Pesquisadora alerta: ”Deficiência na educação infantil prejudica alunos”
Em Santarém, oeste do Pará, a pesquisa realizada pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Infantil (Gepei), do Instituto de Ciências da Educação (Iced), da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), demonstrou que 62% dos professores que atuam na educação infantil da rede pública de ensino não possuem curso de nível superior, apenas o curso de magistério. Do total de profissionais, 58% têm vínculos temporários. O resultado do levantamento é preocupante, uma vez que demonstra um nível insatisfatório em relação ao exigido pela legislação vigente.
A pesquisa também revela a precariedade nas estruturas das unidades escolares, que funcionam em espaços inadequados, como exemplo, podemos citar a Unidade de Educação Infantil do bairro da Matinha, que funciona em uma residência que foi alugada pela Prefeitura.
Nossa equipe de reportagem entrevistou a Professora Doutora, Pesquisadora e Coordenadora do Curso de Especialização em Educação Infantil da Ufopa, Sinara Almeida da Costa, que fala sobre o estudo que demonstrou um cenário preocupante em relação ao perfil dos profissionais que atuam na área. Acompanhe:
Jornal O Impacto: Dos resultados da pesquisa, quais os dados a senhora aponta que sejam mais relevantes?
Sinara Costa: A pesquisa trás resultados preocupantes para educação infantil no Município, porque começamos a perceber o perfil do professor que nós temos para trabalhar com crianças pequenas, de até cinco anos. Percebe-se que são professores muitas vezes sem a formação mínima necessária, ou seja, temos muitos professores trabalhando sem o curso de Pedagogia, outros que ainda estão cursando algum curso que não é Pedagogia. Temos professores formados em História, em Letras, em outras áreas que não são apropriadas, exigidas por lei para trabalhar na educação infantil.
Outro dado muito preocupante que a gente tem com essa pesquisa, é em relação ao vínculo empregatício do professor com o Sistema Municipal de Ensino. Temos muitos professores temporários. Então, este dado é preocupante porque se nós estamos tentando construir um perfil do professor de educação infantil, professores que realmente queiram trabalhar com crianças, professores que estudem sobre isso, tenham feito uma formação específica sobre isso, essa rotatividade do professor temporário prejudica muito a construção dessa identidade para a área, uma vez que o professor temporário passa um ano com vínculo temporário com o Município, e depois ele é substituído por outro professor, dependendo de um novo concurso para professor temporário. E esse professor temporário acaba não passando por todas as formações que a Secretaria de Educação oferece, e ele acaba sendo prejudicado em termos financeiros também, não tem a mesma carreira de um professor efetivo. Então, tudo isso trás prejuízos para consolidação da educação infantil enquanto área de conhecimento e de grande importância na formação do indivíduo.
Jornal O Impacto: Neste contexto, quais as principais recomendações aos pais?
Sinara Costa: Penso que os pais têm que ficar muito atentos, e cobrar do poder público que eles façam concursos para educação infantil, que esses concursos tenham como premissa um professor formado em Pedagogia, se possível especialista em educação infantil, porque no âmbito do próprio Município nós já oferecemos cursos de especialização educação infantil; a própria Ufopa acaba de oferecer uma turma de especialização em educação infantil. Então, que os pais possam ficar atentos para cobrar e pesquisar nas escolas onde seus filhos estudando, observando qual a formação do professor, se há dois professores por sala, e não um professor e um auxiliar, porque o auxiliar não tem a formação necessária. Quem é da área de educação infantil luta muito para que possamos ter dois professores na sala. Importante também observar a estrutura da escola, se o professor está tendo condição de trabalho, o que a escola está oferecendo para que essa educação infantil possa ser considerada de qualidade.
Jornal O Impacto: Em que aspectos os pais devem ficar atentos quando falamos em desenvolvimento da criança?
Sinara Costa: Na verdade, esta é uma discussão bem abrangente. Porque quando a gente fala de educação infantil, estamos falando do desenvolvimento integral da criança, e não apenas de alguns aspectos, como por exemplo o aspecto cognitivo que é sempre o mais visto e cobrado pelas famílias, e muitas vezes até mesmo pela escola. Então, os pais têm que estar atentos e buscar junto do professor construir instrumentos de acompanhamento do desenvolvimento da criança. A gente sabe que na educação infantil, a parceria família e escola é essencial, é uma das características específicas da educação infantil, a proximidade da família. Porque não tem como nós acompanharmos o desenvolvimento da criança na escola, sem que a família esteja nos respaldando, esteja realizando esta troca com a escola. Mas que seja observado o desenvolvimento global da criança. Que os professores possam fazer relatórios, com anotações sobre o desenvolvimento da criança em todos os aspectos, tais como: comportamento, emocional, no geral, e não apenas o aspecto cognitivo, ler e escrever. O objetivo da educação infantil não é ensinar a criança a ler e escrever. É muito o que as famílias esperam, porém, a dica que eu dou, é que os pais se preocupem muito mais além, uma vez que na educação infantil nós estamos formando o caráter, a personalidade da criança e isso sem sombra de dúvida é o mais importante.
FIQUE POR DENTRO: De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a educação infantil deve complementar a ação da família e da comunidade no desenvolvimento físico, psicológico, intelectual e social da criança de até 5 anos. Nesta etapa, em que bem-estar, brincar e interação são essenciais para a aprendizagem e o desenvolvimento, é preciso estar atento ao tratamento dado aos pequenos nas creches e pré-escolas. Nem sempre é possível encontrar instituições que atendam a todos os critérios estabelecidos em lei.
Desde 2014, a professora Sinara Almeida da Costa, do Instituto de Ciências da Educação (Iced) da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), investiga a qualidade da educação infantil ofertada na cidade de Santarém. Nas pesquisas coordenadas por ela, no Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Infantil (Gepei), o cenário ainda preocupa. A maior parte das instituições precisa avançar na adoção de práticas pedagógicas mais efetivas para a formação das crianças.
“Os resultados não são bons. Muitas instituições até possuem suas propostas pedagógicas em forma de documento, mas elas são bem diferentes na prática. Elas não têm uma linha teórica que direcione suas propostas de trabalho. Têm o documento, mas ele não está sendo aplicado na prática”, afirma Sinara.
Na educação infantil, é preciso que os professores trabalhem atividades que visem o desenvolvimento de habilidades que nos acompanharão para a vida toda: capacidade de raciocínio, abstração, imaginação, criatividade, sociabilidade, entre outras. A tarefa exige do profissional conhecimento, dedicação e planejamento, mas diversos fatores, como a falta de formação adequada e a ampla jornada de trabalho enfrentada diariamente, ainda impedem que isso se concretize.
Em uma pesquisa realizada com 50 professores da rede pública municipal (cerca de 10% do total de professores da rede), foi constatado que a maior parte são temporários (58%). Além disso, 62% não têm nível superior, apenas o magistério. E, dos que são graduados, apenas 27% dedicam-se à pós-graduação na área de educação infantil.
De acordo com a pesquisadora, isso prejudica a construção do entendimento da sociedade sobre a educação infantil, “que o professor seja visto como profissional da educação e não como ‘tio’ ou ‘tia’”.
Outro ponto que chama atenção são os espaços destinados às crianças. Segundo Costa, em geral, são inadequados: “São casas improvisadas, quentes, sem estrutura necessária, com materiais de baixa qualidade e em número insuficiente. Quando tem parquinho, não é arborizado, o que inviabiliza o uso”.
Formação continuada é essencial – Para Sinara, a formação do professor é a base de tudo. “Se você não tem um espaço tão bom, mas tem a formação necessária, você pode transformar aquele espaço em um ambiente agradável para a criança”.
Em 2014, a Ufopa ofertou a especialização em Docência Infantil para educadores de 27 municípios da região Oeste do Pará. Apesar disso, nem todas as 150 vagas foram preenchidas por professores que atuam na educação infantil.
Com a conclusão do levantamento dos dados sobre as instituições em Santarém, a expectativa é subsidiar ações do poder público voltadas para a área. “Precisamos desses dados para mostrar para o poder público que essa situação é real, é séria e tem consequências. E, a partir daí, o poder público reorganizar o seu quadro de professores com concursos específicos e uma formação continuada, em serviço, para que o professor aprimore os conhecimentos que ele já tem”, destaca Costa.
Leitura e escrita – “Por que você escreve?” “Porque a professora mandou”. Essa é uma resposta comumente reproduzida por alunos que estão iniciando a alfabetização. Segundo Costa, isso é reflexo do uso de uma metodologia de ensino que prioriza a repetição de números e letras. A consequência tem sido a formação de adultos que não sabem ler e escrever porque são incapazes de interpretar ou produzir um bom texto. “Os nossos jovens não estão sendo autores, estão apenas reproduzindo textos. Quando eles têm que interpretar o que eles leem, têm muita dificuldade”, afirma a professora.
A forma mais eficaz de ensino baseia-se no uso social da leitura e escrita, o que quer dizer que as crianças devem primeiro encontrar uma motivação para tal e, depois, aprender a técnica correta.
Para ajudar a melhorar esse quadro, a Ufopa está negociando com o Ministério da Educação (MEC) a oferta de um curso de leitura e escrita na educação infantil. O objetivo é aperfeiçoar a prática dos professores da rede pública dos municípios da região Oeste do Pará. A previsão é de que ocorra em 2017. (Com informações da Ufopa).
Por: Edmundo Baía Júnior
Fonte: RG 15/O Impacto