Série especial “lições da pandemia” – com Professor Anselmo Colares
O Impacto continua dando sequência à série especial “lições da pandemia”, na qual traz a opinião de representantes de importantes setores santarenos sobre o período em que a população do Brasil e do mundo tem convivido com a covid-19. Foram muitas mudanças e muitas vidas impactadas até aqui, desse modo cada pessoa tem uma visão e um aprendizado diferentes em relação a esse momento. Assim, continuamos a pensar sobre quais lições foram possíveis aprender através dessa pandemia e sobre o que levaremos para o futuro após passarmos por essa experiência. Nesse segundo episódio, conversamos com o Professor Titular da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) lotado no Instituto de Ciências da Educação (ICED), Anselmo Colares, que traz a sua visão analítica e também pessoal sobre como a educação escolar e os que participam dela foram e estão sendo afetados pelas medidas de contenção acionadas pelos setores governamentais para conter a disseminação do novo coronavírus.
Sobre os impactos da pandemia na educação geral de Santarém, Anselmo Colares declarou que este é um tema relevante a ser abordado. Para ele, “educação é uma palavra que acomoda muitas coisas e por isso possibilita várias interpretações”. Desse modo ele se restringe a falar a respeito da educação escolar, “que se tornou a forma principal que as sociedades, desde o advento da modernidade, usam para o repasse, transmissão e produção de novos conhecimentos, além da inserção das pessoas nos processos de cidadania, na constituição dos modernos sistemas de governos, nas repúblicas e no estabelecimento da democracia. E dentro da educação escolar temos a rede pública e a rede privada, ambas divididas em dois grandes níveis, que são educação básica e o ensino superior. A educação básica é subdivida em educação infantil, ensino fundamental e ensino médio, e no ensino superior há a graduação e a pós-graduação nas formas de lato sensu e stricto sensu. Portanto, é uma coisa muito complexa. Falar dos impactos da pandemia na educação geral em Santarém implicaria em analisar tudo isso, uma vez que em Santarém nós temos desde a educação infantil até o doutorado, e hoje essa pandemia afeta a rede pública e privada em todos os níveis, gerando impactos muito diferenciados. Mas para facilitar o entendimento digo que os mais afetados estão sendo os mais pobres, em qualquer nível e qualquer modalidade de educação em que estejam. Assim, fazendo o comparativo das questões posso afirmar que a pandemia praticamente não trouxe novos problemas para a educação. No geral ela apenas amplificou de forma veloz, intensa e drástica os problemas que já estavam postos e que já existiam na educação presencial. O maior deles, sem dúvida, é o problema cuja base é a desigualdade de condições para que ocorra a aprendizagem”, pontua.
O professor explica que quando cita o problema da aprendizagem não está falando que a questão está nos alunos, nem também no ensino ou nos professores. “Quando digo ‘problemas nas condições de aprendizagem’ destaco as desigualdades sociais, que são a base que precisamos para compreender os problemas educacionais, seja antes, seja durante, ou após a pandemia. Assim, os impactos da pandemia na educação de Santarém podem ser vistos em todos os níveis e modalidades, seja na rede pública ou privada, causando e ampliando as questões relativas ao modo de como ensinar, ao aprendizado e principalmente gerando muita angústia aos professores sobre como dar conta dessas questões que muitas vezes precisam assumir frente essa busca de solução, arcando com as despesas, buscando comprar algum equipamento, contratar algum serviço melhor de internet, assim como também as famílias que tentam de alguma maneira propiciar isso aos filhos. Em relação àquelas famílias que antes já não ligavam e nunca iam às escolas para ver como é que estava o andamento da educação, dificilmente uma família dessas, agora com o ensino remoto, vai dar o devido acompanhamento à criança. Então a pandemia, a meu ver, não trouxe problemas novos, o que ela fez foi amplificar os já existentes”, opinou o docente.
Sobre as lições aprendidas em relação a esses impactos causados pela pandemia na educação, o professor Anselmo Colares respondeu que “as lições que foram, ou pelo menos deveriam ter sido aprendidas, é que a escola necessita ter um planejamento em todas as situações, tanto para as de normalidade quanto para as de exceção. E sobre esse planejamento há maiores chances de êxito quando ele tem uma construção mais coletiva e participativa”. Para ele, “a parte mais bacana do sistema educacional é a possibilidade dele ensinar para a cooperação, porque se a gente continuar ensinando para o individualismo só vai reforçar todos os problemas que temos na sociedade capitalista e consumista que se instalou desde a modernidade e que gera muitos paradoxos. A sociedade desenvolveu muito as forças produtivas, as máquinas e as tecnologias, só que isso fica concentrado e os ganhos vão para quantidades muito pequenas de pessoas. Por isso um das lições que eu entendo que deveriam ter sido aprendidas nesse momento de dificuldade que todos estão passando é a lição de sair da dificuldade pela ajuda”, diz.
Dando sequência ao assunto, questionamos quais expectativas o professor Anselmo tem para o período pós-pandemia e como ele acha que será o retorno. O docente respondeu que tem acompanhado o que está acontecendo em outros locais no Brasil e fora e ao visualizar um pós-pandemia percebe que há diferenças muito grandes entre locais que já eram mais organizados antes da covid-19, com distâncias menores entre as classes sociais, e os lugares onde o desenvolvimento social político era mais frágil. “No nosso caso, eu confesso que as minhas expectativas não são muito boas, porque a gente está vendo no Brasil um aumento da distância de ricos e pobres. Nesta semana 12 brasileiros tiveram seus nomes na revista Forbes por terem triplicado as suas fortunas, enquanto ao mesmo tempo há um crescimento acentuadíssimo da pobreza. E não percebemos nenhuma ação política, governamental e mesmo grandes movimentos sociais, com o objetivo de minimizar esses efeitos. Então nesse sentido as expectativas não me parecem muito boas, a não ser que de fato as pessoas tomassem consciência dessa situação, buscassem compreender e aumentassem o nível de organização e de cobrança para as estruturas políticas de comando, entendendo que só tem solução se for por via democrática. Sobre as minhas expectativas para o pós-pandemia e como que eu acho que vai ser o retorno das aulas, qualquer tentativa de retorno antes que se tenha uma mínima segurança de redução nos índices de transmissão serão tentativas muito desastrosas. Então não adianta nesse momento forçar a barra, é melhor ter cautela, esperar um pouco mais a fim de que o retorno possa coincidir com o número mais alto possível de pessoas vacinadas e com a manutenção de muitas das orientações, como o uso das máscaras e todo o ritual de higiene. Acho que somente assim a gente tem chance de ter êxito como menos mortes, menos adoecimento e melhores resultados também nos processos educacionais”, opinou.
Em relação à questão “como garantir que os estudantes não sejam prejudicados em seu processo de escolarização e evitar as desigualdades de acesso e de oportunidades?”, o professor da UFOPA respondeu que não vê nenhuma saída que não seja institucional e coletiva, “porque qualquer garantia nessa direção passa do entendimento de que a educação é uma questão social e seus problemas têm que ser resolvidos enquanto problemas da sociedade, consequentemente é necessário a ação do poder público em todas as esferas, municipal, estadual e federal. No âmbito das escolas é preciso também que haja um esforço coletivo, não a ação isolada de um professor. Porque isso até pode trazer alguns bons resultados, mas fica só na esfera individual e como se trata de um problema coletivo, social, o enfrentamento tem que ser institucional e com uma forte ação do poder público.
Frente a questões mais pessoais como “o que aprendeu ao longo desse um ano de pandemia de Covid-19” e “quais ensinamentos levará para a vida”, o professor doutor respondeu que fez uso de aprendizados adquiridos antes da pandemia. “De certa forma já havia desenvolvido uma forma de vida que era mais restrita a minha casa, já havia procurado realizar os meus investimentos com as questões que eu necessito para o meu trabalho. Se você tem as suas ferramentas, pode oferecer o melhor trabalho e pode ganhar tempo também para aplicar nas necessidades pessoais, seja do lazer, do descanso, então muito antes da pandemia eu vinha procurando me organizar com esses meios físicos, tecnológicos e a própria situação de evitar locais muito conturbados, com aglomeração de pessoas. Eu já estava numa fase em que já não estava muito gostando disso. Então quando a pandemia chegou e isso passou a ser uma exigência e uma necessidade eu já estava um pouco mais preparado para esse enfrentamento. Mas aprendi muitas coisas, como, por exemplo, a redimensionar o tempo e as minhas necessidades”, explicou.
Por fim, questionado sobre “o que acha ser necessário para conseguirmos passar por esse momento difícil e vencê-lo” e sobre “o que ainda precisamos aprender”, Anselmo Colares disse que “há a necessidade de mudanças substanciais na forma de nós nos relacionarmos e nas nossas relações com a natureza, porque vivemos em uma sociedade onde a busca desenfreada e acelerada e a pressa de conquistar mais faz coisas simples, mas que também são muito importantes, serem desprezadas, e termina se perdendo a apreciação da própria natureza e das pessoas que nos cercam. Então haveria a necessidade de outro aprendizado. É provável que essa pandemia possibilite isso em algumas pessoas, mas o desejável é que ela possibilitasse isso para a maioria. E também precisamos, enquanto sociedade, rever conceitos como o individualismo, o desrespeito para com a vida dos outros, a circulação imensa de mentiras e o negacionismo científico. O desenvolvimento científico e da educação é algo que faz parte da humanização do ser humano e isso não pode ser desconsiderado. Negar isso é criar uma situação não apenas de constrangimento, mas de retrocesso. Há muita coisa que nós ainda desconhecemos e que precisamos conhecer. Ter consciência da nossa ignorância é algo muito importante. Agora se recusar a conhecer e a aprender, e, pior que tudo, ainda ajudar a disseminar inverdades, é um retrocesso que só gera mais problemas. Então acho que o que ainda precisamos aprender está contido nessas observações. E a humanidade então, passando por essa situação, precisa rever muito da sua forma de viver e de se relacionar entre si e com a própria natureza. Se destruirmos a natureza nós também seremos destruídos muito mais rapidamente, então encontrar alternativas de algum equilíbrio urgente é fundamental e junto com isso é preciso também desenvolver formas de convívio, principalmente aqui no Brasil, pois ficou muito presente no período de pandemia o fortalecimento de atitudes autoritárias que não fazem bem nem em momentos de normalidade e muito mais em momentos como esse que estamos enfrentando. Fortalecer a democracia e a compreensão de que somos uma sociedade plural, com pessoas bastante diferenciadas e com o direito de serem atendidas nas suas necessidades é uma garantia que precisa ser tratada como política de estado, envolvendo todos os entes da federação, municípios, estados e união. Vejo que esse é um aprendizado que a gente precisa melhorar muito. Nós já vínhamos caminhando essa direção, mas houve uma interrupção um pouco antes da pandemia, e com a covid essas questões também se mostraram muito visíveis. Os problemas sociais e coletivos precisam ser enfrentados social e politicamente, com democracia e compreensão necessárias para o estabelecimento de políticas públicas que possam encurtar as distâncias entre os que têm muito e os que nada têm. E que somente com a ação do estado esse encurtamento será possível”, finalizou o professor.
RG 15 / O Impacto