de embarcações, principalmente na turbidez das águas do rio Tapajós. Isso sem falar na grande quantidade de fossas (tanques sépticos) espalhadas pela cidade.
A água é um bem e deve ser cuidada e preservada para esta e para futuras gerações. As questões são locais, mas o problema é mundial.
A pesquisa deve estar concluída em quatro anos.
Fonte: RG 15/O Impacto, com informações e foto de Lenne Santos/Ufopa