Suspensa portaria que permitia o registro de propriedades privadas sobrepostas a terras indígenas no Pará
A Justiça Federal confirmou em sentença na última sexta-feira (13) a suspensão da Instrução Normativa (IN) 09/2020 da Fundação Nacional do Índio (Funai) na região da subseção judiciária federal de Tucuruí, no Pará. A norma permitia o registro de propriedades privadas sobrepostas a terras indígenas ainda não homologadas pelo governo brasileiro.
A sentença confirmou decisão liminar de janeiro deste ano e declarou nula a instrução normativa. A decisão judicial atende pedido do Ministério Público Federal (MPF), que demonstrou que, ao retirar dos sistemas de gestão fundiária (Sigef) e de cadastro ambiental rural (Sicar) terras indígenas cujos processos de demarcação ainda não foram concluídos, na prática a portaria liberava a grilagem de áreas e poderia intensificar conflitos agrários.
Com a sentença, todas as terras indígenas na região abrangida pela subseção judiciária de Tucuruí – que inclui os municípios de Breu Branco, Goianésia do Pará, Jacundá, Novo Repartimento, Pacajá, e Tailândia, além de Tucuruí – devem ser incluídas ou mantidas nos sistemas do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) independentemente da etapa do processo de demarcação. Terras reivindicadas formalmente por grupos indígenas, em fase de estudo e identificação, delimitadas, declaradas e com portarias de restrição de uso agora terão que voltar aos cadastros e ficam proibidos os cadastros sobrepostos de particulares.
Na sentença, a Justiça Federal registra que, ao excluir as áreas não homologadas, a Funai contraria as normas constitucionais que tratam da matéria, “em especial o parágrafo 6º do artigo 231 da Constituição de 1988, fixando proteção jurídica inferior àquela conferida pelo constituinte, na medida em que possibilita a precedência e a sobreposição de títulos privados em territórios indígenas, o que pode dificultar sobremaneira a tramitação dos processos demarcatórios”.
A sentença ressalta ainda que, ao permitir o registro de terras em nome de particulares sem considerar a precedência dos direitos territoriais indígenas, pode causar danos excessivos aos particulares envolvidos pois, “se, posteriormente, a terra for reconhecida como indígena, todos os negócios jurídicos praticados haverão de ser considerados nulos, com graves consequências patrimoniais e indenizatórias.”
Para a Justiça Federal, o argumento da Funai de que a normativa protegia a garantia da propriedade privada antes da definição final sobre a homologação de uma terra indígena não merece prosperar, “tendo em vista que a existência de territórios indígenas ainda não definitivamente regularizados em favor dos povos que os reivindicam, ao que tudo indica, constitui pendência atribuível à morosidade da própria demandada”, por não concluir as demarcações.
Não é admissível, diz a sentença, que a Funai, “valendo-se de sua conduta omissiva, não leve em consideração a existência de processos administrativos em curso, comportamento que, ao contrário do que sustenta, pode potencializar o surgimento de conflitos fundiários”. A sentença anula os efeitos da IN 09/2020 e condena a Funai e o Incra a manter nos sistemas de registro fundiário do país não apenas as terras indígenas homologadas como aquelas em processo de demarcação.
Estão abrangidas pela sentença judicial todas as terras indígenas localizadas na jurisdição da subseção judiciária de Tucuruí que estejam em processo de demarcação tendo sido formalmente reivindicadas por grupos indígenas, em fase de estudo de identificação e delimitação, delimitadas, declaradas e com portarias de restrição de uso para localização e proteção de indígenas isolados.
Entenda o caso – Ao todo, procuradores da República ajuizaram 28 ações judiciais na primeira instância da Justiça Federal, pedindo a suspensão da IN 09/2020, com 19 decisões judiciais favoráveis. Atualmente, a norma da Funai está suspensa por ordens judiciais em oito estados da federação: Pará, Mato Grosso, Amazonas, Acre, Roraima, Rondônia, Bahia e Rio Grande do Sul, o que garante a proteção de mais da metade das terras indígenas brasileiras.
Em recursos à segunda instância, o governo federal até agora conseguiu reverter três liminares em Mato Grosso do Sul e suspender duas, em Santa Catarina e no Ceará. Duas liminares foram negadas, nas subseções judiciárias de Dourados (MS) e Foz do Iguaçu (PR) e o MPF aguarda decisão sobre recursos nesses dois casos. Das 28 ações civis públicas ajuizadas sobre o tema em todo o país, seis ainda estão pendentes de apreciação, em Belém (PA), São Luís (MA), Carazinho (RS), Vilhena e Ji-Paraná (RO) e São Paulo (SP). Cinco das liminares deferidas já foram confirmadas por sentenças, em Santarém (PA), Tucuruí (PA), Castanhal (PA), Rio Branco (AC) e Boa Vista (RR). Em uma das ações judiciais iniciadas pelo MPF, em Belo Horizonte (MG), houve declínio de competência.
O MPF sustenta nas ações judiciais que a IN 09/2020 contraria o caráter originário do direito dos indígenas às suas terras e a natureza declaratória do ato de demarcação; cria indevida precedência da propriedade privada sobre as terras indígenas, em flagrante ofensa à Constituição; representa indevido retrocesso na proteção socioambiental; incentiva a grilagem de terras e os conflitos fundiários; entre outros problemas. As decisões judiciais obtidas determinam a manutenção das áreas indígenas ainda não homogologadas no Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) e no Sistema do Cadastro Ambiental Rural (Sicar).
RG 15 / O Impacto com informações do MPF