O dilema Tostines: Moro já era suspeito! Por isso, foi incompetente!

Por Lenio Luiz Streck, Marco Aurélio de Carvalho e Fabiano Silva dos Santos

A leitura deste texto vai explicar o título. Afinal, é dilema ou paradoxo? Convidamos o leitor para tal.

Há muito tempo havia uma propaganda que ficou conhecida, popularmente, como “o dilema Tostines”, uma tautologia bem construída para vender biscoitos: Tostines vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais? Na verdade, tratava-se do “paradoxo Tostines”, porque o dilema comporta uma escolha, mas o paradoxo não. Um dilema sempre oferece uma saída; diferentemente do paradoxo.

Daí a pergunta: a questão da prevalência da incompetência ou da suspeição (uma sobre a outra) de Moro no caso dos habeas corpus do ex-Presidente Lula é um dilema ou um paradoxo? Temos uma saída?

Afinal, Moro era suspeito porque já se sabia incompetente ou, por ser suspeito, não se declarou incompetente? Eis o dilema que explicaremos. Sim, dilema. Pois, diferentemente do paradoxo Tostines, aqui, há uma solução.

Evidências científicas: há três anos a defesa sustentava a incompetência. Essa era uma posição pacifica no STF (Fachin confirmou isso recentemente). Moro sabia que não tinha competência. O MPF sabia. Logo, havia um juízo incompetente que tinha como condutor um juiz suspeito. Isto é: só um juiz suspeito para não reconhecer o óbvio. Porque já se sabia que se sabia.

E por que ele era suspeito? Simples: Porque era incompetente. Mas por que, em sendo incompetente, assim não se declarava? Aí é que está: Por causa de sua suspeição-parcialidade. Ou ser incompetente, saber-se incompetente, não se declarar incompetente não é já ser parcial-suspeito?

Causa finita? Sim. Todavia, surge um problema. É que, induvidosamente, o min. Fachin declarou monocraticamente a incompetência apostando — estrategicamente — que a suspeição fosse ceder a um argumento maior, o da incompetência. Entregou um cavalo para ficar com o bispo.

O STF dia 14 terá de dizer o que é mais grave, a suspeição ou a incompetência. O que vem antes? É mais grave um juiz ser suspeito ou ele decidir mesmo sendo incompetente?

Não há registro na história da jurisprudência pátria a hipótese de um juiz ser, ao mesmo tempo, suspeito e incompetente. Nunca um juiz reuniu, em um só corpo, essas duas “qualidades”. Nem nos exemplos de livros de processo alguém aventou essa hipótese.

Em face do inusitado, cabe a pergunta: esses dois elementos processuais — incompetência e suspeição — são estanques? Não se comunicam? Porque, ora, não se trata de um “paradoxo de mais ou menos gravidade”: o juiz incompetente decidiu enquanto incompetente porque juiz suspeito-parcial, sabendo-se incompetente e decidindo ainda assim. Teria havido, durante mais de três anos algo como “os dois corpos de Moro”, parafraseando a estratégia que vem desde Henrique VII (1495) de que o rei tinha dois corpos — e tão bem contada por Kantorowicz?

Isto é: o corpo 1, do Moro suspeito, não falava com o corpo 2, Moro incompetente? Ou o corpo 2 do Moro incompetente não sabia nada sobre a suspeição do corpo do Moro 2? Eis o dilema. E não um paradoxo.

Embora o paradoxo Tostines não tenha solução, no caso dos “dois corpos de Moro” há, sim, uma escolha e uma resposta — porque se trata de um dilema e é até fácil de explicar. Assim:

  1. pela vontade de julgar o réu, parece evidente que a suspeição antecedeu à incompetência.
  2. Juridicamente, no mundo dos fatos, a questão da territorialidade sempre existiu.
  3. Na verdade, juízo incompetente é como uma espécie de “fato bruto” — à espera da imputação (fato institucional).
  4. No exato momento em que Moro recebe a denúncia, ele o fez porque era suspeito. Os dois corpos, digamos assim, sempre se comunicaram!

Para sermos mais claros e responder ao “dilema Moro”: se não fosse suspeito, teria reconhecido a incompetência do juízo.

Dito de outro modo: sabendo-se incompetente, porque suspeito, Moro não reconheceu a própria incompetência. Ou não? Felizmente, prevaleceu a lei: Moro é incompetente e é suspeito, e uma coisa não se separa da outra, muito menos anula. Juiz incompetente e suspeito, declarado incompetente, deixa de ser suspeito? A resposta parece evidente.

Moro disse, “declamando” Édith Piaf: Je ne regrette rien (não me arrependo de nada). Acreditamos. Mesmo! Mas talvez fosse melhor, em vez de “Piá” (sic), lembrar Octave Mannoni. Porque a psicanálise sempre ajuda. “Je sais bien, mais quand même”. Eu sei bem, mas mesmo assim. Explicamos: em um ensaio célebre, o psicanalista francês fala sobre a paradoxal (e vejam como os paradoxos sempre aparecem…!) negação dos constrangimentos mesmo quando estes são reconhecidos. “Uma crença pode ser mantida e abandonada ao mesmo tempo”, diz Mannoni. Pois é. Moro sabia bem que não podia. É claro que sabia. Mas mesmo assim… E esse é o busílis.

O paradoxo Tostines pode não ter resposta. Já o “Dilema Moro” tem. Simples assim. Ou seja, diante da pergunta

“Moro é suspeito porque é incompetente ou é incompetente porque é suspeito?”,

A resposta correta é:

Moro foi incompetente porque foi suspeito.

Logo, sendo a suspeição algo personalíssimo, subjetivo, precede à incompetência. Despiciendo registrar e lembrar que o caso da suspeição já está julgado. No foro competente. A 2ª turma. O Plenário não é instância recursal. O Regimento Interno tem de ser, sempre, interpretado de acordo com o CPC e a CF. E não o contrário.

Numa palavra final. São vários os dilemas que surgem no nosso direito. Agora, diante da entrevista de Fachin (revista Veja) de que pretende fazer com que o plenário do STF considere a suspeição prejudicada, podemos perceber ainda outro dilema: Fachin declarou a incompetência para salvar o juiz da suspeição ou pode acabar salvando o juiz da suspeição porque declarou a incompetência?

Bem, deixamos a resposta do dilema ao leitor — e, institucionalmente, à nossa Suprema Corte. De nossa parte, é certo, podemos dizer: não é um paradoxo.

Embora seja paradoxal em se tratando de direito. Que não deveria ser assim.

Post scriptum:

Os três signatários fazem parte do Grupo Prerrogativas. O grupo jamais, em circunstância alguma, pressionou qualquer ministro do STF.
Ao contrário. Sempre foi e será um Amicus da Corte.
Mas não se furtará, evidentemente, de denunciar estratégias processuais e interpretações regimentais heterodoxas para que determinado e específico objetivo seja atingido.
Como dissemos, e aqui reiteramos, eleições devem sim ser disputadas nas urnas.
Com o voto popular e sem malabarismos!!!
Simples assim.

 é jurista, professor de Direito Constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do escritório Streck e Trindade Advogados Associados: www.streckadvogados.com.br.

 é advogado especializado em Direito Público e integrante do Grupo Prerrogativas.

 é advogado, mestre e doutorando em Direito Previdenciário pela PUC-SP.

Fonte: Revista Consultor Jurídico

 

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