Abuso sexual infantil: a crueldade que ocorre quando há descrença nas vítimas

Por Thays Cunha

Dentre todos os crimes hediondos existentes, o abuso sexual de crianças com certeza é um dos mais repugnantes. E a pior parte sobre esse assunto é que a maioria dos casos acaba acontecendo dentro da casa das próprias vítimas, sendo os abusos cometidos por amigos, vizinhos, pais, padrastos, tios e outras figuras familiares cujo papel deveria ser o de protegê-las. É uma violência que deixa marcas profundas por toda a vida, além de feridas físicas e psicológicas, desse modo é importante identificar os sinais e pistas que meninos e meninas dão de que algo está errado, e que muitas vezes são sutis ou ignorados pelos adultos. Indefesas, algumas crianças não saberão como se defender sozinhas, por isso é necessário que prestemos bastante atenção em seus atos e nos das pessoas que estão ao seu redor.

Segundo estimativa divulgada em 2020 pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, utilizando registros feitos pelo canal do Governo em 2019, no ano analisado ocorreram cerca de 17 mil ocorrências  de violência sexual contra crianças e adolescentes. No relatório, intitulado “Disque Direitos Humanos”, também consta que esse tipo de violência ocorre em sua grande maioria com meninas, entre 12 e 17 anos, e em 87% das ocorrências o suspeito é do sexo masculino, sendo em 40% dos casos o pai ou padrasto.

No entanto, apesar dessa quantidade de casos já parecer absurda, sabemos que há muito mais situações que não são denunciadas. Ou, quando a vítima encontra voz para relatar os abusos, a sua palavra é vista com descrença e ela passa a ser vista como mentirosa, sendo obrigada a se calar de vez e até mesmo a ter que conviver com o seu agressor na mesma residência. Infelizmente, além da violência sexual, muitas crianças ainda têm que lidar com a culpa, o medo e o desprezo de familiares que acham que a criança ou adolescente está fantasiando ou inventando os abusos como forma de chamar a atenção.

FOI O QUE ACONTECEU EM SANTARÉM com uma menor de idade, que mesmo após contar para familiares que estava sofrendo abusos sexuais por parte de seu próprio tio, iniciais A.N.P., não teve a sua situação resolvida e, inclusive, a sua tia, esposa do suspeito, não somente não acreditou na sua “palavra” como também “teria feito um escândalo na frente de todos quando ficou sabendo das acusações”. Em denúncia enviada pelo Conselho Tutelar I, em 22 de abril de 2021, à Delegacia de Atendimento a Criança e Adolescente (DEACA), consta que a jovem, que agora está com 17 anos, vem sendo abusada desde os 07 anos de idade e que, apesar de sua mãe, iniciais A.C.C., também ter conhecimento do fato, simplesmente não tomou nenhuma providência.

O caso só veio então a conhecimento da polícia, depois de tantos anos, graças a uma ajuda externa, feita através de uma denúncia que partiu de uma pessoa fora do círculo familiar da menina. Segundo os relatos coletados, a menor foi morar com os tios após o adoecimento da avó, que cuidava dela, e foi quando os abusos começaram, ocorrendo sempre à noite, mesmo que houvesse outras pessoas na residência, ou quando a menina ficava sozinha com o tio na casa. Assim, apesar de a vítima ter contado para a família, nada foi feito e ela teve que conviver com a situação de agressão por anos a fio.

Já com 15 anos, frequentando uma certa igreja evangélica, teve coragem para contar para outra pessoa. A mãe da jovem foi então chamada e avisada sobre o ocorrido, e somente neste momento teria passado a acreditar na filha. Porém, desde esse dia dois anos se passaram sem que a mãe tivesse procurado ao menos realizar uma denúncia. Assim somente agora, em 2021, outra pessoa tomou a frente da situação e realizou a denúncia em uma tentativa de ajudar a menina a ser livre de vez de tanto sofrimento.

Os documentos de denúncia também relatam que há a suspeita de que a mãe estaria tentando vender a própria filha em troca de “mercadoria no comércio próximo de sua casa”, e que, por estar na casa de sua mãe, além de passar por essa situação vexatória também estaria sendo ameaçada por parentes que não aceitam a denúncia. O tio, suspeito de realizar os abusos, também estaria ameaçando a jovem através de mensagens e rondas de moto na frente da casa dela.

O conselho tutelar enviou requisição para atendimento da adolescente na DEACA e ao CREAS, para que ela possa receber acompanhamento e as devidas providências possam ser tomadas em relação ao caso.

Esse triste caso, que ocorreu tão próximo a nós, nos mostra o quanto é importante acreditarmos naquilo que as crianças e adolescentes dizem. Embora sejam vistos como criaturas que gostam de contar histórias e viver num mundo de fantasia, é importante notar que a violência sexual é um assunto sério e que se crianças tocam no assunto é porque tiveram contato com algo que não é adequado à sua idade. Além disso, devemos ficar atentos a qualquer mudança de comportamento, pois muitas vítimas podem se manter caladas por medo ou vergonha do que está acontecendo. Mudanças no padrão das ações, hábitos, problemas de saúde, ferimentos e hematomas devem ser cuidadosamente verificados e analisados. Caso, de repente, a criança ou adolescente comece a apresentar quadros de agressividade, tristeza, indiferença, reclusão, e até mesmo faltas e problemas escolares, a luz de alerta deve se acender para pais, responsáveis, professores, etc. Também é preciso investigar quando a criança manifestar repulsa e medo de alguma pessoa específica, pois isso também pode ser um alerta.

PANDEMIA

Por conta do isolamento social, indicado como medida de contenção ao contágio do novo coronavírus, muitos meninos e meninas estão agora trancados em casa, tendo muitas vezes que conviver 24 horas por dia com seus agressores. Sem poder ir à escola ou ver outras pessoas, é difícil para elas encontrar apoio em meio a educadores, colegas e agentes auxiliadores, desse modo as denúncias acabam se tornando ainda mais difíceis de serem realizadas. Segundo o Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos, em abril de 2020, praticamente um ano após o início da pandemia, os registros de denúncias apresentaram redução. No entanto, isso não significa diminuição dos casos, mas sim uma triste situação de subnotificação.

O caso da menor santarena citado nos mostra então a importância de zelarmos até mesmo pelas crianças que não são “nossas”, uma vez que somente após denúncia feita por uma pessoa que não era da família da menina as autoridades ficaram sabendo do caso, se tornando aptas a seguir com os procedimentos cabíveis. Notificar esses casos é muito importante para evitar que essas crianças e adolescentes continuem sofrendo com tanta violência, garantindo assim o direito à proteção que precisam para crescer de forma saudável.

Acolher a vítima é a melhor forma de tentar minimizar os danos causados pelos abusos. Duvidar da criança pode ser ainda mais prejudicial, pois a deixará insegura e sozinha, sofrendo em silêncio. Porém, infelizmente, muitos pais ou responsáveis não acreditam naquilo que a criança conta, ou então acham que certas pessoas não seriam capazes de fazer tais atos, preferindo então desacreditar a vítima.

Casa haja alguma dúvida, a vítima deve ser atendida por profissionais especializados, como psicólogos ou médicos, para que eles possam avaliar e verificar, de maneira sutil e criteriosa, se a criança está mesmo passando por algum tipo de violência ou abuso.

MAIO LARANJA

O Maio Laranja é o mês da campanha dedicada ao combate ao abuso e exploração sexual infantil. O mês é alusivo a memória de Araceli Crespo, que foi sequestrada, violentada e assassinada em 18 de maio de 1973, quando tinha apenas 08 anos de idade.

O Ministério da Mulher, Família e dos Direitos humanos, “para incentivar a denúncia e coibir o crime, promove durante todo o mês de maio uma campanha de conscientização para a população sobre o tema. A divulgação também é voltada aos profissionais do Sistema de Garantia de Direitos, que atuam de forma direta com crianças e adolescentes, para estabelecer um atendimento cada vez mais eficaz”.

Crimes previstos em lei, o abuso e exploração sexual de menores deve ser denunciado para que a criança possa ser receber ajuda psicológica o mais rapidamente possível. As denúncias devem ser feitas para o Conselho Tutelar, Polícia Civil, Militar ou pelo Disque 100 nacional, central vinculada ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos que orienta sobre como agir diante dessas terríveis situações.

RG 15 / O Impacto

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *