Padre: “Porto da Embraps trará o caos a Santarém e região”

Padre Edilberto Sena alerta sobre prejuízos que Santarém e região terão com o porto no Lago do Maicá

Nossa região é rica em recursos e belezas naturais, em natureza deslumbrante que traz muitos benefícios para a população e lugares privilegiados, onde podemos viver em harmonia e em paz com a natureza. O assunto que vamos abordar é algo que há muito tempo vem acontecendo aqui em Santarém e infelizmente não tem sido dada a importância necessária. Trata-se da Livre Consulta, que é algo de fundamental importância, principalmente para nós santarenos. Para falar sobre esse assunto e esclarecer o verdadeiro conceito de Livre Consulta, recebemos em nosso estúdio o Padre Edilberto Sena, que nos concedeu entrevista exclusiva.

Jornal O Impacto: Padre Edilberto Sena, qual o conceito de Livre Consulta?

Padre Edilberto Sena: Primeiramente, nós podemos notar que existe um conflito muito sério, uma disputa de território no mundo, no País, na Amazônia e em nossa região, trata-se de uma disputa entre o capital e os moradores que habitam a região no caso específico. A Lei, a Constituição, até a Convenção da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário, garantem o direito dos povos nativos tradicionais a terem proteção a sua vida e o seu habitat. Por outro lado, o capital está ansioso por lucro, olhando a natureza como objeto de geração de lucro. Aí está o conflito. A Consulta Livre está dentro de um artigo da Convenção 169, que diz o seguinte: “Antes de qualquer obra ou Lei criada para atingir uma população, ela tem o dever de ser consultada de maneira livre e bem informada”. Isso se chama protocolo de consulta, quer dizer que nenhum porto, mineração ou construção de impacto deve sair sem haver consulta. Vamos pegar o exemplo de Alter do Chão, onde existe um conflito entre o capital e seus moradores; o capital quer construir prédios, na orla de Alter do Chão e em Ponta de Pedras e etc; e a comunidade local está reagindo. Ela tem direito a ser consultada e a partir da consulta, ela tem direito de dizer se os impactos que serão causados pela obra vai prejudicar gravemente a convivência dos seres que moram ali. Pela Convenção 169 essa Consulta deve ser respeitada, não apenas uma consulta para ser escutada, mas uma consulta para ser acordada, que dizer, tem que haver um acordo entre os locais e o capital. Se os impactos do capital forem tão grandes, como por exemplo uma hidrelétrica de Belo Monte, é um impacto terrível para a população local, para os indígenas, quilombolas e os habitantes de Altamira. Belo Monte não respeitou a Convenção 169, não havia nem consciência do protocolo de consulta. O que está acontecendo agora em nossa região é que os índios Munduruku já criaram o seu protocolo de consulta, os ribeirinhos de Mangabal também, as comunidades de Pimental e São Luís onde o governo pretende destruir aquela região com hidrelétrica de São Luís, eles já construíram seu protocolo de consulta; nós aqui do Baixo Tapajós também estamos construindo o nosso protocolo de consulta, pois trata-se de uma ferramenta que nos dará o direito de dizer ao capital: “alto lá, os senhores não podem fazer o que pretendem sem nos escutar ou analisarmos se isso vai trazer de fato prejuízos ou benefícios à população”. Esse é o conceito de consulta livre, ou seja, devem ser consultados de maneira bem informada todos os atingidos.

Jornal O Impacto: Algumas obras foram feitas em Santarém, outras estão em andamento. Por exemplo, a ETE – Estação de Tratamento de Esgoto, os dejetos que ela recebe vêm do Residencial Salvação e de uma importante empresa aqui da região. Estamos acompanhando uma obra que é realizada na orla de Santarém, na Avenida Tapajós, estão implantando uma rede de esgoto que também destinará dejetos na ETE, ou seja, toda sujeira das residências dos bairros será destinada à estação, sendo que a mesma não suporta nem mesmo a demanda atual. Se tivesse ocorrido uma consulta livre antes da implantação da ETE, se a população interessada tivesse ouvido os prós e os contras, você acha que daria esse problema todo e o que ainda está por vir?

Padre Edilberto Sena: A Estação de Tratamento de Esgoto, a princípio, seria uma coisa espetacular, porque teria todo um equipamento para tratamento de esgoto e a partir daí com o esgoto tratado, seria lançado no meio do Rio Tapajós já tratada, esse era o plano original. O que acontece é triste, como a comunidade do Mapiri, Liberdade e de toda Santarém não foi consultada, veio um projeto de cima para baixo, mal administrado e concluído, resultou nessa desgraça que está aí. Temos uma Estação de Tratamento de Esgoto, de fezes, nos lagos do Mapiri e Papucú. Originalmente, a ETE nem foi feita para trazer o esgoto do Projeto Minha Casa Minha Vida, e sim atender metade da cidade de Santarém, tanto que teria uma ETE lá no Uruará para esgotar para turma de lá e outra no Mapiri, os dois foram iniciados, vem recurso federal, foi mal administrado e, portanto, a ETE não está funcionando. Desviaram as intenções, aí vem de 3 mil casas todas as fezes do Residencial Salvação, então, juntaram os esgotos com outros projetos que têm ali pelo caminho, como Supermercado e Shopping, e a partir daí esse esgoto é jogado nos lagos do Mapiri e Papucú. Eu já estive no meio do lago, um pescador me levou de canoa, trata-se de uma fedentina, é um cheiro de merda ali no lago, isso é uma agressão terrível e é a população que vai pagando as consequências por falta de um protocolo de consulta, por falta de uma politização da nossa própria população santarena. Nós estamos aceitando que o capital e a má administração destruam a nossa convivência humana nesta cidade.

Jornal O Impacto: Muitos, décadas atrás, tomaram banho com a família no lago do Mapiri, sem medo de nada, pois tratava-se de uma água cristalina, era um criatório de peixes. Depois veio a ação das bombas, mas para consolidar a destruição do lago, veio essa situação da ETE, trata-se de um desastre ambiental que está prestes a se consolidar. Existe outros exemplos de empreendimentos aqui em Santarém que têm mexido com o meio ambiente sem nenhuma consulta, você pode citar alguns?

Padre Edilberto Sena: O porto da EMBRAPS do outro lado da cidade, aquilo ali é outro crime social e ambiental, as coisas são feitas na marra. Se as populações e as organizações levassem a sério a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, exigiriam informação e liberdade de análise de discussão para saber se essa obra irá trazer benefícios para a população da cidade ou só benefício para o capital, bem como se essa obra irá causar impacto no rio e nos bairros; se analisar tudo isso, que a população tem o direito, sem usufruí-lo sem liberdade de dizer se é bom ou não, se serve para nós. Mas isso não está havendo. Isso não acontece só em Santarém; em Belterra, o Prefeito e vereadores por conta própria, sem consultar a comunidade, estão decidindo desmembrar 2 mil hectares de uma área de proteção ambiental chamada Apa Aramanaí, que deverá ser entregue para fazer portos graneleiros. Imaginem o número de portos daqui de Santarém até Itaituba, já são previstos 15 portos graneleiros. Analisem os impactos sociais e ambientais ao se fazer 15 portos graneleiros ao longo do rio Tapajós. Além da construção dos portos, como é o caso da Cargill aqui, ocupou um espaço do rio e um espaço da cidade para seu benefício, para ganhar fortuna e deixando o que para cidade de Santarém? Aí você imagina 15 portos desses ao longo do Tapajós, imagine também como será o tráfego no rio Tapajós de barcaças, desde Miritituba até passar por Santarém. Se nós deixarmos eles fazerem o porto da EMPRAPS, você já imaginou, eu falo de 800 carretas que vão entrar pelos bairros do Jaderlândia, Jutaí e Mararú, vão entrar na cidade por uma avenida para embarcar e desembarcar soja. A população não é consultada se isso é bom para Santarena. É isso que precisamos, tomar consciência, que existem ferramentas, existe o protocolo de consulta, para entendermos o que é e exigirmos o que é nosso de direito. É isso que nós estamos trabalhando no Movimento Tapajós Vivo, para construir ao longo do rio Tapajós temos que ter os protocolos de consulta, para defender o nosso rio Tapajós. Esperamos que outras organizações também aproveitem para conhecer, estudar e usar essa ferramenta importante que tem a proteção da Constituição Nacional, Constituição Internacional e da Convenção Internacional do Trabalho.

Jornal O Impacto: Essa área de praias de Belterra, Aramanaí, Pindobal, Cajutuba e outros locais paradisíacos chamam atenção de muitos turistas. No Lago do Juá, por exemplo, tinha uma paisagem muito bonita junto à praia, hoje praticamente não existe, por falta de um protocolo de consulta. O senhor avalia como uma grande falta de respeito com a população?

Padre Edilberto Sena: Eu avalio como um crime, ou vários crimes feitos à população. Autoridades que permitem acontecer essas coisas, são pessoas que perdem o respeito por si mesmo e o respeito por seus eleitores, por aqueles que apoiam os seus partidos políticos, que permitem que isso aconteça. É uma violência à população. Agora, isso está acontecendo no Brasil, na África e América Latina, haja vista que hoje na disputa do território está prevalecendo a permanência do capital, pois a busca do lucro destrói toda ética, todo respeito moral pela vida humana. Isso é gravíssimo e precisamos tomar consciência de lutar por aquilo que é humano, aquilo que é respeito pelo outro, isso inclui o respeito pelo direito de viver em uma comunidade.

Por: Allan Patrick

Fonte: RG 15/O Impacto

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