Mantida apuração de ‘práticas lesivas’ da Equatorial contra consumidores santarenos

Por unanimidade, o Conselho Superior do Ministério Público do Estado do Pará decidiu pela continuidade das diligências do Inquérito Civil (IC) que apura práticas lesivas promovidas pela empresa Equatorial Energia Pará (ex-Celpa), em detrimento ao direito dos consumidores de Santarém.

Entre as denúncias de irregularidades, estão a realização de cobranças abusivas e a promoção do corte de energia em dias não permitidos pela legislação.

Em seu voto o conselheiro relator, o promotor de justiça Hamilton Nogueira Salame, foi contra o arquivamento do procedimento proposto pela 10ª Promotoria de Justiça de Santarém.

Ele considerou insuficientes as diligências realizadas. Assim, determinou a continuidade da apuração, por outro membro do Ministério Público, o qual os autos serão remetidos.

Como encaminhamentos iniciais, o novo responsável pelo inquérito deverá solicitar análise técnica ao Grupo de Apoio Técnico Interdisciplinar (GATI) visando à emissão de parecer capaz de verificar possíveis irregularidades conforme a documentação anexada nos autos pelas empresas Neoenergia, Equatorial Energia e da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).

Conforme apurado pela reportagem de O Impacto, a Equatorial Energia será acionada para esclarecer sobre a situação atual no município de Santarém, referente aos serviços prestados à população, bem como para que apresente relatório de fiscalização dos serviços prestados, considerando as diversas reclamações registradas no Procon municipal.

Hamilton Nogueira Salame ressaltou a importância de demais diligências “que se fizerem necessárias ao andamento adequado das investigações do presente Inquérito Civil”.

“Considerando a insuficiência de diligências realizadas no presente Inquérito Civil, torna-se imprescindível dar continuidade na atuação do Parquet para que se busque elementos e provas que justifiquem, ou não, a continuidade do feito, motivo pelo qual não homologo arquivamento”, disse o Conselheiro Relator.

Movimento Basta Celpa

O Inquérito Civil n°: 000547-031/2019 foi instaurado em abril de 2019 pela 10ª Promotoria de Justiça de Santarém. O procedimento extrajudicial teve início após o encaminhamento do ofício pelo Movimento Basta Celpa, solicitando uma audiência para serem apresentadas as demandas da população, em razão das arbitrariedades e desrespeitos da, na época, Celpa, ao Código de Defesa do Consumidor.

Em diligências iniciais, o Promotor de Justiça responsável, enviou ofício ao Superintendente da Celpa, convidando para participar de reunião para esclarecimentos de questões relacionadas à cobrança realizada nas contas de energia elétrica, o qual foi feito. Também foi anexada aos autos cópia da notícia sobre a morte de uma idosa após a energia elétrica ter sido cortada em Santarém.

Além disso, foi solicitado ao Procon municipal que encaminhasse dados sobre as reclamações dos consumidores. Dando seguimento nas diligências, o Promotor de Justiça enviou ofício ao Superintendente da Celpa para que fosse encaminhada cópia do contrato, firmado com empresa específica, utilizado para aquisição no mercado de medidores digitais de energia, atualmente utilizados para aferição do consumo nas residências e comércios em Santarém, bem como cópia do instrumento de contrato existente entre a concessionária de energia elétrica e Agência Nacional Energia Elétrica (ANEEL).

Em resposta, a Celpa esclareceu que os medidores comprados pela distribuidora são medidores homologados pelo Inmetro, fabricados e testados conforme normas específicas, que o critério para aferição e para eventuais revisões dos medidores são feitos pelas Portarias dos medidores Eletrônicos no Brasil e que não há auditoria externa, contratada pela empresa, pelo o que não há qualquer contrato relacionado a essa aferição e eventual revisão desses equipamentos de leitura de consumo.

Na época, foram juntadas fichas de atendimentos, contendo relatos de pessoas insatisfeitas e indignadas com os serviços oferecidos pela concessionária de energia elétrica. O Promotor de Justiça de Santarém decidiu pela promoção do arquivamento do Inquérito Civil, por não demonstrar nos autos a não prestação ou prestação insuficiente do serviço.

Argumentos do relator

O promotor de justiça Hamilton Nogueira, contrariando a decisão do promotor de justiça de origem do caso, expos em seu relatório:

“Primeiramente, destaca-se que nos autos, a partir da denúncia apurada consta o registro de graves reclamações apresentadas não somente pela parte denunciante, o Movimento Basta Celpa, como por meio da alta quantia de relatos de consumidores apresentando reclamações através de documentos, demandas e tópicos contra a Celpa do Grupo Equatorial, inclusive no Procon Municipal. O que não demonstrou esclarecido ao longo da apuração do presente Inquérito”.

Para o integrante do Conselho Superior do MPPA, “maior atenção deverá ser direcionada aos pontos indicados através das denúncias, a fim de esclarecer a existência ou não das supostas irregularidades nos recorrentes cortes de energia em dias que a legislação proíbe, na cobrança de tarifas, bem como, a cobrança do ICMS no valor de 33%, sendo que a alíquota modal do ICMS atual, referente ao ano de 2023, é de 19%, de acordo com a Lei nº 9.755/2022. Portanto se torna necessária reanálise para apurar a atual situação, em especial referente às supostas arbitrariedades cometidas pela Concessionária de Energia Celpa, no Município de Santarém”.

“Desse modo, considerando a insuficiência de diligências realizadas no presente Inquérito Civil, em destaque às denúncias apontadas acerca das possíveis irregularidades na prestação de serviços em Santarém, se torna imprescindível dar continuidade na atuação do Parquet através de novas diligências”, concluiu Hamilton Nogueira.

Em fevereiro de 2020, a Justiça Federal reafirmou decisão do ano anterior, que determinou diversas proibições à concessionária de energia.

A sentença proibiu a Centrais Elétricas do Pará (Celpa – atual Equatorial Energia) de cobrar dívidas antigas nas faturas mensais e impediu a empresa de coletar assinaturas de pessoas que não sejam titulares da conta ao entregar notificações sobre dívidas.

São consideradas dívidas antigas as vencidas há mais de 90 dias e que são decorrentes de atraso no pagamento ou de fraude no medidor de consumo atribuída ao consumidor. Essas dívidas devem ser cobradas em documento separado da fatura mensal, determinou a Justiça.

A decisão estabeleceu que, além do titular do contrato com a Celpa, só as pessoas de confiança a quem o titular der consentimento expresso é que podem assinar as notificações entregues pela Celpa sobre dívidas com a empresa, o chamado Termo de Ocorrência de Irregularidade (TOI).

Assinada pela juíza federal Hind Ghassan Kayath, a sentença acatou pedidos da força-tarefa formada por membros do Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), Defensoria Pública da União (DPU) e Defensoria Pública do Estado do Pará (DPE).

Irregularidades

Na sentença, a juíza federal registra que a ação da força-tarefa apresentou diversos indícios de irregularidades na prestação de serviço pela Celpa, como: aumento repentino do valor cobrado pelo fornecimento de energia elétrica, mesmo com adoção de medidas para diminuição do consumo; truculência por parte dos funcionários da concessionária perante os consumidores; e deficiência do serviço de atendimento ao cliente, que passa horas aguardando ser atendido.

Também foram apontadas, entre as irregularidades, a realização de inspeção na unidade consumidora sem a presença do titular da conta contrato ou pessoa por ele indicada; estabelecimento de meta diária de lavratura de TOIs aos funcionários da concessionária; ausência de plantão de 24 horas nas cidades do interior do estado; falta de clareza quanto ao procedimento de inspeção, induzindo o consumidor a assinar documentos, especialmente o TOI, sem esclarecimento das consequências daí advindas, entre outros problemas.

A força-tarefa também destacou na ação que as reclamações contra a Celpa representam a maioria das reclamações no Procon em todo o estado, o que faz da empresa a campeã em número de reclamações em todo o país. Além disso, a Celpa também é a campeã de reclamações de consumidores que procuram a DPE.

R$ 20 milhões em indenização

Após quatro meses de investigações, a força-tarefa entrou com três ações civis públicas contra a concessionária, na Justiça Federal e na Justiça Estadual. Os processos pedem um total de R$ 20 milhões em indenização por danos sociais e buscam a suspensão imediata de práticas abusivas da empresa contra os consumidores paraenses.

De acordo com os órgãos, foram constatadas cobranças excessivas, cortes irregulares de energia, falta de transparência nas contas e até enriquecimento ilícito. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) também é ré nos processos que tramitam na esfera federal, por ter permitido as práticas ilegais da concessionária.

A força-tarefa que investiga a Celpa é formada por membros do Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), Defensoria Pública da União (DPU) e Defensoria Pública do Estado do Pará (DPE).

Eles ajuizaram uma ação perante a 9ª Vara Cível e Empresarial da Justiça Estadual em Belém, que trata dos cortes de energia feitos por estimativa de consumo, um abuso que se tornou corriqueiro em todo o território paraense.

Outras duas ações foram iniciadas na Justiça Federal, na 1ª e na 2ª Varas Cíveis da capital do estado: a primeira trata de práticas abusivas na lavratura dos chamados Termos de Ocorrência de Irregularidade (TOI), instrumento pelo qual a Celpa comunica os usuários em dívida com a empresa; a segunda trata do enriquecimento ilícito da concessionária por cobrar de todos os consumidores paraenses pelas chamadas perdas não técnicas, os desvios de energia popularmente conhecidos como gatos.

Enriquecimento ilícito

Na ação judicial que trata da cobrança pelos “gatos”, que tramita com o número 1001450-66.2019.4.01.3900 na 1ª Vara Federal Cível de Belém, a força-tarefa pede a suspensão imediata da cobrança, a devolução a todos consumidores paraenses de valores cobrados em duplicidade nos últimos cinco anos e que a empresa seja condenada a pagar indenização por danos sociais no valor de R$ 10 milhões.

Os investigadores descobriram que a Celpa recebe, desde 2015, dos dois milhões de usuários no Pará, as chamadas perdas não técnicas, uma cobrança permitida pela Aneel. Essas perdas são estimadas pela própria empresa e depois distribuídas pelas tarifas de todos os consumidores, alcançando no estado 34% do valor total das contas de luz.

O problema é que, mesmo cobrando de todos os usuários pelos chamados gatos, a empresa desenvolveu uma política agressiva de recuperação de consumo, cobrando individualmente de cada usuário, sob ameaça de corte, pelo histórico de perdas da unidade consumidora.

“Vê-se que a concessionária recebe duas vezes pelas supostas perdas não técnicas, pois onera em até 34% a fatura dos mais de dois milhões de consumidores paraenses ao mesmo tempo em que recupera de cada unidade consumidora com desvio ou acúmulo em cobranças diretas e mesmo por meio de odiosos procedimentos, cuja regularidade tem sido objeto de milhares de ações, sobrecarregando o Poder Judiciário”, diz a ação judicial que trata do tema.

Para piorar o cenário de violação aos direitos dos consumidores, não existe transparência sobre as perdas não técnicas nem nas contas de luz, nem nas informações prestadas pela empresa.

A própria Celpa calcula quanto “perde”, quanto deve cobrar nas contas de todos e quem deve ser cobrado individualmente, por meio de ameaças de corte de energia. Nem a Aneel nem a Celpa informam quanto a concessionária já conseguiu arrecadar nos últimos cinco anos com tais cobranças. Pela legislação que rege o setor, as perdas deveriam ser comprovadas e abatidas das contas de energia conforme são recuperadas, mas isso nunca aconteceu no Pará.

A situação das cobranças indevidas é de tal descontrole que milhares de consumidores no estado comprometem a totalidade de suas rendas mensais para ter acesso a um serviço essencial, muitos enfrentando processos judiciais de cobrança em que constam dívidas superiores ao valor dos próprios imóveis em que residem.

Para a força-tarefa, a investigação sobre as práticas da Celpa desconstrói a ideia de que a concessão do serviço de energia elétrica em estado ou região com alto índice de perdas não técnicas é negócio pouco ou menos lucrativo.

“Pela lógica da regulação atual, quanto maior o número de desvios, maior o percentual cobrado a título de perdas nas faturas. Some-se a isso uma agressiva política de recuperação de consumo, impondo ao usuário a negociação sob pena de corte administrativo e o negócio já se tornou mais atrativo do que as concessões em estados com baixa perda técnica”, diz a ação judicial.

Os investigadores estimam que em dois anos, entre janeiro de 2017 e dezembro de 2018, a cobrança apenas de usuários acusados de irregularidades pode ter rendido R$ 3,2 milhões para a Celpa.

Mesmo assim, todos os usuários paraenses continuaram pagando para empresa pelas mesmas irregularidades. “É justo que o consumidor regular pague pelo alto índice de fraudes e desvios? Não seria isso risco do negócio concedido? Ou ainda meta para concessionária alcançar em termos de eficiência? Que interesse haverá no grupo econômico (visa o lucro) em diminuir o percentual de perdas não técnicas (desvios) se pode compensar-se por isso na fatura dos bons pagadores?”, pergunta a força-tarefa. (com informações do MPF e MPPA)

NOTA

A Equatorial Energia Pará informa que ainda não foi acionada oficialmente sobre a decisão e esclarece que todas as suas práticas seguem rigorosamente as normas regulatórias da Aneel.

A Equatorial reforça que está sempre à disposição para prestar os esclarecimentos que se fizerem necessários.

O Impacto

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *