Com crise econômica e pouco orçamento, tributação de fortunas ganha força
Sem margem para corte de despesas e orçamento comprometido com gastos obrigatórios, a taxação dos mais ricos passou a ser demanda de partidos dos mais diferentes espectros. O imposto é previsto na Constituição e poderia ajudar no combate à covid-19.
A criação de um imposto sobre a fortuna de milionários, patrimônio hoje livre de cobranças, voltou à tona, diante da necessidade de arcar com gastos emergenciais decorrentes da crise do novo coronavírus. A contribuição de quem mais tem dinheiro e bens disponíveis é uma das opções estudadas no Congresso para reduzir o deficit bilionário que, inevitavelmente, resultará da pandemia. A resistência, no entanto, é grande. Até agora, nenhuma proposta com foco nos mais ricos conseguiu chegar ao plenário.
Em nenhum outro momento, desde 1988, a taxação de milionários foi tema de tantas propostas no Congresso, apesar de o imposto sobre grandes fortunas estar previsto na Constituição desde que ela foi promulgada. Em 2020, deputados e senadores apresentaram, pelo menos, 10 projetos para cobrir a lacuna. Somados aos que tratam de empréstimos compulsórios de empresas bilionárias, são mais de 15. Mas, até agora, nenhum foi pautado no plenário da Câmara ou no do Senado.
Sem margem para corte de despesas e orçamento praticamente todo comprometido com gastos obrigatórios, a taxação de grandes fortunas passou a ser demanda de partidos dos mais diferentes espectros. A pauta não é mais exclusividade de legendas da esquerda, como PSol e PT. Conta, agora, com defensores de siglas que costumam estar do outro lado da arena em assuntos econômicos, como PSL e PSDB.
Cobrança temporária
A resistência de banqueiros e grandes empresários é forte, assim como a influência deles no Congresso, dizem parlamentares envolvidos na discussão. “O lobby do sistema financeiro é imenso”, critica o senador Major Olímpio (PSL-SP), relator de uma das propostas em estágio mais avançado no Senado, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 183/2019. De autoria do senador Plínio Valério (PSDB-AM), o texto prevê taxação de quem tem patrimônio acima de R$ 28,5 milhões, com alíquotas progressivas, de 0,5% a 1%.
Para facilitar a aprovação, Olímpio estabeleceu, no parecer, que a cobrança seria temporária, em vez de permanente. Duraria dois anos, para cobrir gastos decorrentes da pandemia. Os recursos iriam para saúde, Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e combate à erradicação da pobreza. Mesmo com prazo e destinação definidos, a proposta empacou no Senado. “Não houve entusiasmo da maioria dos líderes sequer para discutir”, lamenta o relator.
Além do lobby dos milionários, Olímpio, ex-aliado do presidente Jair Bolsonaro, conta que sofreu ataques de grupos bolsonaristas. “Já me chamaram até de socialista disfarçado. Todos os absurdos possíveis, seguindo o pensamento do Planalto, para tentar justificar o lobby daqueles que têm condições de contribuir, mas não querem”, aponta. O resultado, segundo ele, é de que quem é a favor da proposta fica com medo de se posicionar, enquanto os contrários “se escoram nas reações das redes sociais”.
Opinião pública
Consulta feita pelo Instituto de Pesquisa DataSenado sobre o combate ao coronavírus, em abril, mostra que oito em cada 10 brasileiros são a favor da taxação de grandes fortunas. A cobrança foi defendida, pontualmente, em algumas das manifestações antirracistas e antifascistas das últimas semanas.
A Central Única dos Trabalhadores (CUT) afirmou que vai intensificar a articulação em prol da taxação das grandes fortunas junto ao Instituto Justiça Fiscal (IJF), com o Sindicato de Auditores Fiscais Federais, entidades e movimentos “que possam agregar conteúdo e força política, capacidade de mobilização e engajamento social e popular”.
O economista Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do Banco Central, cita alguns pontos que o levam a ser contra a ideia. Cético quanto à temporalidade do imposto, ele afirma que tributar grandes fortunas “não parece um caminho para solucionar o problema” e questiona a definição de “milionário”. “Pelo que vejo nas discussões, grande fortuna é todo patrimônio que é maior do que o meu. Muita gente vai raciocinar assim”, observa.
Mas, a principal justificativa usada por quem é contra o imposto, inclusive Freitas, é a fuga de capital. O argumento de que os mais ricos preferem sair do país a contribuir, na visão da deputada Erika Kokay (PT-DF), contudo, “é cruel”. Ela é uma das autoras do projeto mais recente apresentado no Congresso sobre o tema, em 11 de maio, o PLP 123/2020. Assinado com outros oito deputados do PT, o texto tenta ser uma síntese dos outros: prevê alíquota de 2% para quem tem mais de R$ 50 milhões.
Para Kokay, será “um avanço” se a proposta temporária for aprovada, mas o ideal é discutir medidas estruturantes, em uma reforma tributária que combata a regressividade do sistema — ou seja, o fato de que, no Brasil, os mais pobres pagam, proporcionalmente, mais impostos que os mais ricos. “O lobby contrário é muito grande, ainda significativo nas relações parlamentares. Mas a discussão está mais favorecida no momento, porque a crise evidenciou problemas sociais que já existiam. Sentimos mais apoio do que antes”, diz a deputada.
Nos últimos meses, parlamentares também voltaram a conversar sobre propostas apresentadas há anos, como o Projeto de Lei Complementar (PLP) 277/2008, que já passou por comissões e está pronto para ser pautado no plenário há quase uma década. O texto prevê alíquotas entre 1% e 5%, mas o valor de corte para definir quem precisaria pagar teria de ser atualizado.
Fonte: Correio Braziliense