Polêmica – Vereadores ignoram recomendação do Ministério Público

Na “Casa Legislativa”, Projeto de Lei de uso do solo em Santarém continua tramitando

A forte atuação do Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) nos últimos anos em Santarém, em especial no acompanhamento e no cumprimento das leis municipais, que por vezes, é relegada a segundo plano pelos governos e seu mandatários, tem causado bastante repercussão.

Na cidade, as opiniões se dividem. Parte da população e lideranças de bairros enxergam com bons olhos a atenção disponibilizada pelo órgão ministerial, uma vez que acreditam que tal intervenção tem trazido resultados positivos.

Outro grupo é critico sobre os posicionamentos, que dizem ser “intransigente”, segundo afirma, chegando a querer determinar diretamente sobre a atuação dos poderes constituídos, o qual não seria o papel do órgão.

No último dia 20 de outubro, mais uma divergência do tipo foi estabelecida, depois que o MPPA emitiu recomendação para que o município de Santarém e Câmara Municipal da cidade realizassem a imediata suspensão da tramitação do Projeto de Lei (processo nº 1621/2017) que prevê alterações nas normas de parcelamento, uso e ocupação do solo em Santarém.

De acordo com o documento, a recomendação é para que o projeto seja suspenso até que sejam realizados estudos técnicos e consultas prévias às comunidades atingidas.

Embora dentro do prazo estabelecido para se manifestar sobre a recomendação, nesta semana, os trabalhos referentes ao Projeto de Lei (PL) continuaram seus procedimentos de tramitação normalmente.

POSICIONAMENTOS: Na segunda-feira (23), alguns vereadores utilizaram seu tempo de fala no plenário da Câmara de Santarém, para opinarem sobre a situação. As falas e considerações foram no sentido de reafirmar as relações institucionais e harmonia entre os Poderes Constituídos, perpassando pela reflexão às atribuições da Casa legislativa.

Segundo o vice-presidente da Mesa Diretora, vereador Dayan Serique, o objetivo genuíno desta Casa é legislar, fiscalizar o Executivo no que tange o serviço público. “Portanto, ressalto que não cabe a mais ninguém legislar, e sim a esta Casa”, disse, acrescentando: “Os vereadores têm apresentado para a sociedade ao longo da existência deste parlamento sempre a possibilidade das contribuições da sociedade civil, inclusive vários sindicatos ou movimentos dos mais diversos segmentos estiveram presentes para discutir sobre suas problemáticas. Desta forma, no que diz respeito à legislação, a Câmara tem feito seu papel que é ouvir todas as partes seja qual for a situação, e faz isso sem desrespeitar ninguém. Esta Casa está sempre de portas abertas, aqui entra qualquer pessoa esteja ela como estiver, e não é em todos os lugares que é permitido que a pessoa entre sem formalidades de vestimentas, enquanto nesta Casa não há proibições. Aqui se respeita o Poder Executivo, o Judiciário, o Ministério Público e todas as outras instituições, assim entendemos que há o respeito mútuo, e que a democracia é feita e se cumpre a constituição”.

Ao continuar, o vereador Dayan Serique complementou, “muitas pessoas do movimento popular ficaram estarrecidas ao perceber que estavam sendo enganadas, e que não existe pressão para a celeridade do PL. O vereador Ronan Liberal (PMDB) explicou o rito de tramitação desta Casa, esclareceu que o PL está há um mês aqui e ainda tramita na comissão de Meio Ambiente, a qual vai ouvir as entidades. O que não pode é se propagar falácias e inverdades que muitas vezes têm eco em alguns órgãos, e para evitar isso bastava apenas um ofício solicitando informações da Casa, e ela teria respondido”.

Dayan informou que a Câmara não vai parar com a tramitação do PL que discute o uso do solo no Município, pois o poder tem autonomia e cada Vereador tem de ser livre para votar e legislar conforme a sua consciência.

Para o vereador Valdir Matias Júnior, é necessário entender, que para o pleno exercício do papel do Poder Legislativo é importante que não exista interferência de outros poderes na condução dos trabalhos dos parlamentares.

Matias Jr. defendeu a autonomia da Câmara de Vereadores de Santarém na condução dos trabalhos legislativos. O parlamentar explicou que os vereadores não vão fazer nenhum tipo de mudança radical no projeto. Ao contrário, vão regulamentar a lei para o bom funcionamento das características urbanistas, tanto de Alter do Chão, quanto das demais áreas do Município. Ele foi efusivo em suas palavras ao defender a autonomia da Câmara, como um poder independente, na análise de matérias legislativas, já que este é o papel dos vereadores. “Esta Casa não pode se furtar do seu papel de legislar em favor da sociedade, dos interesses do Município e sem a interferência de outros poderes. A responsabilidade de legislar sobre projetos de leis é da Câmara de Vereadores e ninguém deve interferir nas nossas decisões, nem o Poder Executivo ou Judiciário. Não concordo com o posicionamento do MP diante de uma matéria que está em tramitação nesta Casa, ainda passando por análise técnica e jurídica das comissões pertinentes. Nossa responsabilidade é com o Município, com os interesses da população. Logo, jamais tomaremos qualquer decisão que vá contra esses princípios”, disse Valdir Matias Jr.

O Projeto de Lei tramita na 8ª Comissão de Meio Ambiente e Assuntos Estratégicos da Câmara de Vereadores, da qual Valdir Matias Jr. é o relator. Alguns artigos da lei complementar de parcelamento, uso e ocupação de solo de Alter do Chão, serão alterados, mas após as discussões e análises das comissões. Uma das mudanças é a possibilidade de verticalização da construção civil que define altura mínima de 19 metros para a construção de prédios na orla da cidade.

Outro vereador que se manifestou na segunda-feira (23), foi o líder do governo na Câmara, Henderson Pinto. Ele acredita que muitos problemas estariam na “perda de identidade” dos poderes que compõem a República do Brasil. O parlamentar destacou que cada poder deve cumprir o seu papel, e observar o nível de interferência no outro.

Essa introdução deu base à crítica que o parlamentar fez à recomendação do Ministério Público Estadual, encaminhada à Câmara na última sexta-feira (20/10), para que não se dê continuidade à apreciação do projeto de modificação da lei de uso e ocupação do solo, que tem gerado bastantes discussões desde que a pauta foi levantada. Henderson ressaltou que não poderia abrir mão da essência do Poder Legislativo.

Presidente da Comissão de Patrimônio, o parlamentar relatou que uma reunião realizada na manhã de segunda-feira (23) com representantes de movimentos sociais teria sido produtiva, especialmente porque a Casa se posicionou aos presentes no sentido de confirmar a continuidade das discussões sobre a lei.

O líder do governo explicou que a questão das Zonas Especiais de Preservação Ambiental (ZEPAS), onde não se pode executar qualquer construção seria um equívoco e precisaria ser corrigido. Ele destacou ainda que a constatação foi feita pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEMMA).

DISCUSSÃO COM PARTICIPAÇÃO: O Projeto de Lei/processo nº 1621/2017, que prevê alterações nas normas de parcelamento, uso e ocupação do solo em Santarém, foi o tema de uma reunião de trabalho realizada no plenarinho da Câmara Municipal de Santarém na manhã de segunda-feira.

Além dos parlamentares que fazem parte da 5ª Comissão de Agricultura, Terras, Pecuária, Obras públicas e Patrimônio e da 8ª Comissão de Meio Ambiente e Assuntos Estratégicos de Interesse do Município, entidades e movimentos sociais no Município estiveram presentes. O principal objetivo do encontro foi esclarecer dúvidas relativas ao PL, que prevê a correção e aprimoramento de artigos da Lei complementar de parcelamento, uso e ocupação do solo (nº 007/2012) na vila balneária de Alter do Chão, criada em Setembro de 2012.

Ao final da reunião de trabalho foi deliberado que o Projeto continuará tramitando nas comissões pertinentes à Casa. Na oportunidade, as lideranças presentes e a sociedade foram convidadas a participar e apresentar propostas ao PL nas próximas reuniões das comissões.

OAB CHAMA RECOMENDAÇÃO DO MPPA DE AMEAÇADORA: Em nota encaminhada à nossa redação, a Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Pará e Subseção de Santarém, se manifestam sobre a posição do Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), em Santarém, que chamam de ameaçadora uma “recomendação” aos Poderes Executivo e Legislativo de Santarém, sobre o projeto de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo. Veja a Nota Pública, na íntegra:

“A Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Pará e Subseção de Santarém torna pública sua posição sobre a ameaçadora ‘recomendação’ feita pelo Ministério Público aos Poderes  Executivo e Legislativo santarenos. Dessa forma, entende a Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Pará, Subseção de Santarém que a ameaçadora ‘recomendação’ originada do Ministério Público do Pará em Santarém agride a independência dos Poderes ao querer se imiscuir em matéria de competência exclusiva do legislativo. Afora isso, por se tratar de ‘recomendação’ as ameaças veladas ali contidas revelam uma tendência perigosa dos representantes do Ministério Público em assumirem despoticamente o município, legislando no lugar dos vereadores e ordenando atos do executivo como se tivessem sido eleitos para tanto. Quem ‘recomenda’ não ameaça, não concede ‘prazo para cumprimento’ sob pena de sofrer alguma sanção, até porque o MP não pune ninguém. Lamentamos a conduta e se acionada a Ordem dos Advogados do Brasil, por meio da Seção Pará e da Subseção de Santarém irá ao Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP solicitar a avaliação da conduta dos promotores de justiça signatários da ‘recomendação’ ameaçadora”, diz a Nota, que é assinada por Ubirajara Bentes de Souza Filho, Presidente do Conselho Subsecional da OAB PA Santarém e Alberto Antônio de Albuquerque Campos, Presidente do Conselho Seccional da OAB Pará.

MPPA SE MANIFESTA: O Ministério Público de Santarém, por meio de sua coordenação, esclarece à população, em relação à Recomendação emitida à Câmara Municipal e Prefeitura no dia 20 de outubro, acerca do Projeto de Lei nª 1621/2017, em tramitação na Casa Legislativa:

A Recomendação relativa ao Projeto de Lei nª 1621/2017, em tramitação na Câmara Municipal, visa garantir, dentre outros, a realização de estudos que embasem o projeto e a devida consulta prévia aos que serão atingidos por suas mudanças, principalmente populações ribeirinhas, quilombolas, comunidades rurais, indígenas. O projeto prevê alterações nas normas de parcelamento, uso e ocupação do solo em Santarém, e que necessitam de estudos técnicos e ampla participação popular.

A Recomendação é um instrumento extrajudicial utilizado pelo Ministério Público no Brasil e nos Estados. A Lei Complementar nº 75/1993, estabelece no Capítulo II, a Recomendação como sendo um dos instrumentos de atuação do MP, que pode: “expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como ao respeito, aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis”.

Em complemento, a Resolução n° 164, de 28 de março de 2017, do CNMP, disciplina a expedição de recomendações pelo Ministério Público brasileiro. O Art. 1º diz que deve ser o instrumento formal “com o objetivo de persuadir o destinatário a praticar ou deixar de praticar determinados atos em benefício da melhoria dos serviços públicos e de relevância pública ou do respeito aos interesses, direitos e bens defendidos pela instituição, atuando, assim, como instrumento de prevenção de responsabilidades ou correção de condutas”.

A mesma Resolução do CNMP, diz em seu artigo 4º que a “recomendação pode ser dirigida, de maneira preventiva ou corretiva, preliminar ou definitiva, a qualquer pessoa, física ou jurídica, de direito público ou privado, que tenha condições de fazer ou deixar de fazer alguma coisa para salvaguardar interesses, direitos e bens de que é incumbido o Ministério Público”.  E completa esclarecendo que “será dirigida a quem tem poder, atribuição ou competência para a adoção das medidas recomendadas, ou responsabilidade pela reparação ou prevenção do dano.”

Por fim, entendemos que o teor do Projeto de Lei 1621/2017 deve ser divulgado e conhecido pela população, de modo a favorecer o debate amplo e fundamentado.

ENTENDA O CASO: Segundo o MPPA o projeto de lei que altera significativamente o ordenamento territorial e ambiental do município, com influência direta nos territórios de comunidades quilombolas, indígenas, assentamentos, comunidades rurais e ribeirinhas, sem justificativas e estudos técnicos, nem consultas aos que serão atingidos.

Um dos exemplos de mudança proposta pelo projeto em tramitação é a diminuição de Zonas Especiais de Preservação Ambiental e ampliação de zona portuária, o que afeta a região do Maicá. Além de outras alterações na zona urbana, que incluem aumentar a altura das edificações na cidade e nas vilas de Alter do Chão, Ponta de Pedras, Tapari e Pajuçara, e a permissão de atividades minerárias em áreas de Preservação Ambiental com base no CAR (Cadastro Ambiental Rural).

O documento do Ministério Público recomenda a realização de estudos técnicos e interdisciplinares que embasem e justifiquem o teor do Projeto de Lei-Processo 1621/2017, e que seja apresentado e executado um plano de atividades informativas e consultivas, de forma transparente e pública, com a realização de seminários, audiências públicas e oficinas, com ampla participação da sociedade em geral.

Deve ainda ser realizada uma audiência conjunta a respeito do Projeto de Lei, com a participação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Programa Terra Legal, Iterpa, Funai, ICMBio, SPU, MPF e MPE, tendo em vista a presença de áreas sob a gestão territorial desses órgãos públicos no município de Santarém, nos termos da Lei Federal n° 6.766/79.

Outro ponto recomenda a realização da “consulta prévia, livre e informada”, das comunidades quilombolas, indígenas, pescadores e demais populações tradicionais, localizadas na área de influência do lago do Maicá e dos indígenas de Alter-do-Chão, afetados pelas medidas legislativas já executadas no âmbito da Câmara Municipal de Santarém, por conta do Projeto de Lei.

Ao fazer essas recomendações, o MP considera que “cabe aos Municípios, ao executar a política de desenvolvimento urbano, a observância de razões de interesse público e outros preceitos legais mínimos”, principalmente aqueles que determinam o planejamento prévio, mediante a gestão participativa.

O MP considera ainda que o Plano Diretor do Município de Santarém

– Lei de Uso, Ocupação e Parcelamento do Solo das Zonas Urbana e Rural- é um dos instrumentos de planejamento utilizados pela administração pública municipal para a promoção, planejamento, controle e gestão do desenvolvimento territorial de Santarém. De acordo com a Lei, “a delimitação da zona de expansão urbana deverá prever os instrumentos de controle e demarcação dos territórios ocupados pelas comunidades tradicionais, tais como os indígenas, quilombolas, ribeirinhos e extrativistas, de modo a garantir a proteção de seus direitos” (Parágrafo Único do art. 112).

A Recomendação foi enviada no último dia 20 de outubro ao prefeito municipal Nélio Aguiar, e ao presidente da Câmara Municipal, vereador Antônio Rocha que terão até a próxima semana para informar se acatam ou não o recomendado, sendo a omissão considerada como recusa ao cumprimento. Assinam o documento os promotores de justiça de Santarém, Ione Nakamura, Lilian Braga, Paulo Arias, Maria Raimunda Tavares e Túlio Novaes.

Por: Edmundo Baía Júnior

Fonte: RG 15/O Impacto

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *