Jatene torra R$500 milhões só em gastos com gabinete
Segundo o Balanço Geral do Estado, entre janeiro de 2011 e o final de 2018, Jatene gastou quase R$440 milhões com as casas Civil e Militar (Foto: Ricardo Amanajás/Diário do Pará)
Caso se confirme a previsão do Orçamento Geral do Estado (OGE) de 2018, o governador Simão Jatene encerrará esses seus dois mandatos consecutivos com um “feito” impressionante: até o final deste ano, ele terá torrado mais de meio bilhão de reais com o seu Gabinete de trabalho. Será o encerramento com “chave de ouro” de um governo que gasta apenas 70 centavos por dia com a saúde de cada paraense, mas que, só no ano passado, torrou mais de R$ 171 mil por dia apenas com as casas Civil e Militar.
Os dois órgãos formam o núcleo do Gabinete e só existem para atender às necessidades do governador: seu conforto, segurança, saúde, alimentação, lazer, além, é claro, de assessorá-lo durante o expediente. A montanha de dinheiro que consome inclui as viagens de sonho realizadas por Jatene; os banquetes que saboreou, além de mais de 900 funcionários, na maioria assessores.
Segundo o Balanço Geral do Estado (BGE), entre janeiro de 2011 e o final do ano passado, Jatene gastou quase R$ 440 milhões com as casas Civil e Militar, em valores atualizados pelo IPCA-E de setembro. No entanto, a previsão do OGE é de um gasto de mais de R$ 60 milhões neste ano. A maior parte do dinheiro já torrado (cerca de 70%) foi destinada ao pagamento dos funcionários desses dois órgãos.
O mais inchado é a Casa Civil, que possuía, até o mês passado, 733 servidores, além de 7 secretários extraordinários e regionais, um ouvidor e 20 estagiários. É quatro vezes mais que os 179 funcionários da Casa Civil do Governo de São Paulo, o Estado mais rico e populoso do Brasil. E lá, diz o portal da Transparência, o governador possui apenas 3 assessores especiais. Já o governador Simão Jatene tem um batalhão de 450 assessores especiais e de Gabinete, todos abrigados na Casa Civil. E olhe que a Casa Civil já possui outros 66 assessores técnicos e “comuns”, digamos assim, além desse especialíssimo batalhão.
A lei que limitou a quantidade desses assessores especiais e de gabinete foi assinada por Jatene, em 2011, após um escândalo nacional que envolveu até a Seccional paraense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). É que esses assessores, que chegaram a ser mais de mil, incluíam parentes de magistrados, de conselheiros dos tribunais de contas, de deputados, ou seja, de integrantes de instituições que devem fiscalizar o governo.
A lei assinada por Jatene, para limitar a 500 os assessores especiais e de gabinete, foi um avanço. Mas o fato é que os problemas continuam, até porque não há qualquer critério para o preenchimento da maioria desses cargos.
E mais: falta transparência quanto aos locais de trabalho dessas pessoas, já que os demonstrativos de remuneração do Governo não trazem informações sobre onde elas estão lotadas (e embora a lei determine que estejam espalhadas por diversos órgãos). O fato levanta a suspeita de que integrantes desse batalhão sejam funcionários-fantasmas, ou ocupantes de sinecuras. Além disso, fica a pergunta: para que, afinal, o governador do Pará precisa de 500 assessores especiais e de gabinete, quando o governador de São Paulo se vira com apenas 3 assessores especiais?
PARENTES
Entre os assessores especiais e de gabinete de Jatene continuam a existir parentes de magistrados, de deputados e de conselheiros dos tribunais de Contas. Há, também, ex-prefeitos e outros políticos derrotados nas urnas, e até gente condenada a devolver dinheiro aos cofres públicos.
O ex-prefeito de Trairão, Ademar Bau (PSDB), por exemplo, é assessor especial I de Jatene, ganha R$ 3.603,93 brutos, mas está condenado, pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), a devolver mais de R$ 3,3 milhões ao erário (ele também está na lista de inelegíveis do Tribunal de Contas da União/TCU). Já o ex-prefeito de Portel Elquias Nunes da Silva Monteiro (PSDB), também assessor especial I e com salário base de R$ 4.633,62, está condenado pelo TCE a devolver quase R$ 4,2 milhões.
No entanto, o caso mais impressionante é do arquiteto Paulo Elcídio Chaves Nogueira, que é assessor especial III e tem um salário bruto de R$ 6.435,72: ele e 10 construtoras foram condenados pelo TCU a devolver R$ 117 milhões aos cofres públicos, devido a irregularidades no projeto Alvorada, como você leu no DIÁRIO de 24/06/2018. Elcídio foi secretário de Desenvolvimento Urbano e Regional de Jatene e presidente do PSDB do Pará.
Desses R$ 117 milhões, quase R$ 64 milhões terão de ser pagos por ele, e o restante solidariamente com as construtoras. O Alvorada, que foi um dos maiores escândalos do Pará, deixou mais de 100 obras de saneamento inacabadas, em vários municípios.
Custos com Gabinete superam investimentos em áreas da segurança
Em 29 de abril deste ano, o DIÁRIO revelou um fato chocante: entre 2011 e o final do ano passado, os gastos de Jatene com o seu Gabinete já superavam tudo o que ele havia investido, no mesmo período, na compra de equipamentos para todos os órgãos de segurança: apenas R$ 293,9 milhões, em valores atualizados pelo IPCA-E de dezembro.
Em outras palavras: o governador torrou mais dinheiro em viagens, banquetes, pagamento de assessores, cafezinho e ar condicionado do que investiu na compra de veículos, embarcações, armas e coletes à prova de balas para as polícias civil e militar.
O mesmo vale para os investimentos na construção e reforma de todos os prédios dos órgãos de Segurança (delegacias de polícia, quartéis, penitenciárias), que ficaram em pouco mais de R$ 200 milhões.
ALGUNS ASSESSORES DE JATENE
Entre os deputados que possuem pelo menos um parente na assessoria de Jatene está a deputada Cilene Couto (PSDB), filha do ex-senador Mário Couto. Um dos irmãos dela (Mário Augusto Lisboa Couto) é assessor especial II e recebe R$ 5.363,26 brutos por mês (até abril do ano passado, a filha dela, Juliana, também era assessora especial do governador).
Outro assessor especial II, que ganha brutos R$ 6.538,08, é Adelino Carvalho Monteiro, marido da secretária estadual de Administração, Alice Viana Monteiro.
Outra assessora especial II, a dona de casa Maria Alcídia Bastos Freire, recebe R$ 5.618,66 brutos e é mulher do ex-prefeito tucano de Ipixuna do Pará, José Orlando Freire (ele foi condenado pelo TCE a devolver mais de R$ 130 mil ao erário).
Já Zinda Lobato Nunes, que é assessora especial III, ganha R$ 7.048,65 brutos e é mulher do ex-deputado estadual Hildegardo Nunes, hoje secretário extraordinário de Jatene e lotado na Casa Civil.
Dos 450 assessores especiais e de gabinete de Jatene apenas 38 (8,44%) possuem vínculo com o serviço público – ou seja, são estáveis ou fizeram concurso público. Na Casa Civil, considerados apenas os seus 283 funcionários “normais”, digamos assim, esse índice é bem maior, embora ainda deixe a desejar: 31,44% dos servidores possuem vínculo.
Filha de Jatene já recebeu quase R$ 1 milhão
Entre os 5 secretários extraordinários de Jatene lotados na Casa Civil está a filha mais velha dele, Izabela Jatene de Souza. Ela é secretária de Municípios Sustentáveis, uma secretaria sem dinheiro, prédio, móveis ou funcionários próprios e que ninguém sabe exatamente o que faz. No entanto, o salário dela é de R$ 23.676,30 brutos por mês, o que supera até a remuneração do governador de São Paulo, Márcio França, que ganha R$ 22.388,14 brutos. Izabela foi nomeada para essa secretaria em abril de 2017.
SECRETÁRIA
Antes, era secretária extraordinária de Políticas Sociais, cargo para o qual fora guindada em março de 2015 e pelo qual recebia R$ 21.523,91 brutos. Isso significa que, nesses 44 meses, a filha do governador já recebeu dos cofres públicos, até o mês passado, pelo menos R$ 924 mil brutos, considerando remuneração média de R$ 21 mil, sem o 13º.
Em 2011, em um telefonema interceptado pela polícia (e cuja gravação vazou para a imprensa em 2014) Izabela foi flagrada pedindo ao então subsecretário estadual da Fazenda, Nilo Noronha, a lista das 300 maiores empresas do Pará, “pra começar a ir buscar esse dinheirinho deles, né?”. Na época, ela era coordenadora do Propaz.
Fonte: Ana Célia Pinheiro/Diário do Pará