Polêmica – Procuradores querem saber por que ICMBio cancelou operação que iria apreender mais de 1000 cabeças no Pará
Na quarta-feira (19), o Ministério Público Federal (MPF) abriu investigação para apurar os motivos do cancelamento, pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), de operação contra a criação ilegal de gado na reserva biológica Nascentes da Serra do Cachimbo, no Pará. Entre as primeiras medidas tomadas, o MPF cobrou do instituto acesso à documentação das investigações e justificativas técnicas sobre a mudança de enfoque dos trabalhos.
Planejada por mais de um ano, a operação para apreensão de mil cabeças de gado em uma área de 2,2 mil hectares desmatados ilegalmente (um hectare equivale aproximadamente a um campo profissional de futebol) e com R$ 59 milhões em multas ambientais estava marcada para o último dia 6, mas às vésperas da realização teve seu foco modificado.
A operação foi convertida em um simples levantamento de outros alertas de desmatamento na região. Os servidores do ICMBio teriam sugerido agregar os dois focos, mas houve proibição expressa por parte da direção.
Essas informações sobre a modificação dos objetivos da operação foram relatadas ao MPF pela Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema).
Segundo relatos de servidores do ICMBio à imprensa, a ordem para a mudança de enfoque da operação partiu do diretor de Criação e Manejo de Unidades de Conservação do ICMbio, Marcos Simanovic.
À presidência do ICMBio, em Brasília, o MPF requisitou acesso integral ao procedimento de investigação e planejamento da operação, com os dados de inteligência levantados pelos servidores do instituto. Também foi requisitado acesso aos demais procedimentos relacionados a essa investigação.
Ao diretor de Criação e Manejo de Unidades de Conservação do ICMbio o MPF cobrou apresentação das justificativas técnicas para a mudança do foco da operação, principalmente considerando os esforços e recursos aplicados no planejamento da iniciativa.
PICADEIRO ARMADO PELO MINISTRO
Em nota publicada, a Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente e do PECMA (ASCEMA NACIONAL) informou sobre as circunstâncias da vinda do Ministro do Meio Ambiente ao Pará.
“Nesta semana, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, transferiu seu gabinete e os dos presidentes do IBAMA e ICMBio para o Sul do Pará. O picadeiro armado pelo ministro buscou expor aos holofotes da opinião pública os soldados da Força Nacional, seguindo as ordens do ministro para levantamentos de pátio de madeireiras e aplicação de multas de desmatamento, repaginando a estratégia fracassada de militarização da fiscalização ambiental utilizada durante as operações Verde Brasil I e II,em 2019 e 2020, obtendo como resultado o maior índice de desmatamento em 10 anos e a maior taxa de desmatamento no mês de abril (580 km²) em toda série histórica, segundo dados do DETER/INPE1. Longe dos holofotes e por debaixo dos panos, o ministro desmonta a ação dos especialistas em meio ambiente, inviabilizando a aplicação da legislação ambiental pelos Agentes de Fiscalização, por meio das Instruções Normativas Conjuntas 1 e 2/2021, denunciadas pela ASCEMA Nacional, apoiando documento técnico assinado por mais de 600 servidores do IBAMA2 e 254 do ICMBio3. A Conciliação Ambiental é outra estratégia utilizada para a paralisação do julgamento dos Autos de Infração, conforme densa análise produzida por técnico do IBAMA em resposta à investigação do Tribunal de Contas da União. O circo do ministro foi armado na mesma semana em que estava programada a etapa final da operação planejada a partir de trabalhos de inteligência dos servidores do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, iniciados em fevereiro de 2020. Segundo documentação do processo 02126.001169/2021-29 constante no SEI do ICMBio, a análise dos alvos estratégicos por parte do trabalho de inteligência identificou uma fazenda no interior da Reserva Biológica das Nascentes da Serra do Cachimbo, com área de 2.260 hectares desmatados ilegalmente. Considerando que as dezenas de multas aplicadas recentemente somavam mais de R$ 59 milhões, que a fazenda possui recomendação para desocupação imediata por parte da Procuradoria Federal Especializada do ICMBio, e ainda que os processos de autuação e julgamento estão pública e irresponsavelmente paralisados, os servidores planejaram em detalhes a logística para a apreensão e a doação das mais de 1.000 cabeças de gado criadas ilegalmente naquela Unidade de Conservação. Segundo a Ascema Nacional apurou, às vésperas da operação, ao tomar conhecimento dos detalhes, os militares que ocupam a direção do ICMBio ordenaram a mudança do alvo,e a modificação do foco da operação para o simples levantamento de outros alertas de desmatamento na região. Com toda razão, os servidores se recusaram a atuar na palhaçada armada pelo ministro. Essa notícia chega a ASCEMA Nacional no mesmo dia em que policiais federais foram atacados por garimpeiros na TI Yanomami e que o ministro Paulo Guedes tenta comparar servidores concursados com “militantes”. Tal ato da direção do ICMBio mais uma vez demonstra a necessidade de se combater a tentativa de reforma administrativa imposta por este governo que ataca o meio ambiente, usando palavras e atos, mas principalmente funcionários comissionados que nada entendem de ambiente e agem para proteger infratores, como no caso exposto. Com seus militantes, como disse Paulo Guedes, ocupando postos chaves no ICMBio, IBAMA, FUNAI e em outros órgãos, vemos se acumularem denúncias de autoritarismo, perseguição, assédio, favorecimentos a criminosos, improbidades e perseguição a povos originários. Solicitamos assim, mais uma vez, que o Ministério Público Federal, Tribunal de Contas da União e demais autoridades competentes, que apurem mais essa denúncia de mau uso de recursos públicos, que jogaram no lixo meses de trabalho de inteligência, sem que ocorresse o retorno esperado:a interrupção do desmatamento e a ocupação ilegal de unidade de conservação federal, contrariando os deveres constitucionais de proteção ao meio ambiente. Esperamos a apuração dos fatos relatados, para abertura de investigação e punição rigorosa sobre os nomeados políticos indicados por este governo, que têm corroído as instituições públicas de meio ambiente por dentro”.
Justiça Federal torna réus invasores do território Munduruku (PA) por extração ilegal de ouro
A Justiça Federal recebeu, no último dia 13 de maio, a denúncia criminal do Ministério Público Federal (MPF) contra grupo de doze pessoas acusadas por parte significativa do garimpo ilegal que assola a terra indígena Munduruku, no sudoeste do Pará. O recebimento da denúncia significa que a Justiça considerou haver indícios suficientes sobre a ocorrência e a autoria de crimes, e transforma os acusados em réus, que agora serão processados e julgados por crimes contra o meio ambiente, associação criminosa e extração ilegal de minério, e podem ser condenados a penas que, somadas, ultrapassam 30 anos de prisão.
Foram denunciados oito não-indígenas, ligados ao grupo conhecido como Boi na Brasa, e cinco indígenas que se aliaram aos criminosos. Os não-indígenas são responsáveis por diversas invasões dentro dos territórios protegidos na região do alto Tapajós e acusados por operarem pelo menos quatro garimpos na Terra Indígena (TI) Munduruku e na Floresta Nacional do Crepori, causando graves danos às matas e cursos d’água. Pelas estimativas dos investigadores, os invasores já causaram pelo menos R$ 73,8 milhões em danos ambientais na região de Jacareacanga.
“O grupo criminoso atua de maneira ilícita na exploração de ouro no interior da Floresta Nacional do Crepori e da Terra Indígena Munduruku, em Jacareacanga (PA), fomentando conflitos entre indígenas e sendo detentor de diversas escavadeiras hidráulicas e aeronaves, em nome próprio e de terceiros, que atuam na região e servem de apoio à prática da garimpagem ilegal. No interior da TI Munduruku, o grupo criminoso já avançou para diversos pontos, com destaque para a região dos rios Kabitutu e Kaburuá”, narra a peça acusatória do MPF.
Na decisão de recebimento da denúncia, a Justiça Federal registrou que na peça de acusação estão “(…) presentes as circunstâncias, as condutas típicas e antijurídicas e os requisitos de materialidade delitiva demonstrada e indícios suficientes de autoria pela prática aos tipos previstos no em concurso material, dos crimes tipificados no art. 55 da Lei no 9.605/98, art. 2º, da Lei no 8.176/91 e art. 288, do Código Penal, em concurso material, bem como ausente quaisquer das hipóteses causadoras de sua rejeição liminar (art. 395 do CPP)”.
Ameaças e atuação ostensiva – A denúncia à Justiça traz fatos apurados em várias operações da Polícia Federal (PF) e fiscalizações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e da Fundação Nacional do Índio (Funai), assim como apurações do próprio MPF, que investiga o grupo Boi na Brasa desde 2018. “Os integrantes do Grupo Boi na Brasa têm fomentado conflitos entre os indígenas da etnia Munduruku, apoiando e financiando indígenas que defendem a prática inconstitucional do garimpo no interior da terra indígena. Com graves ameaças e atuação ostensiva na área, intimidam aqueles que são contra a atividade e avançam cada vez mais no território indígena, causando, além dos impactos ambientais, fortes consequências negativas sobre a vida social, a cultura e a saúde dos Mundurukus, um povo guerreiro que luta pela própria sobrevivência”, dizem os procuradores da República na ação penal.
A primeira operação que detectou as atividades do grupo nas áreas protegidas da região ocorreu em maio de 2018. Na época, o Ibama encontrou vários acampamentos, maquinários pesados, motores, mangueiras e outros equipamentos utilizados na garimpagem ilegal. “Na ocasião, o maquinário utilizado para a prática da infração ambiental foi encontrado escondido na mata, no interior da Flona Crepori, às margens da TI Munduruku. O local encontrava-se bastante degradado por conta do exercício da atividade ilegal de garimpo. Os infratores, no entanto, conseguiram se evadir do local por meio de aeronaves”, diz o relatório de fiscalização.
Apesar das fiscalizações, a partir de 2019 a atividade ilegal do grupo se intensificou. A Funai relatou ao MPF o aumento exponencial da atividade no território protegido. “O avanço da prática provocou prejuízos a pesca, caça e alimentação dos indígenas, bem como colocou em risco sua moradia e organização social, fomentando conflitos entre indígenas e garimpeiros. Ao final, o órgão indigenista aponta o grupo “Boi na Brasa” como responsável pela garimpagem ilegal no interior da terra indígena e indica quem seriam seus membros”, explica a denúncia.
INDÍGENAS PEDIRAM COMBATE AO CRIME
Em cartas enviadas ao MPF em 2019, caciques e associações indígenas do povo Munduruku confirmaram as informações dos órgãos de fiscalização. “Boi na Brasa – Um dos mais ricos, poderosos e perigosos garimpeiros não indígenas. É o garimpeiro que tem mais maquinário na região, localizados em vários lugares da terra indígena Munduruku é conhecido como Boi na Brasa.(…) Ele e seu grupo estão só aguardando essa briga entre os Munduruku e fazendo tudo para se legalizar, eles já estão prontos com muito garimpeiro, maquinário e escavadeiras. Polícia e justiça têm que tomar providência para retirar ele daqui e seus equipamentos”, dizem as lideranças em carta de outubro de 2019.
Conforme as investigações se aprofundaram, com a realização das operações Bezerro de Ouro I e II, os órgãos localizaram diversas provas da ação dos criminosos que demonstravam o grande poderio econômico do grupo Boi na Brasa. A PF encontrou provas de que o grupo comprava retroescavadeiras às dezenas, assim como aeronaves. Documentos encontrados nas operações policiais demonstram o grande poder econômico da quadrilha: em 45 dias de 2020, o grupo movimentou R$ 2,6 milhões em ouro. Foram criadas empresas de fachada para movimentar o dinheiro ilegal do ouro e o grupo mantinha registros de pagamentos de propinas a indígenas e policiais.
Foram denunciados à Justiça os integrantes do grupo Boi na Brasa: Saulo Batista de Oliveira Filho, Emerson Paulino de Oliveira, Adriana Lima de Oliveira, Vilson Batista de Oliveira, Adelmo Campos de Oliveira, Anselmo Campos de Oliveira, Alysson Campos de Oliveira e Waldemir Soares Oliveira; e os indígenas Zenobio Manhuary, Josias Manhuary, Waldelirio Manhuary, Francisco Crixi e Adailton Paigo.
Os acusados não terão direito ao benefício de fazer acordo de não-persecução penal com a Justiça. “Além de os crimes imputados a eles terem penas mínimas somadas superiores ao limite de quatro anos, o modus operandi do grupo Boi na Brasa e dos indígenas caracteriza-se pelo uso da violência e grave ameaça em detrimentos dos demais indígenas que se opõem à atividade garimpeira no interior da TI Munduruku e os elementos probatórios levantados indicam uma conduta criminosa reiterada por parte dos denunciados. Por essa razão, não fazem jus ao benefício”, diz a ação.
RG 15 / O Impacto