‘Legítima defesa da honra’ será proibida em casos de feminicídio

O uso da tese “legítima defesa da honra” será proibido em julgamentos de feminicídio em tribunais do júri. Esse foi o entendimento dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Todos votaram para proibir o uso do argumento por entenderem se tratar de uma violação da dignidade humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero.

O relator do processo, ministro Dias Toffoli, havia decidido provisoriamente, em 26 de fevereiro, que o recurso é inconstitucional, por considerá-lo “odioso, desumano e cruel”. O magistrado também apontou que o uso da tese pela defesa em tribunais de júri perpetuava a violência contra a mulher.

“A chamada ‘legítima defesa da honra’ corresponde, na realidade, a recurso argumentativo/retórico odioso, desumano e cruel utilizado pelas defesas de acusados de feminicídio ou agressões contra mulher para imputar às vítimas a causa de suas próprias mortes ou lesões, contribuindo imensamente para a naturalização e a perpetuação da cultura de violência contra as mulheres no Brasil”, escreveu o magistrado em decisão.

O ministro também pontuou que a traição é passível de ser cometida tanto por homens quanto por mulheres, e, por isso, seria inconstitucional ter um direito subjetivo. Em voto, o ministro Gilmar Mendes solicitou que o uso do argumento também seja proibido para acusação. Toffoli aceitou a proposta.

A ação

A ação foi protocolada no Supremo pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) em janeiro. A advogada criminalista Soraia Mendes, que fez parte da revisão do texto, avalia que a decisão do STF vai contribuir com a garantia dos direitos das mulheres. “É cautelar ter uma tese desse tipo, que atenta que não seja admissível ir contra o direito à vida e memória das mulheres. É um avanço diretamente relacionado a uma cultura jurídica de posse e chancelamento da posse, que o homem acha ter da mulher”, disse.

Soraia Mendes também ressalta que, mesmo a “defesa da honra” ter sido uma lei do século 19 e não fazer parte da Constituição, a tese ainda costumava ser levada pela defesa de réus a tribunais do júri — formados por cidadãos comuns, sem entendimento jurídico. Como no caso do julgamento da morte da socialite Ângela Diniz, cometido por Doca Street (veja abaixo).

“É um divisor de águas, porque há uma cultura de ódio e de poder sobre a vida e morte de mulheres. Trata-se de algo histórico. O relator era contra a tese, mudou de opinião, deferiu a liminar e agora foi referendada pelo Supremo. É um ganho grande para as mulheres e todas do barco das ditas minorias: mulheres, negras, transsexuais, travestis. A decisão tem uma dimensão muito importante”, afirma Soraia Mendes.

Caso Ângela Diniz

Há 44 anos, a socialite mineira Ângela Diniz foi morta por Raul Fernando do Amaral Street, conhecido por Doca Street. Ela havia decidido terminar o relacionamento com Doca. Inconformado, ele a matou com tiros contra o rosto.

O julgamento do caso ocorreu em 1979, e a defesa do réu utilizou a tese de “legítima defesa da honra”. Declarando ao júri que Ângela Diniz era uma “mulher fatal”, que poderia levar qualquer homem à loucura. Ele recebeu uma sentença branda, de dois anos de prisão, para responder em liberdade.

Com protestos contrários à sentença, Doca Street foi julgado novamente em 1981, quando foi condenado a 15 anos de prisão. Ele cumpriu quatro anos em regime fechado, quando pôde ir para o semiaberto. Foi solto em 1987.

Fonte: Correio Brasiliense

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