Como evitar a responsabilidade solidária dos despachantes aduaneiros na cobrança de devolução dos containers

Artigo do advogado Augusto Fauvel

É muito comum ver a figura do despachante aduaneiro sendo responsabilizado solidariamente por eventual indenização na hipótese de ocorrência de sobreestadia.
Ocorre que a presunção de solidariedade é inadmissível, de acordo com nosso ordenamento jurídico, mais precisamente o artigo 265 do Código Civil, cuja redação é a seguinte: “A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes”.
Entretanto, para que haja a responsabilidade solidária é imprescindível que hajam indícios que os despachantes aduaneiros tenham extrapolado os poderes que lhes foram outorgados pelo consignatário do termo de compromisso de devolução de container, ou seja, que estes tenham assumido responsabilidade no termo de devolução através de sua assinatura.
Assim, não há como se afirmar que os despachantes aduaneiros tenham se responsabilizado solidariamente por eventual indenização na hipótese de ocorrência de sobreestadia, se não houver qualquer assinatura ou identificação de representante com poderes para firmar tal pacto, pois o despachante aduaneiro que atua como mero intermediário e não assume nenhuma responsabilidade no termo de devolução de contêiner não é parte legítima para figurar no polo passivo de ação de cobrança que tem por finalidade a cobrança de valores decorrentes do atraso na devolução.
Além do mais, se o despachante aduaneiro não assina o termo, fica evidenciado que ele não expressou sua vontade em assumir a responsabilidade solidária e como isto não consta de lei, é evidente que o armador não pode se recusar a formalizar o termo e nem cobrar a dívida do despachante aduaneiro, mesmo que seu nome venha a constar do documento com tal qualificação.
O entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo não vem sendo diferente, ou seja, quando o despachante aduaneiro que atua como mero intermediário e não assume nenhuma responsabilidade no termo de devolução de contêiner não é parte legítima para figurar no polo passivo de ação de cobrança, pois figura tão somente como prestador de serviço, na simples condição de providenciar o desembaraço do contêiner na alfândega, permitindo seu desembarque, para posterior transporte as empresas contratantes.
Já no que tange ao entendimento contrário, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que o despachante aduaneiro que assina termo de responsabilidade pela devolução dos contêineres em conjunto, com a consignatária das mercadorias é solidariamente responsável pelo pagamento da demurrage, pois ao assinar os termos de responsabilidade para retorno dos contêineres vazios ao porto de descarga, a estes se obrigam em nome de sua mandante a devolvê-los dentro do prazo estabelecido, assumindo, assim, a responsabilidade por eventuais débitos incidentes e que não fossem pagos pelo cliente, o que significa uma garantia em favor da empresa, e não aos despachantes.
Desse modo, como medida de defesa, torna-se necessário que os despachantes aduaneiros não assumam nenhuma responsabilidade no termo de devolução de contêiner, devendo haver tão somente a assinatura do representante da empresa beneficiaria do negócio, pois em uma suposta interposição de ação judicial que tenha por finalidade a cobrança de valores decorrentes do atraso na devolução, os despachantes não serão parte legítimas para figurarem no polo passivo da ação, de modo que serão excluídos da lide, e consequentemente ficarão isentos de qualquer responsabilidade, que de fato, não lhes cabe.
·                    Jurisprudência STJ:
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 588.638 – SP (2014/0246475-8) RELATOR : MINISTRO MOURA RIBEIRO AGRAVANTE : SAMWILL – ASSESSORIA EM COMÉRCIO EXTERIOR LTDA ADVOGADOS : ANA LÚCIA FONSECA DENISE FABIANE MONTEIRO VALENTINI E OUTRO (S) PATRICIA OLIVEIRA DA SILVA AGRAVADO : ASIA SHIPPING TRANSPORTES INTERNACIONAIS LTDA ADVOGADO : RIVALDO SIMÕES PIMENTA E OUTRO (S) CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE TRANSPORTE MARÍTIMO. ATRASO NA DEVOLUÇÃO DOS CONTÊINERES. CULPA. DEMURRAGE. CABIMENTO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO DESPACHANTE. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS Nº 5 e 7 DO STJ. AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. DECISÃO Trata-se de agravo em recurso especial interposto por SAMWILL – ASSESSORIA EM COMÉRCIO EXTERIOR LTDA contra decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que inadmitiu seu apelo nobre sob o fundamento de ausência de demonstração da ofensa aos artigos apontados no especial e incidência da Súmula nº 7 desta Corte. Em suas razões, a agravante alega ter preenchido todos os requisitos para a interposição do recurso, sustentando que não pretende o reexame probatório. No mais, repisa os argumentos trazidos no recurso especial, acerca da inexistência de sua responsabilidade no atraso na entrega do contêiner, sendo parte ilegítima para figurar no pólo passivo da demanda. Pugna pelo afastamento da multa contratual. Apresentação de contraminuta (e-STJ, fls. 261/265). O recurso especial foi interposto com base no art. 105 III, alínea a da CF, contra acórdão assim ementado: Ação de cobrança – Sobreestadia – Despachante aduaneiro – Litigância de má-fé. 1. O despachante aduaneiro que assina termo de « responsabilidade pela devolução dos contêineres em conjunto ,com a consignatária das mercadorias é solidariamente responsável pelo pagamento da demurrage. 2. A demonstração da ocorrência de atraso na devolução de contêineres acarreta, por si só, a responsabilidade pelo pagamento das tarifas respectivas, independentemente de culpa do devedor, não constituindo excludente a atuação morosa da autoridade alfandegária na liberação da mercadoria. 3. A interposição de apelação destituída de fundamentação razoável e com intuito meramente protelatório configura litigáncia de má-fé. o Ação julgada parcialmente procedente. Negado provimento ao recurso, com aplicação de multa e indenização por litigância de má-fé. (e-STJ, fl. 161) Nas razões do recurso especial, alegou violação dos artigos 116, 393, e 408 do CC, 17, 273, § 3º, 333, I, CPC, sustentando não ser responsável pelo atraso na entrega dos contêineres, tampouco ser parte legítima para figurar no pólo passivo da demanda. Diz que a manutenção do acórdão recorrido contribui para o enriquecimento ilícito da recorrida, devendo ser afastada a multa por descumprimento contratual, bem como a multa por litigância de má-fé. É o relatório. DECIDO. O recurso não merece acolhimento. Extrai-se do acórdão recorrido: A preliminar de ilegitimidade passiva argüida pela ré, despachante aduaneira, não merece prosperar. Ao assinar os termos de responsabilidade para retorno dos contêineres vazios ao porto de descarga, a ré obrigou-se em nome de sua mandante a devolvê-los dentro do prazo estabelecido, assumindo, assim, a responsabilidade por eventuais débitos incidentes e que não fossem pagos por sua cliente, isto significando mais garantia em favor da empresa transportadora. (…) Como anotado na sentença, a ré não nega que a devolução do container ocorreu fora do prazo estabelecido e sequer alega que ela se deu em data distinta da indicada pela autora. (…) Cumpre observar que, a partir do momento em que os contêineres são desembarcados, passa a ser do importador, contratante do transporte marítimo, a obrigação de desembaraçar a mercadoria e devolver aqueles ao transportador. Para tanto, costuma-se conceder um prazo, que os costumes comerciais indicam como suficiente, denominado “free time”, em que não são cobradas tarifas pelo uso dos contêineres. No entanto, ultrapassado esse prazo sem que ocorra a devolução dos contêineres, há incidência de tarifas de sobreestadia, até que tal se opere. Por tal razão, diferentemente do quanto alegado pela ré, entende-se que a tarifa de sobreestadia possui caráter indenizatório, eis ,que remunera o proprietário pelo período em que ele não dispõe dos contêineres,. com o intuito de se evitar o enriquecimento indevido. Sendo assim, a responsabilidade pelo pagamento das tarifas de sobreestadia, em verdade, independe de culpa, somente podendo ser elidida em razão de caso fortuito ou de força maior, o que não ocorreu no caso ora sob análise. (…) Portanto, tendo em vista que o contêiner concedido pela autora somente foi devolvido 69 (sessenta e nove) dias após o (0a decurso do “free time”, o que restou incontroverso nos autos, deve a ré responder pelo pagamento do débito referente à respectiva tarifa de sobreestadia, eis que sua responsabilidade independe de culpa. (e-STJ, fls. 162/164) Verifica-se que o tribunal de origem, com base nos elementos probatórios dos autos, concluiu pela comprovação do atraso na devolução dos contêineres e pela legitimidade passiva e conseqüente responsabilidade por parte da recorrente. Caracterizado o descumprimento contratual autorizador da cobrança da sobreestadia. Isso porque, não se faz necessária a comprovação da lesão sofrida ou culpa pelo atraso na devolução do container, na medida em que a responsabilidade pelo pagamento decorre do próprio atraso na devolução do contêiner, nos termos do contrato firmado entre as partes, conforme bem frisado no acórdão recorrido. Nestes passo, para a alteração do que foi decidido, seria necessário o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, em especial a reanálise das cláusulas contratuais, o que encontra óbice no teor dos enunciados das Súmulas nº 5 e 7 desta Corte. Nesse sentido: AREsp 459922, Rel. Min, LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 26/03/2014; AREsp 607400, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, DJe 2/12/2014; REsp 1479988, Rel. Min.RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, 15/12/2014; AREsp 596769, Rel. Min. RAUL ARAÚJO, DJe 2/3/2015. Diante do exposto, conheço do presente agravo para NEGAR SEGUIMENTO ao recurso especial. Publique-se. Intimem-se. Brasília-DF, 23 de março de 2015. MINISTRO MOURA RIBEIRO Relator
CAROLINE OIOLI – Advogada associada do Fauvel e Moraes Sociedade de Advogados

Fonte: Fauvel e Moraes Sociedade de Advogados –

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