Só 43% dos fiscais ambientais da União atuam na função e agravam déficit na vigilância

Os dois principais institutos federais responsáveis por averiguar o cumprimento das regras ambientais no Brasil, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO), convivem com um déficit de fiscais. Dos 3.090 servidores do Ibama, 780 são fiscais, mas 43% deles estão deslocados para outras áreas diversas. Nos cálculos de funcionários do órgão, há apenas 450 prontos para atuarem em sua atividade fim. Além disso, há cerca de 2.000 cargos variados que não foram preenchidos. Enquanto isso, no ICMBIO, o deslocamento de fiscais é ainda maior. Dos 939 nomeados, apenas 300 atuam diretamente na função. A razão é que há 1.247 cargos vagos no órgão. Sem previsão de novos concursos públicos, a expectativa é que o cenário não mude a curto prazo, apesar de tragédias como a de Brumadinho.

A grosso modo, o Ibama é responsável por conceder o licenciamento e fiscalizar os empreendimentos que atingem dois ou mais Estados. Enquanto que o ICMBIO tem como foco as unidades de conservação e parques nacionais, além de áreas da floresta Amazônica.

O quadro preocupa especialistas e ambientalistas num panorama em que o Governo Jair Bolsonaro (PSL) não demonstra intenção até agora de revisar uma de suas principais propostas de campanha, a de flexibilizar o licenciamento ambiental. Desde a sexta-feira passada – quando uma barragem de rejeitos da mineradora Vale se rompeu e resultou na morte de ao menos 84 pessoas – o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem deixado claro que a proposta segue na pauta de sua gestão.

Em uma entrevista a Globo News, por exemplo, Salles ressaltou que pretende deslocar servidores que hoje cuidam da fiscalização de empreendimentos de baixa complexidade para os de média e grande – aqui estariam incluídas as mineradoras, as hidrelétricas, indústrias de maneira geral e obras viárias. A ideia é que haja uma espécie de autolicenciamento das empresas ou uma simplificação do atual processo. “Não se pode confundir foco e eficiência com flexibilização”, afirmou o ministro à emissora de TV. Procurado pelo EL PAÍS, ele não respondeu aos questionamentos enviados a sua assessoria por e-mail nem atendeu aos telefonemas feitos pela reportagem. Essa fiscalização mais qualificada almejada por Salles, contudo, necessitaria do remanejamento de um quadro de funcionários indisponível atualmente.

Além disso, especialistas e ambientalistas repetem que as alterações nas regras ambientais propostas podem implicar em novos desastres como os de Brumadinho e o de Mariana, este ocorrido em 2015. “O setor produtivo entende o licenciamento como se fosse apenas uma burocracia, como se fosse um papel que deveria só ser carimbado. Mas não é isso. Ele analisa impactos e riscos. É um trabalho técnico”, afirmou o presidente da Associação dos Servidores da Carreira de Especialistas em Meio Ambiente (Asibama), Alexandre Bahia Gontijo.

“O que se pretende, de fato, é mexer no coração do arcabouço legal de proteção de nossas florestas e biomas. É um passo para que muitos outros desastres, como o de Brumadinho, possam ocorrer”, diz a porta-voz do Greenpeace Brasil, Adriana Caroux. Na prática, quando se trata de autolicenciamento ou autodeclaração o Governo pretende reduzir o tempo que um empreendimento fica autorizado a passar a funcionar. Consecutivamente, reduz o sistema trifásico, onde se exigem relatórios e estudos de impacto ambientais, para simples declarações que poderiam ser feitas em um cartório, praticamente. Seria um processo fast track.

Projetos no Congresso

O lobby e a influência do grande empresariado é antigo. Há pelo menos 15 anos o assunto é discutido entre deputados e senadores. As mudanças ganharam força desde a última campanha eleitoral quando confederações nacionais da indústria e da agricultura, empreiteiros e lobistas apresentaram suas sugestões aos candidatos. E quem “comprou” algumas dessas ideias foi eleito presidente.

Hoje, há pelo menos quatro projetos que tramitam no Legislativo que tocam nesse tema. E a tendência é que o Governo não apresente uma nova proposta, mas escolha uma das que já estão em estágio avançado de discussão para apoiar e inserir emendas que atendam aos seus interesses. Os dois principais e que têm mais chances de serem votados são: o PL 3729, de 2004, que está na Câmara dos Deputados, e o PLS 168 de 2018, que está no Senado. O segundo é quase que uma cópia do primeiro. Em síntese essas propostas preveem a dispensa de licenciamento para toda e qualquer atividade agrícola, de pecuária extensiva e de silvicultura, assim como para execução de infraestrutura e instalações necessárias ao abastecimento público de água, execução de dragagens e outras atividades destinadas à manutenção de hidrovias e portos. Também facilita o licenciamento para pesquisa mineral e para obras rodoviárias e ferroviárias.

As outras propostas são a PEC 65, de 2012, e o PLS 654, de 2015. Ambas estão no Senado Federal, sem previsão para serem votadas. A primeira prevê que uma obra uma vez iniciada, após a concessão da licença ambiental e demais exigências legais, não poderá ser suspensa ou cancelada. A segunda vai além, cria uma licença ambiental especial na qual o Governo determinaria por decreto quais os empreendimentos específicos estariam abrangidos por ela. Ou seja, se determinar que uma hidrelétrica que geraria impactos ambientais em dois Estados estivesse dentro deste guarda-chuva, o licenciamento dela seria mais célere. O autor desta proposta, o senador Romero Jucá (MDB-RR), a justificou como uma tentativa de acelerar o crescimento do país.

Lobby de mineradoras

No texto de Jucá apresentado aos seus pares, chama a atenção a seguinte afirmação: “O licenciamento ambiental é considerado o vilão do atraso dos investimentos que tanto necessita o país”. Conforme o parlamentar, o objetivo é alterar “o foco no monitoramento do impacto ambiental dos empreendimentos licenciados, voltando-se a uma gestão pelo resultado, com ganhos para o setor produtivo e para a sociedade”.

Para ajudar nesse trabalho de convencimento dos congressistas para alterarem as regras ambientais, Bolsonaro escalou para sua equipe um conhecido defensor dos interesses das mineradoras no Congresso Nacional: Leonardo Quintão, deputado federal do MDB de Minas Gerais que não foi reeleito e a partir da próxima semana será o articulador político da Casa Civil junto ao Senado Federal. Quintão foi o deputado responsável por afrouxar o poder de fiscalização que a Agência Nacional de Mineração (ANM).

O jornal Valor Econômico revelou na edição desta terça-feira que o parlamentar foi o responsável por retirar da medida provisória que criou a ANM dois os artigos essenciais para a fiscalização. Um que previa que a nova agência pudesse credenciar empresas e técnicos para emitirem laudos sobre a segurança e estabilidade das barragens, como forma de superar a falta de pessoal e verbas para fiscalização, e outro que a criava uma taxa que financiaria as atividades do órgão exatamente nessa área.

Com a retomada dos trabalhos legislativos na próxima sexta-feira e as consequentes eleições para os comandos das duas Casas será possível aferir quais as chances dos projetos que são defendidos pela gestão Bolsonaro avançarem.

Fonte: El Pais Brasil / Afonso Benites

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