Empresas são acusadas de grilagem de terras em ‘esquema’ para venda de crédito de carbono

Grilagem de terras públicas e uso de documentos sem validade jurídica fomentam o suposto esquema perpetrado por empresas nacionais e estrangeiras que atuam no mercado de carbono no Pará, e que estão sendo processadas pela Defensoria Pública do Pará (DPE-PA).

De acordo com a instituição, quatro ações civis públicas foram abertas na Vara Agrária de Castanhal contra as empresas e a Prefeitura de Portel, que autorizou a construção de diversos projetos nas terras públicas destinadas ao uso e usufruto de comunidades tradicionais.

Segundo a Defensoria Pública, os projetos RMDLT Property Group Ltda em área de 194 mil hectares; Avoided Deforestation Project Manaus Limited (ADPML) em uma área de 148 mil hectares; Brazil Agfor, LLC, em uma área de 165 mil hectares; e Amigos dos Ribeirinhos do Sindicato dos Produtores Rurais de Portel em uma área de 205 mil hectares, estão sobrepostos a uma área de cinco assentamentos agroextrativistas estaduais.

Esses projetos seriam operados por empresas, na maioria estrangeiras, que geravam e comercializavam crédito de carbono sobre áreas preservadas, sem que os assentados tivessem conhecimento.

Segundo apontam as denúncias, os créditos eram certificados com Cadastros Ambientais Rurais (CAR), emitidos pelos próprios assentados, que seriam induzidos com a informação de que o documento equivaleria ao título definitivo da terra.

Conforme a DPE-PA, as denúncias tiveram como base o estudo Neocolonialismo na Amazônia: Projetos REDD em Portel, realizado pelo Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM), no ano de 2022, que apontava a atuação dos projetos no município.

A partir das informações contidas no estudo, a Defensoria constituiu um grupo de trabalho para a elaboração de um relatório sobre a geração de crédito de carbono em comunidades tradicionais no estado, que resultaram nas ações civis.

Em nota divulgada pela Defensoria Pública, a instituição destaca o caráter de urgência dado aos processos que pedem que “os projetos de crédito de carbono sejam invalidados e que as empresas sejam impedidas de entrar nos assentamentos”.

A Defensoria Pública também pleiteia a indenização por danos morais coletivos, no total de R$ 20 milhões, nas quatro ações, para que tais recursos sejam revertidos para projetos socioambientais, socioeconômicos e ordenamento territorial, em favor das comunidades tradicionais de projetos de assentamento estaduais em Portel.

Justiça acionada

Nas ações, a defensoria aponta que houve grilagem de terras públicas e uso de documentos de propriedades que não possuem validade jurídica. Afirma que, apesar dos proponentes dos projetos afirmarem que se trata de propriedade privada, as áreas estão sobrepostas aos assentamentos, com matrículas vencidas. Além disso, a Defensoria denuncia que os quatro projetos não tiveram qualquer autorização do estado e que não houve consulta prévia às comunidades, nem estudo prévio, o que gera riscos socioambientais à biodiversidade e aos conhecimentos tradicionais.

As ações apontam, ainda, que os Cadastros Ambientais Rurais foram usados como documentos de propriedade, mas que, na realidade, estes são registros que não representam posse ou propriedade da terra e que foram elaborados com informações falsas.

A Defensoria diz que o cadastro foi apresentado como medida de benefício de regularização fundiária das comunidades tradicionais feito pela própria empresa dona do projeto, quando na verdade se trata de registro público e parte da política pública ambiental do Estado brasileiro.

“As ações visam proteger os territórios tradicionais, cuja floresta é de uso e usufruto das comunidades. Nesse sentido, a Defensoria Pública busca evitar projetos ilegais, sem autorização do estado do Pará e em violação aos direitos das comunidades, de modo a garantir a continuidade da posse e atividade agrária, que já é desenvolvida há décadas pelas famílias”, enfatiza a defensora pública Andréia Macedo Barreto, coordenadora da Defensoria Agrária Castanhal.

Diante do apresentado, a DPE-PA pede a invalidação dos projetos. Em medida de urgência, requer que as empresas sejam impedidas de entrar nos assentamentos. Em três dessas ações, a Defensoria também exige a nulidade de três decretos do prefeito de Portel, que conferiu às empresas o direito de construir dentro dos assentamentos e até poderes próprios à gestão municipal para requisição de bens. Para a Defensoria, esse ato administrativo gera risco às próprias comunidades tradicionais, inclusive com risco de despejo.

Contraponto

Das dez empresas citadas nas ações civis, o empresário Michael Edward Greene responde por quatro: Agfor Empreendimentos Ltda, Brazil Agfor LLC, Amigos dos Ribeirinhos Assessoria Ambiental Ltda e Brazil Property Group Compra Venda e Locação de Imóveis Ltda. Sua esposa Evelise da Cruz Pires Greene é sócia da empresa BLB Florestal Representação no Brasil Ltda.

Procurado pela reportagem, o empresário respondeu, por mensagem, que possui o título das terras em que atua há 32 anos e que paga impostos sobre elas.

Segundo ele, os projetos de crédito de carbono foram aprovados para serem desempenhados nessas áreas dentro dos parâmetros da Comissão Interministerial de Mudança do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), a partir de títulos para uso coletivo.

“O fato é que há uma disputa entre o prefeito de Portel, que foi ou é contra os títulos coletivos, e o governador que quer os títulos coletivos. Fomos apanhados nesta disputa entre nós que acabamos de ajudar as famílias tradicionais a obter um certificado ambiental obrigatório conhecido como Cadastro Ambiental Rural”.

O prefeito Vicente de Paulo Oliveira, também foi contatado pela reportagem, mas até a publicação não enviou resposta. As outras empresas citadas nas ações civis também não se manifestaram.

Por Baía

O Impacto

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