O porquê da ‘crise do varejo’ não ser uma regra para o setor
Começou com as Americanas. Depois, vieram Marisa, Tok&Stock, Polishop, Amaro, Saraiva, Mr. Cat, Colombo, Triton, Ri Happy, Camicado, Centauro, Puket, New Balance, 123Milhas, SouthRock (Subway e Starbucks)… E, agora, Casas Bahia, que acaba de pedir recuperação judicial.
O ano de 2023 foi desafiador para o varejo brasileiro, quando vieram à tona inúmeros problemas de gestão, e até de fraudes financeiras em diversas empresas. Após um longo período de baixo crescimento, ou de falta de posicionamento em um cenário cada vez mais digital, algumas fizeram reestruturações internas para equilibrar finanças, ou culminaram com o fechamento de centenas de lojas.
Nesse contexto, muitas empresas foram prejudicadas pela restrição de crédito: com a maior cautela dos bancos para liberar dinheiro para investimentos devido ao “episódio Americanas”, em um cenário de juros altos, emergiram as dificuldades de caixa para manter a operação.
Porém, outras, mais bem posicionadas na transformação digital, com modelos de negócios enxutos e produtos com grande aceitação junto aos consumidores, conseguiram acelerar o crescimento e encontraram soluções para os problemas.
Ou até partiram para fusões e aquisições, criando gigantes do setor de vestuário, como o caso Arezzo/Soma, ou juntando marcas bem aceitas pelo público, como Nestlé e Kopenhagen.
Mas o que se destacou foi a capacidade que cada empresa teve de lidar com os desafios do mercado, de acordo com a 11ª edição do estudo “O Papel do Varejo na Economia Brasileira”, desenvolvido anualmente pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC).
E, por isso, segundo Eduardo Terra, presidente da SBVC, é que o discurso de “crise”, ainda muito presente para alguns players do setor, não é uma regra para o varejo.
No geral, o desempenho foi positivo, e pelo sétimo ano consecutivo, maior que o PIB. Os números compilados pelo estudo, com base em dados do IBGE, mostram isso. O varejo restrito (bens de consumo, exceto automóveis e materiais de construção) fechou 2023 com alta nominal de 4,1%, movimentando R$ 2,23 trilhões, ou 20,45% do PIB nacional.
Já o varejo ampliado (inclui automóveis e materiais de construção) avançou 5,3% no período, e faturou R$ 2,75 trilhões (25,23% do PIB). Já o crescimento da economia foi de 2,9%.
Outro aspecto que aponta a importância do setor, segundo o estudo, é o volume de empregos gerados. A taxa de desemprego medida pelo IBGE recuou para 7,8% em dezembro, o menor patamar desde 2015, puxada pelo fortalecimento do maior empregador privado do país.
“Em 10 dos 12 meses de 2023, o varejo contratou mais do que demitiu, em um sinal claro de expansão dos negócios e da força empreendedora do setor”, afirma o presidente da SBVC.
De acordo com o estudo, o varejo fechou o ano com 276,5 mil empregos, ultrapassando a marca de 10 milhões de trabalhadores formais (eram 9,93 milhões em 2022).
“É um setor resiliente e flexível. Todo movimento de aceleração da economia aparece rapidamente em seu desempenho, por ter uma grande capacidade de inovação.”
REVALIDANDO ESTRATÉGIAS
Alguns cases são exemplos disso, como a rede O Boticário, que faturou R$ 30 bilhões em 2023, aumentando 10 vezes o time de especialistas de tecnologia e dados, ou criando campanhas de “Escuta Ativa”, para consumidores no TikTok, para elaborar novas fragrâncias (e gerar mais engajamento).
Ou a rede de moda masculina Aramis, que conseguiu reduzir em 30% a quantidade de produtos em lojas, e vender 12% a mais utilizando inteligência artificial (IA) na gestão de estoque.
Pequenos e médios varejos “antenados”, que têm incorporado a tecnologia, já colhem bons resultados – como o e-commerce de joias Céu de Prata, que calcula uma economia de R$ 10 mil mensais ao usar IA em processos como descrição de produtos e monitoramento de preços da concorrência, por exemplo.
Para Eduardo Terra, os resultados do varejo mostram que a transformação digital do setor vem capacitando as empresas não só para entender melhor os consumidores, mas para encontrar oportunidades de crescimento. Porém, o cenário atual desafia empresas a continuarem seu processo de expansão, mas sempre em busca de mais eficiência e competitividade.
Por isso, reforçar o relacionamento com esses consumidores, ampliando o poder dos meios digitais, e gerando um maior volume de dados processados, que retornam como inteligência para os negócios, é a receita de quem tem conseguido aproveitar melhor as oportunidades de mercado e se proteger das turbulências da economia, destaca.
Para o varejista de pequeno e médio porte, o presidente da SBVC orienta a não perder de vista as mudanças que o mercado tem passado para não ficar para trás: a história recente ensina quanto o varejo mudou, o quanto foi danças, e o quanto vai mudar, alerta.
“Entender o passado ajuda a olhar para o futuro, para a digitalização, para os momentos de gestão e ficar atento às tendências. Nunca foi tão importante entender o que está por vir, e saber como preparar seu negócio por essas transformações.”
Ele reforça os benefícios que empresas que aplicaram automação para melhorar a produtividade e os ganhos têm, com o uso avançado de IA e outras tecnologias. Mas, para que os resultados venham, é preciso estar atento a aspectos estruturantes como dados confiáveis, “higienizados” e organizados para integrar o checklist básico de todo negócio que quer continuar na ativa.
“A diferença entre quem está fazendo certo e quem está ficando pelo caminho passa pela tecnologia, uma vez que ajuda a dirigir gastos, compras, investimentos e ações promocionais”, afirma. “Por isso, o varejo vive um movimento de reavaliação de planos estratégicos: repensar os negócios é essencial, mas como executar os planos de ação é o que fará essa diferença.”
O estudo da SBVC considerou os números e levantamentos das entidades representativas dos segmentos de Franchising, Shopping Centers, Hiper e Supermercados, Bares e Restaurantes, E-commerce, Material de Construção, Farmácias, Livrarias, Perfumarias e Pet Shops.
Fonte: Diário do Comércio
Foto: Reprodução