Artigo – Mapa do desperdício: alimentos jogados fora diariamente matariam a fome de milhares

Por Thays Cunha

No início do ano de 2020, após o anúncio de que o mundo iria começar a enfrentar uma pandemia, houve muitas preocupações em relação à quais os impactos que a covid-19 iria trazer para a população. Embora saibamos dos perigos causados pela doença, que até agora, meados de 2021, já levou a óbito quase 400 mil brasileiros, a luta contra a coronavírus trouxe também muitos problemas que vão além do medo da infecção.

A realização do distanciamento social, fechamento total e parcial de estabelecimentos comerciais e indústrias, a restrição da circulação de pessoas e o trabalho remoto são medidas estritamente importantes e necessárias, mas que aplicadas sem apoio ou plano de amparo aumentam ainda mais as desigualdades sociais. Economicamente o Brasil vem sofrendo inúmeras perdas e a cada dia que passa temos a sensação de que ainda não chegamos nem perto do fim de toda essa jornada, pois enquanto assistimos a partida de nossos entes queridos também temos que lamentar os danos que a covid-19 vem causando ao comércio e aos diversos setores necessários para alavancar o país. Isso significa que neste momento muitas pessoas não só estão perdendo conhecidos e familiares para a doença como também estão ficando sem os seus empregos ou quaisquer outras fontes de renda com a qual contavam para sobreviver. E com isso, o terrível fantasma da fome agora paira sobre as residências de muitos brasileiros e brasileiras.

Segundo dados de um estudo conduzido pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), intitulado “Insegurança Alimentar e Covid-19 no Brasil”, e divulgado agora no ano de 2021, do total de 211,7 milhões de brasileiros(as), 116,8 milhões convivem com algum grau de Insegurança Alimentar (IA). Destes, 3,4 milhões não têm alimentos em quantidade suficiente e 19 milhões enfrentam a fome. Isso significa que mais de 50% dos domicílios em todo o país passam os dias sem acesso e disponibilidade a uma alimentação abundante e adequada, e que “9% convivem com a fome extrema, ou seja, estão em situação de IA grave, sendo pior essa condição nos domicílios de área rural (12%)”. Ainda segundo o estudo, considerando o perfil das pessoas responsáveis pelo sustento da família, a insegurança alimentar grave em uma residência é quatro vezes maior nas que contam com trabalhadores informais, quando comparadas com as que contam com algum tipo de trabalhador formal, e seis vezes maior nas em que estas pessoas ficaram desempregadas.

Um dos alentos que a população teve neste momento atípico para driblar a falta de recursos ocasionada pela pandemia veio através do auxílio emergencial, que no ano passado ofereceu uma ajuda de custo de inicialmente R$ 600 para as famílias, sendo RS1.200 para mães solo, seguidas de parcelas reduzidas de R$300. Porém, com a diminuição no número de beneficiados e o novo reajuste nos valores – R$ 150 para pessoas que moram sozinha, R$ 375 para famílias chefiadas por mulheres e R$ 250 para outros casos – muitas pessoas já não sabem como irão fazer para conseguir a próxima refeição.

A falta dessa renda representará uma perda significativa, pois os “domicílios com pessoas que solicitaram e receberam auxílio emergencial viviam com IA moderada ou grave em proporção três vezes superior à média nacional observada”. Em relação à região Norte, na qual estamos inseridos, ela figura, ao lado da região Nordeste, como local onde foram “observados os maiores percentuais de perda de emprego, de redução dos rendimentos familiares, do endividamento e corte nas despesas com aquisição de itens considerados essenciais para a família, todos referidos como efeito da pandemia”, e também, embora haja menos densidade populacional, apenas 7,5% das pessoas que habitam o país, cerca de 15% do total daqueles que passam fome vivem aqui.

O OUTRO LADO DA MOEDA

Enquanto uma grande parcela da população sofre com a escassez de comida, do outro lado da moeda vemos diariamente uma enorme quantidade de alimentos ser desperdiçada. Segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), um terço de todos os alimentos produzidos é simplesmente jogado fora. Totalizando 8,7 milhões de toneladas, essa quantidade daria para matar a fome de 13 milhões de pessoas em situação de pobreza, contudo acabam indo parar nas ruas, lixeiras e aterros sanitários sem nenhum tipo de aproveitamento. No âmbito internacional o cenário é ainda mais desolador: 1,3 bilhão de toneladas é jogado fora, o que daria para alimentar 2 bilhões de indivíduos. E, além do prejuízo financeiro há também o prejuízo ao meio ambiente, pois os recursos utilizados para a produção de algo posteriormente inutilizado acabam sendo completamente em vão.

Alimentos são considerados desperdiçados quando descartados apesar de ainda possuírem valor e estarem próprios para consumo. Tal desperdício está intrinsecamente ligado à maneira como se comportam comerciantes e consumidores, pois não é difícil vermos casos em que alimentos perdem o prazo de validade e são jogados fora, assim como excessos de compras que no final estragam e sobras de comida nos pratos. Partindo da premissa de que “é melhor sobrar do que faltar”, tanto comerciantes quanto consumidores compram em demasia, mesmo que o resultado sejam frutas, verduras, legumes, cereais e proteínas estragados no final do mês.

Assim, o Brasil está na lista dos dez países que mais desperdiçam alimentos no mundo, com cerca de 23 milhões de toneladas por ano. De acordo com dados da pesquisa “Intercâmbio Brasil – União Europeia sobre desperdício de alimentos”, liderada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) com apoio da Fundação Getúlio Vargas (FGV), “as famílias brasileiras desperdiçam, em média, 353 gramas de comida por dia ou 128,8 kg por ano. Em análise per capita, o desperdício é de 114 gramas diários, o representa um desperdício anual de 41,6 kg por pessoa”.

Entre os alimentos que mais são jogados fora, os maiores percentuais relativos ao total são o arroz (22%), a carne bovina (20%), o feijão (16%) e o frango (15%).

Além disso, há também em nosso país uma grande perda de alimentos, que ocorre quando o descarte se dá por falta de estrutura apropriada de armazenamento, problemas na colheita, transporte inadequado, má conservação e outros fatores que levam, mesmo que de forma involuntária, toneladas de comida ao lixo.

COMO COMBATER O DESPERDÍCIO E A FOME?

Em um país tão desigual como o Brasil deveria haver estratégias para combater e reduzir o desperdício de alimentos, como, por exemplo, medidas para que parte do excedente em supermercados, feiras e armazéns pudesse ser distribuído para a população mais carente, assim como a conscientização de que cada grão, fatia e pedaço é precioso e deve ser bem aproveitado. Uma das soluções apontadas pelo estudo “Intercâmbio Brasil – União Europeia sobre desperdício de alimentos” seria a realização de mudanças comportamentais que contribuam “tanto para que as empresas ganhem mercado quanto para mudanças estruturais ou comportamentais que gerem impactos sociais e ambientais positivos no modo de produção e consumo. Por exemplo, ao delinear uma política pública de combate ao desperdício de alimentos no final da cadeia, é preferível em vez de punir financeiramente o varejista que desperdiça alimentos, fomentar a aproximação do varejo com os bancos de alimentos e dar incentivos fiscais para aqueles que adotam boas práticas e reduzem o descarte de alimentos em lixões ou aterros sanitários. O desperdício não interessa ao varejista, por representar prejuízo financeiro e custo maior com o descarte, e ao criarmos um ambiente propício à doação de alimentos, estamos também beneficiando consumidores com menor poder aquisitivo”. Além disso, é necessário que a indústria de alimentos possa adotar embalagens que ampliem a vida dos alimentos e que produtores e comerciantes se atentem à validade de seus produtos, transporte, acondicionamento corretos e doação caso haja excesso. Já os consumidores precisam receber uma reeducação nutricional que aborde todas essas questões do desperdício, como o fomento ao reaproveitamento de sobras, cascas, sementes e o cozimento de porções corretas para a quantidade de pessoas a serem alimentadas. Algumas dicas são: consumir primeiro aquilo que estraga mais rapidamente, não se preocupar com a aparência de legumes, verduras e frutas, pois a “beleza” não interfere no sabor e nos nutrientes, congelar o que não irá comer imediatamente e somente comprar aquilo que é realmente necessário para o consumo no momento.

No contexto da pandemia, na qual vemos a Insegurança Alimentar se agravando e milhares de famílias entrando para o mapa da fome, é importante alertar a sociedade brasileira e os gestores públicos para a urgência de políticas públicas que venham a auxiliar os mais necessitados. Apesar das restrições implementadas para a contenção da covid-19, não podemos deixar de lados a população vulnerável. Devemos, por outro lado, encorajar a doação de alimentos ainda em boa qualidade, pois não é justo que se jogue no lixo o que ainda poderia ser utilizado para a alimentação, principalmente levando em consideração o fato de que toda essa comida desperdiçada poderia ser direcionada para matar a fome de milhares de pessoas que estão sofrendo em diversos lugares pelo Brasil.

RG 15 / O Impacto

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