Cachoeira Porteira, em Oriximiná, já é a maior terra quilombola do Brasil

Estado entrega título coletivo a moradores da terra quilombola Cachoeira Porteira

Ao lado do governador Simão Jatene (e), Ivanildo Carmo de Souza (segurando o título), estampa no rosto a felicidade pela conquista, após 23 anos de luta

Em 2018, ano em que a Lei Áurea – que extinguiu a escravidão no Brasil – completa 130 anos, o Governo do Pará garante o direito à terra aos quilombolas de Cachoeira Porteira, no município de Oriximiná, que no sábado (3 de março), se tornou a maior terra quilombola titulada do Brasil. “É uma conquista que buscamos desde o tempo dos nossos ancestrais, e não temos palavras para descrever esse momento, que é muito importante para todos nós”, declarou a agricultora Maria da Costa.

A titulação resulta das articulações entre as secretarias extraordinárias de Estado de Integração de Políticas Sociais (Seeips) e de Municípios Sustentáveis (Seemsu), Núcleo de Apoio às Populações Indígenas e Quilombolas (Nupinq)/Casa Civil da Governadoria e Instituto de Terras do Pará (Iterpa).

O título coletivo ratifica que 225 mil hectares pertencem às 145 famílias remanescentes de quilombos que vivem em Cachoeira Porteira. A titulação ocorreu pela desafetação de parte das florestas estaduais (flotas) de Trombetas e Faro, aprovada pela Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) e sancionada pelo governador Simão Jatene. A área chama a atenção pela beleza natural do Rio Trombetas, que margeia a comunidade e, sinuosamente, se impõe em cachoeiras, corredeiras e igarapés emoldurados pela floresta amazônica.

“Aí nesse rio tem toda qualidade de peixes. Na floresta tem tudo o que a gente precisa para viver. Se a pessoa quiser dormir na rua, não tem nada que lhe incomode, no máximo um ou outro morcego”, garantiu Valdemar dos Santos, 84 anos, nascido e criado em Cachoeira Porteira. “Com muito orgulho”, reiterou Valdemar, um dos moradores mais antigos da região. Segundo ele, “aqui é terra de negros. Era pra cá que os escravos fugiam dos brancos, e assim foram construindo tudo o que temos hoje. Não troco isso por nada”.

Tradição – A artesã Maria Isabel do Carmo concorda com Vademar. Com a habilidade daqueles que nascem com o dom de manter viva uma tradição, ela manipula palha e cipó, que trançados e coloridos ganham formas de peneiras, cestos e tipitis (instrumento para espremer a mandioca e retirar o tucupi). “Sinto muito orgulho de manter vivo esse artesanato, que era feito pela minha mãe e minha avó. A gente precisa manter a nossa cultura para as próximas gerações”, reiterou Maria Isabel, que já estimula a neta Cássia, 4 anos, a trilhar o mesmo caminho.

Para ela, o título coletivo é uma ferramenta na garantia dessas tradições. “Fico emocionada com a chegada desse documento. É uma importância muito grande pra nós, que esperamos tanto por esse momento de poder dizer que a terra é nossa. É pra nós, nossos filhos e netos”, disse Maria Isabel.

Segurança – Ser expulso do lugar onde nasceu era um dos maiores temores do agricultor Manuel Marcos dos Santos. “É muito ruim viver desse jeito, sempre achando que a qualquer momento poderiam nos tirar daqui. Agora o negócio mudou. A gente está com o título na mão, ninguém mexe com a gente. Estou muito feliz”, declarou.

Para o presidente da Associação de Moradores da Comunidade Remanescente de Quilombo de Cachoeira Porteira, Ivanildo Carmo de Souza, o título coletivo de terra é a realização de um sonho, resultado do esforço conjunto, da dedicação de toda uma comunidade. “Foram 23 anos de luta, muito empenho e parceria de todos. Como todos se envolveram, nós tivemos força para lutar por um direito que é histórico, e hoje estamos vendo acontecer”, destacou.

Ivanildo Carmo de Souza frisou, ainda, que é importante comemorar, mas sem esquecer de renovar o compromisso da comunidade com a natureza, em manter a floresta em pé. “O nosso povo do passado segurou pra nós, protegendo, preservando a natureza, a matéria-prima que a gente vê. Se temos hoje é porque o nosso povo do passado soube proteger, soube garantir isso para as futuras gerações, que somos nós hoje. Então, em troca disso, nós também temos que proteger para as gerações futuras”, afirmou o presidente da Associação.

Reconhecimento – Ao entregar a documentação, o governador Simão Jatene destacou que a titulação de terra é importante para todo o País por se tratar de um reconhecimento da importância que o povo negro tem na construção da cultura e da história brasileira. “Essa possibilidade de que esses quilombos sejam reconhecidos, que passem a ter segurança jurídica ao que diz respeito à propriedade da terra, é absolutamente fundamental para que eles continuem se desenvolvendo, garantindo, mantendo os traços mais originais da sua cultura, das suas marcas históricas”, afirmou Simão Jatene, também reiterando o compromisso dessas populações com a preservação da natureza.

“Eles convivem sem destruir. Agora, têm razões multiplicadas para manter ainda mais essa convivência pacífica, porque agora essa terra é deles, de fato e de direito. Então, eu me sinto muito feliz em fazer parte disso, principalmente por se tratar de um título coletivo, em que a comunidade é proprietária de forma conjunta, e não individual”, disse o governador.

Cachoeira Porteira está a 13 horas de barco e 4 horas e meia de lancha da sede do município de Oriximiná, no oeste paraense. “A comunidade vive de pequenas roças e da extração de castanha do Pará”, informou o prefeito de Oriximiná, Ludugero Tavares, para quem o título vai melhorar a vida dos quilombolas. “Essa é uma das comunidades mais distantes do município. Parabenizo o governador por esse feito, e pela parceria com o município na manutenção desse território”, frisou o prefeito.

Mais titulação – Daniel Lopes, presidente do Instituto de Terras do Pará (Iterpa), garantiu que a regularização de territórios quilombolas e extrativistas continua sendo uma das prioridades do Instituto. “Vamos continuar avançando, e já estamos finalizando a titulação de mais três áreas quilombolas”, infomou o titular do Iterpa, ao se referir às comunidades Ramal do Caeté, em Abaetetuba e Moju; Espírito Santo, no Acará, e São Tomé do Tauçu, em Portel.

O Pará é o Estado que mais titulou terras quilombolas no Brasil. Somente no período de 2015 a 2017 foram entregues mais de 06 mil títulos. O representante do movimento Malungo, das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará, José Carlos Galiza, disse que o Pará continua na frente no ranking de titulações de territórios. “Acho que a gente poderia fazer muito mais, não fossem os entraves dos territórios que estão em área federal”, acrescentou.

Por Dani Filgueiras

Fonte: RG 15\O Impacto e Agência Pará

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