Presídios paraenses estão à mercê de organizações criminosas, admite Susipe
A população carcerária no Brasil, que é a terceira nação no mundo que mais prende, quase dobrou em dez anos: passou de 401,2 mil para 726,7 mil, de 2006 a 2016, aponta o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen). O Pará ocupa o 14º lugar no ranking nacional de maiores populações carcerárias do Brasil. Até sexta-feira passada (2), havia 17.515 detentos nas 47 unidades prisionais paraenses – que recebem, em média, cerca de 120 novos presos ao mês. Desse total, 70% são presos provisórios. Ou seja, ainda sem condenação judicial. Os demais são condenados.
Oficialmente, os presídios do Pará só têm capacidade para 9.346 presos. Ainda assim, o déficit de vagas prisionais já chega a 8.169 presos em regime de superlotação. A previsão é que, até junho de 2019, seis novas casas penais sejam concluídas, abrindo quatro mil vagas. Cada vaga custa ao mês, para o Estado, R$ 1,7 mil. Uma vaga construída custa R$ 43 mil.
A superlotação ainda é uma das principais motivações para fugas nos espaços, admite o titular da Susipe, o superintendente Michel Durans, que está há seis meses apenas à frente do órgão. Durans afirma que o Governo do Pará tem investido para contornar o problema das prisões no Estado. Para ele, os desafios de promover ressocialização, educação, saúde, infraestrutura e tecnologia dependem também da ampliação de políticas públicas e da atuação dos demais órgãos de Justiça, além da ampliação de convênios e parcerias e do apoio da sociedade em geral.
De acordo com dados da Superintendência do Sistema Penitenciário do Estado (Susipe), de 01 de janeiro até 01 de novembro deste ano, 85 fugas foram registradas, envolvendo um total de 559 presos fugitivos. Desses, 229 foram ecapturados. Em 2017, foram registradas 75 fugas, com 403 fugitivos – 169 recapturados. Este ano, houve 54 tentativas de resgate de presos. Em 2017 foram 120. Em 2018, já são 28 os presos mortos em confronto com a Polícia Militar nas unidades no Pará. Sobre esse quadro, que parece desafiar a autoridade e a capacidade de gestão e controle do sistema penal paraense, conversamos com o superintendente da Susipe. Confira:
Em geral, o Brasil trabalha com a ideia de fazer gestão prisional com interesse exclusivo na questão da segurança, uma vez que há cobrança forte da sociedade. Existem outros instrumentos que merecem também atenção nesses espaços?
Desde que assumi a Susipe, temos focado na segurança e também às questões de distensionamento do cárcere, que envolve a questão da saúde, educação prisional e atenção processual dos internos. Fizemos isso por meio das diretorias que temos no sistema, que fizeram levantamentos desses temas nas casas penais, das demandas que estavam paradas, e fizemos mutirões integrados, que continuam a acontecer e já conseguimos atender toda a Região Metropolitana de Belém (RMB). A partir dos levantamentos, atendemos as demandas que estavam paradas na saúde e conseguimos inaugurar uma unidade de saúde no Complexo de Santa Izabel. Levantamos também os interesses dos presos pela educação e conseguimos fazer muitas matrículas, inclusive para o Enem. Verificamos ainda a ressocialização e reinserção social, com lançamento do Programa Rede Social Cabana, e oportunidades para todos que escolhem pela ressocialização, que é importante para a pessoa não voltar mais para o cárcere. Além disso, o trabalho prisional com avanço de 38 convênios de trabalho prisional hoje e vamos assinar mais um.
O que a Susipe tem feito em relação à segurança nos presídios?
Renovamos contratos de bloqueadores de celular, adquirimos body scanner (scanner corporal) para as casas penais e intensificamos a segurança para que os diretores possam fazer os procedimentos. A garantia de direitos para a população carcerária é uma necessidade, e a garantia de segurança às pessoas que estão fora é também fundamental. Então, temos colocado todo tipo de tecnologia para que não haja alteração dentro do cárcere.
O que a Susipe faz para diminuir o déficit prisional no Pará?
As obras da Cadeia Pública para Jovens e Adultos, no Complexo Penitenciário de Santa Izabel, já foram concluídas e o novo presídio deve ser ativado nos próximos dias. A unidade prisional do complexo de Santa Izabel terá 603 vagas, aumentando a capacidade de custódia para 9.967. Sete novas unidades prisionais estão com obras em andamento. Elas, juntas, irão gerar mais 2.092 vagas no sistema penal paraense. Outras sete unidades prisionais aguardam licitação e deverão aumentar em 1.956 a capacidade de custódia. Mais de 4 mil novas vagas prisionais serão abertas no Estado. A previsão é de que todas as obras estejam concluídas até junho de 2019.
Como são essas novas casas penais? Elas vão ajudar a evitar as fugas?
Essas novas casas penais terão rotinas diferentes e apresentam todos os procedimentos possíveis de serem alcançados, e possibilidade quase zero de fuga, porque elas são administradas pela parte superior. Isso provocou também essa movimentação, que resultaram nas fugas que estamos vendo nos internos das casas na Região Metropolitana de Belém, onde vamos inaugurar essa unidade nova. Mas temos integração com a Polícia Militar e Civil e as inteligências dessas polícias para conter essa situação.
Além da superpopulação carcerária, quais são outras principais motivações das fugas de presos?
Temos casas penais que estão com estruturas antigas e frágeis para o atual contexto, embora estejam em reforma, como o Centro de Recuperação Penitenciário Pará I (CRPP I), localizado no Complexo Penitenciário de Santa Izabel, e o Presídio Estadual Metropolitano I (PEM I), no Complexo de Marituba, ambos na RMB. As novas casas penais vão dar solução a isso. Os presos considerados de alta periculosidade serão transferidos para essas unidades.
Essas fugas não colocam em xeque a autoridade e o poder de controle da Susipe frente às casas penais paraenses?
A questão das fugas é realidade do Brasil, e conta com outras variáveis. Hoje a Susipe tem 47 casas penais e temos uma inteligência afinada com a Polícia Militar e Polícia Civil. Infelizmente, o que chega à sociedade são as fugas que acontecem, e não o que a gente evita. Evitamos muitas coisas, de forma subterrânea. Existem questões que independem da Susipe, como os atendimentos que necessitam do Ministério Público, Defensoria Pública e do Judiciário. Elas tensionam muito o cárcere. A segurança interna é feita por agentes prisionais e as externas pela PM, que nos dá apoio grande para resguardar as casas penais.
As fugas não expõem a fragilidade desses presídios frente a cada vez mais frequentes e ousadas investidas de bandos criminosos, que resgatam companheiros nas cadeias paraenses?
O crime está organizado. Isso é fato. Quando você consegue estancar uma forma de fuga, o crime acaba se modificando e busca outras formas para que elas possam ocorrer. Como eles não estavam mais conseguindo fugir por “teresas” (cordas confeccionadas com lençóis) e túneis, eles buscam agora outros caminhos, com o apoio externo. Estamos atuando no sentido de estancar também esse modelo, e o crime vai continuar se modificando, e a gente também sempre no objetivo de bloquear a ação.
Quem são os atores responsáveis por esses resgates e quem são esses resgatados? São facções e organizações do crime?
O Pará é um reflexo do Brasil e hoje estão também no Estado o Priomeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho. As pessoas resgatadas são aquelas que têm alto poder financeiro e possuem espaço de destaque nessas organizações. Não podemos dizer quem são, para não prejudicar a investigação, mas posso dizer que estamos em processo avançado, feito em parceria com a Polícia Civil. O sistema prisional tem buscado melhorar no sentido da segurança externa. Essa é uma tônica do Brasil e, enquanto órgão de segurança pública, temos buscado cada vez mais nos fortalecer e criado integração com as Polícias Civil e Militar para isso não acontecer e enfrentarmos essa criminalidade.
A presença das facções e organizações criminosas nos cárceres dificulta o trabalho?
Sim. Essa é uma tônica no Brasil e não somente no Pará. Mas a gente precisa enfrentar tudo isso em uma sinergia entre o Sistema de Justiça (Justiça, Ministério Público e Defensoria Pública) e a sociedade, para acharmos soluções para além da construção de vagas.
O cenário de somente construir casas penais é preocupante?
A questão prisional vai para além do fato de prender e cumprir. A necessidade de se construir cada vez mais casas penais para termos vagas é uma situação preocupante. Temos observado isso nas reuniões nacionais, nos Conselhos de Justiça e de Administração Penitenciária. Pelos números no Brasil e no Pará, temos verificado que a cada três meses o Sistema de Justiça deixa para o Sistema Penal em torno de 512 internos, que é um número exponencial. Com isso, a gente para para pensar e observa que construir cadeia não é a solução, porque se não, a cada três meses precisaria construir uma casa penal com 500 vagas. Cada vaga custa ao mês para o Estado R$ 1,7 mil e uma vaga construída vale R$ 43 mil. Nos últimos anos, investimos no Pará R$ 43 milhões, sobretudo na construção de vagas. Do total, 70% são presos provisórios, ou seja, ainda sem condenação judicial e os demais são condenados. A maioria dos casos envolve roubos, tráfico de drogas e crimes patrimoniais.
Quais são as soluções?
Elas estão na possibilidade de ampliar políticas públicas, inclusive dentro dos cárceres, porque estes são espaços de políticas públicas e não simplesmente se deve focar na questão de segurança pública. A segurança é importante e precisa de investimentos sim, mas tem que vir também acompanhada de políticas públicas que atinjam o interno que está na prisão e a sua família, que está do lado de fora. Há questões hoje em que a mulher está no cárcere, o marido também e quem está cuidando da família deles é o tio, a avó e outros. Então, a família dele está em vulnerabilidade, os filhos, as crianças também, e são clientes futuros em potencial do sistema carcerário. Assim, é preciso que haja uma visão ampla do processo, em que todos assumam sua responsabilidade, saiam das suas caixinhas de gestão, para que possamos discutir juntos, e afastando todos os sentimentos que não possam dar solução para essa causa.
Se a sociedade não colaborar com esse processo, o que pode ocorrer?
Se a sociedade continuar permeando esse discurso de ódio, isso certamente vai se reverter contra ela própria, porque é a teoria do muro. Ou seja, você vai se cercar de muro, segurança, monitoramento eletrônico e outros na sua casa, mas vai precisar viver em sociedade, vai precisar passear, ir ao supermercado e outros espaços, e o problema vai estar lá. Precisamos, sobretudo, colocar esse problema para a sociedade também nos ajudar, dando uma chance à reinserção dos presos.
Algumas pessoas defendem que as cadeias devem ser espaços de depósito de pessoas que cometeram crimes, como forma de punição para o que fizeram. Como você vê isso?
Essas pessoas precisam ser olhadas por todos os órgãos que têm responsabilidade sobre elas e têm que ser punidas. Não estou criando discurso de punição mínima. Elas precisam ser punidas, responder e cumprir rigorosamente pelos crimes. Os deveres. É necessário que isso seja feito, mas com a garantia de direitos ao caso. Para evitar tudo isso, temos que implementar cada vez mais políticas públicas de prevenção para que as pessoas não cheguem ao espaço carcerário.
Como você espera que seja feita a transição para o próximo de governo no Pará?
A ideia é que a transição seja a mais transparente possível. Vamos deixar o que construímos e o que pensamos. Conseguimos avançar, precisamos concluir e entregar as cinco novas casas penais até o final deste ano, em Redenção, Parauapebas, Abaetetuba, Santa Izabel e Tomé-Açu. Das 47 que contamos, 15 possuem nova estrutura. Já as que ainda estão em construção precisam ser continuadas. Além da manutenção da tecnologia, que já temos, como bloqueadores, body scanner, raio-x. Além do que deixamos no sentido de humanização, sobretudo, na saúde e na reinserção social.
Fonte: ORM