Decisões do STJ sobre agronegócio impactam toda a cadeia desse setor
O Superior Tribunal de Justiça tem batido o martelo sobre questões polêmicas para o agronegócio brasileiro e impactado diretamente nos rumos do setor
Destacar a importância do agronegócio brasileiro não é uma novidade. Referência mundial há algumas décadas e representando importante fatia do PIB do país, é responsável por grande geração de empregos e tributos, mantenedor da balança comercial brasileira superavitária e vem sendo, nos períodos econômicos de bonança, forte propulsor da economia e, em momentos de crise, como nos últimos anos, o único setor a manter taxas de crescimento positivas. Não é exagero afirmar que o agronegócio brasileiro é o grande responsável pelo fim da recessão econômica do país em 2017.
Porém, apesar de todo este protagonismo na seara econômica, pouco se fala da forma como diversos temas fundamentais para o setor estão sendo constantemente decididos pelo Poder Judiciário, muitas vezes impactando diretamente os rumos do agronegócio no Brasil.
Neste contexto, apesar de pouco conhecida pelos brasileiros e até muitas vezes assustar o cidadão comum, a estrutura do Poder Judiciário nacional é relativamente simples. Além da justiça especializada (trabalhista, militar e eleitoral), existem os tribunais estaduais, os tribunais federais e os tribunais superiores, cada um com sua competência definida pela Constituição Federal, a norma mais importante do país.
No topo da pirâmide estão o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, tribunais superiores que funcionam, principalmente, como instâncias revisoras das decisões proferidas pelos demais tribunais.Não se engane, isso significa muito trabalho.
De acordo com o último Relatório Anual do Conselho Nacional de Justiça, publicado em 2016, o Brasil possui mais de 17 mil juízes na ativa. Trata-se de um número significativo de magistrados, que têm o difícil papel de interpretar a legislação nacional e, diariamente, proferir decisões sobre as mais diversas questões jurídicas.
Ocorre que, como também no Judiciário vale a máxima “cada cabeça, uma sentença”, não é raro que os juízes Brasil aforainterpretem diferentemente uma mesma leie profiram decisões conflitantes a respeito de um mesmo tema.
Entram em cena os tribunais superiores. Enquanto o STF funciona como o tribunal responsável pela defesa das normas constitucionais, a principal função do STJ é zelar pela correta aplicação das demais leis nacionais, uniformizando sua aplicação pelos juízes e tribunais do país.
Como se pode imaginar, a tarefa do STJ é fundamental para o que, no jargão, se chama “segurança jurídica”. A expressão se refere à correta e – sobretudo -uniforme aplicação das leis pelos tribunais, buscando-se previsibilidade nos julgamentos. Trata-se de elemento determinante para que as relações sociais, sobretudo os negócios, sejam regulados em um ambiente no qual se concretizem expectativas das pessoas, empresas e investidores em relação às leis.
E essa importantíssima tarefa do STJ tem reflexos consideráveis no agronegócio brasileiro.São muitos os exemplos de decisões pelas quais o STJ firmou entendimento sobre casos controversos para o agribusiness, a respeito dos quais os demais tribunais divergiam na interpretação e aplicação da legislação. Vejamos alguns importantes casos.
Depósito de grãos e recuperação judicial
Em recente decisão, o STJ pôs fim a uma polêmica que rondava o setor de armazenagem de grãos no Brasil. O tribunal decidiu que o juízo da recuperação judicial não é competente para julgar ações que versem sobre bens depositados nos armazéns da empresa em recuperação judicial.
Segundo o tribunal, os bens objeto do contrato de depósito não integram o patrimônio da recuperanda, razão pela qual a devolução dos produtos aos depositantes não se sujeita aos efeitos da recuperação judicial.
Em um ambiente de crise econômica, no qual, segundo dados do Serasa Experian, somente em 2016, 1.863 empresas pediram recuperação judicial, a decisão do STJ foi fundamental para dar segurança ao mercado de trading e armazenagem de grãos no país, garantindo aos depositantes que seus produtos serão devolvidos sem maiores empecilhos, mesmo em casos de recuperação judicial ou falência da empresa depositária.
Recuperação judicial do produtor rural
A possibilidade de produtores rurais pessoas físicas poderem requerer recuperação judicial desponta como um dos grandes temas que podem ser decididos em breve pelo STJ.
A discussão basicamente gira em torno da exigência ou não do registro do produtor rural na junta comercial para início do prazo de dois anos exigido pela Lei de Recuperação Judicial para sua concessão versus a simples comprovação de exercício de atividades empresariais dos produtores rurais por prazo superior a referido prazo de dois anos antes do eventual pedido de recuperação judicial por parte do produtor rural.
Como argumento para a exigência do registro prévio, os credores dos produtores rurais alegam que o registro na junta comercial lhes dá a segurança de saber a partir de qual momento o produtor rural poderá ser considerado empresário e requerer sua recuperação judicial, com todas as suas consequências para o pagamento das dívidas do produtor. O mesmo argumento vale para que o STJ preserve os negócios firmados anteriormente ao registro, com as pessoas físicas dos produtores rurais.
Sem prejuízo da relevância do enfrentamento da questão por parte do STJ, a insegurança jurídica ainda poderá permanecer no caso de ficar em aberto tal matéria na revisão da Lei 11.101/2005, uma vez que estão em tramitação no Congresso Nacional o PL 7.158/2017, apenso ao PL 6.279/2013, da Câmara dos Deputados e o PL do Senado 76/2015, onde há expressa previsão acerca da alteração da lei, a fim de permitir, sem requisito adicional, a recuperação judicial de produtor rural.
A indefinição da discussão, seja no âmbito do Poder Judiciário ou mesmo na seara do Poder Legislativo, traz incerteza que prejudica a todos os players na cadeia do agronegócio, impactando os custos para a concessão do já escasso crédito para viabilizar a formação das lavouras. De rigor que haja a pacificação do tema, a fim de possibilitar o adequado equilíbrio das relações negociais no setor.
Emissão de CPR sem a antecipação do pagamento do preço
Outro grande tema já enfrentado pelo STJ, com grande repercussão no agronegócio nacional, foi a controvérsia em torno da possibilidade de produtores rurais e suas associações emitirem Cédula de Produto Rural (CPR) sem que a credora antecipe valores pelo produto.
Segundo o STJ, mesmo sem antecipação do pagamento do preço,a CPR pode ser validamente emitida.A decisão é relevante porque a CPR é o principal título de crédito do agronegócio, permite outorga de garantias a baixo custo de registro e a prática de sua emissão sem adiantamento financeiro é largamente utilizada no setor, especialmente em operações estruturadas e como garantia de financiamentos e contratos comerciais.
Direito de preferência previsto no Estatuto da Terra não se aplica a grande empresa rural
Em outra importante decisão, o STJ concluiu que, quando o arrendatário de propriedade rural é empresa de grande porte, o direito de preferência para aquisição do imóvel arrendado não se aplica.
Trata-se de importante precedente que parece acabar com o anacronismo do Estatuto da Terra, promulgado num período em que a força na relação negocial estava com os grandes proprietários de terra e daí decorriam às proteções legais do arrendatário, hipossuficiente.
Com essa decisão, o tribunal sinaliza que as garantias previstas no Estatuto da Terra, como o direito de preferência, não devem ser estendidas às grandes empresas rurais. Este posicionamento, combinado com outros julgamentos e com o desenvolvimento do agronegócio nos últimos cinquenta anos apenas reforça a necessidade de atualização deste importante marco legal, publicado em meados da década de sessenta do século passado.
Pragas, intempéries, oscilações de preço das commodities e do real frente ao dólar não são elementos para aplicação da teoria da imprevisão aos contratos de compra e venda de safra futura
Neste caso,o STJ pacificou o entendimento no sentido de que o contrato de compra e venda de safra futura não pode ser rescindido ou revisado por conta da ocorrência de pragas, intempéries na lavoura e oscilações de preço das commodities e do real em comparação ao dólar.
Segundo o STJ, a teoria da imprevisão, que autoriza a rescisão do contrato que tenha se tornado excessivamente oneroso em razão de fatos imprevisíveis, não pode ser aplicada aos contratos de compra e venda de safra futura.
Isso porque, para o tribunal, pragas e intempéries não são imprevisíveis no setor agrícola, assim como a oscilação que frequentemente ocorre nos preços das commodities agrícolas e do Dólar e, mais do que isso,são elementos que decorrem do risco do negócio.
A importância das decisões judiciais para o agronegócio
Como se pode ver, as decisões do STJ podem impactar diretamente toda a cadeia do agronegócio nacional. São decisões que apontam em qual direção a lei deve ser aplicada pelos demais tribunais e que, muitas vezes, fazem com que os players do setor tenham que readequar suas práticas comerciais.
Exatamente por isso, não é simples a tarefa do Superior Tribunal de Justiça, que deve ter grande sensibilidade na apreciação destes temas, afinal, quanto mais segura e correta a aplicação das leis, mais propício o ambiente jurídico e econômico será para os negócios, sobretudo para este fundamental setor da economia brasileira.
Fonte: ConJur.