Desnutrição e obesidade – as duas faces causadas pela má alimentação
Por Thays Cunha
O ser humano sempre teve uma relação muito forte com a comida, pois o ato de se alimentar não só representa uma maneira de nutrir o corpo e garantir a sobrevivência, como também carrega o simbolismo cultural e identitário de um povo.
Mesmo sem sair do Brasil conseguimos saber a origem de alguns dos pratos mais populares consumidos em nosso país, como, por exemplo, a pizza (Itália), o sushi (Japão) e o hot dog (EUA). Obviamente todas essas receitas sofreram modificações e foram “abrasileiradas”, contudo elas ainda trazem as marcas principais de sabor e curiosidade em relação aos lugares de onde vieram.
No entanto, nem todas as pessoas podem ter esse tipo de vínculo com a comida, ou seja, vê-la como um momento cultural ou degustativo, podendo escolher os sabores que mais lhe agradam através de misturas e texturas harmoniosas. Para alguns, a comida realmente representa a diferença entre a vida e a morte. É um ato de sobrevivência.
Não só comer, mas comer bem tem se tornado uma tarefa nada fácil, principalmente para os mais pobres. A cada dia que passa os alimentos vão ficando mais caros e alguns têm se tornado até indisponíveis para aqueles que não possuem uma boa renda. Desse modo, muitas pessoas se alimentam com aquilo que está ao seu alcance, e isso significa ingerir apenas o necessário para não sentir fome e continuar de pé. E essa “dieta” insuficiente pode ter várias consequências, entre elas a desnutrição e a obesidade.
A desnutrição ocorre devido à falta de absorção ou baixa ingestão de nutrientes. Há casos em que se apresenta como uma doença, com consequências drásticas para o corpo, no entanto também há casos em que não apresenta qualquer sintoma. Já a obesidade não é o seu oposto, mas sim causada pelo acúmulo excessivo de gordura corporal e pode ser ocasionada por diversos fatores.
Mas embora associemos a desnutrição à magreza, pessoas com excesso de peso também podem estar desnutridas, o que se deve a ingestão diária baixa do que é necessário para manter o corpo saudável e ativo. Isso significa que assim como existem pessoas extremamente magras por causa da desnutrição há casos em que crianças e adultos apresentam ao mesmo tempo obesidade e deficiência nutricional.
Isso acontece porque nem sempre o que nós comemos nos “alimenta” da maneira correta. Algumas pessoas podem até consumir muitas calorias, no entanto é comum que comidas calóricas não apresentem uma variedade de nutrientes necessários.
BAIXA RENDA
Um dos fatores que levam pessoas a enfrentarem esse paradoxo, o de estarem ao mesmo tempo obesas e desnutridas, é a questão da baixa renda. Alimentos como carnes, peixes, frutas, legumes e verduras custam uma grande parcela dos rendimentos dos mais carentes, que desse modo acabam por preferir alimentos ultraprocessados e enlatados, que matam a fome e custam menos, como, por exemplo, biscoitos recheados, macarrão instantâneo, sopas prontas, conservas e congelados. Assim, essa baixa qualidade dos alimentos ingeridos, ricos em açúcares e carboidratos, leva o indivíduo a ganhar bastante peso, no entanto sem oferecer também recursos importantes para o bem estar como nutrientes, vitaminas e minerais, gerando uma situação chamada de “fome oculta”.
FOME OCULTA
A fome oculta ocorre quando uma pessoa, embora não esteja passando fome, aquilo que come não lhe garante saúde e bem-estar, nem fornece o suporte que precisa para se fortalecer.
O quadro geral então nos mostra que enquanto uns comem muito pouco do que precisam, se tornando magros e desnutridos, outros comem muito daquilo que não precisam, se tornando então obesos e desnutridos por conta da baixa qualidade nutricional. Como afirma o relatório da UNICEF, “o excesso de peso, considerado há muito tempo como uma condição dos ricos, agora é cada vez mais uma doença dos pobres, refletindo a maior disponibilidade de ‘calorias baratas’ de alimentos gordurosos e açucarados em quase todos os países do mundo”.
Outro relatório, divulgado pela a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), em 2018, mostra que “no Brasil, 6,6% da população com mais de 18 anos apresentava obesidade em 1980. Em 2016, este número passou para 22,1%, sendo que as mulheres sofrem mais com o problema do que os homens. Já a fome afeta 39,3 milhões de pessoas, o que corresponde a 6,1% da população da região. O relatório da FAO destaca a relação entre desigualdades econômicas e sociais e os altos níveis de fome, da obesidade e das populações mais vulneráveis.
CRIANÇAS
Segundo um relatório realizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), publicado em outubro de 2019 e intitulado “Crianças, alimentação e nutrição”, “no mundo, pelo menos 1 em cada 2 crianças menores de 5 anos sofre de fome oculta devido à deficiências de vitaminas e outros nutrientes essenciais”. Com isso, “o sobrepeso e a obesidade continuam a subir. De 2000 a 2016, a proporção de crianças com excesso de peso (5 a 19 anos) aumentou de 01 em 10 para quase 1 em 5”.
Essa é uma situação que gera muitos danos, pois uma má alimentação mina as chances de crescimento e desenvolvimento com saúde. Há uma tripla carga da má nutrição: a subnutrição, a fome oculta e o sobrepeso, e esses fatores ameaçam o progresso não só dos pequenos, mas também das economias e nações.
Isso acontece por conta dos chamados ‘desertos alimentares’, ou seja, por causa da falta de opções de alimentos saudáveis frente a abundância de alimentos industrializados. “As famílias pobres tendem a selecionar alimentos de baixa qualidade que custam menos. Por causa da pobreza e da exclusão, as crianças mais desfavorecidas enfrentam o maior risco de todas as formas de desnutrição”.
DOENÇAS
Um artigo da publicação científica The Lancet mostra que “um terço dos países mais pobres enfrenta ao mesmo tempo epidemias de obesidade e de desnutrição. Esses são problemas que podem gerar diversas doenças, como anemia, diabetes ou hipertensão, assim como deixar um indivíduo mais suscetível a infecções e outros males por conta do enfraquecimento do sistema imunológico”.
Sendo assim a obesidade e a desnutrição pode ser vistos como um problema de saúde pública. Investir então em políticas públicas para educação nutricional, além de melhorar o acesso dos mais pobres a alimentação saudável evitaria gastos com a saúde no futuro.
É preciso modificar o quadro da fome, mas também olhar para aqueles que aparentemente estão fora dessa linha, e que apresentam quadro de desnutrição não porque não comem, mas porque comem mal.
Assim, o acesso a uma dieta mais saudável e equilibrada é a melhor maneira de prevenir tanto a desnutrição quanto a obesidade. Mas como infelizmente ter uma alimentação a base de legumes, frutas, verduras, cereais e proteínas tem se tornado algo cada vez mais caro, os governos devem atuar para diminuir as disparidades entre ricos e pobres, ou seja, entre quem pode comer bem e aqueles que comem para sobreviver.
RG 15 / O Impacto