OAB é a favor de conciliação feita em delegacia; MP é contra
A possibilidade de delegados fazerem conciliação em casos envolvendo delitos de menor potencial ofensivo gerou um longo debate na Câmara dos Deputados. Enquanto alguns representantes de classe defenderam a letigimidade da proposta, que contou inclusive com o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil, outros alegaram que não cabe ao delegado esta atribuição.
O debate, de três horas de duração, foi promovido pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara na manhã desta terça-feira (15/7). O Projeto de Lei 1.028/2011 prevê este tipo de conciliação, com o nome de “composição preliminar”, e só valerá para a reparação de danos civis decorrentes de crimes de menor potencial ofensivo. De acordo com o texto, uma vez aceito acordo, ele será homologado por um juiz, depois de ouvido o Ministério Público.
Segundo o relator do projeto na CCJ, deputado José Mentor (PT-SP), a finalidade do PL 1028/11 é simplificar o atendimento nos Juizados Especiais Criminais e diminuir o custo do processo criminal, para uma melhor prestação jurisdicional. O texto em análise na CCJ é o substitutivo apresentado pelo deputado Fernando Francischini (PSDB-PR). O projeto original é do deputado João Campos (PSDB-GO).
Para o procurador da República Marcelo Paranhos, que estava representando a Procuradoria-Geral da República, a proposta é inviável. “Um acordo deve ser algo livre e o ambiente das delegacias brasileiras não oferece condições psíquicas para isso. Não é um ambiente propício ao diálogo, à formação de acordos”, afirmou.
Paranhos lembrou ainda que não é preciso criar mais atribuições aos delegados que mal cumprem as suas funções atuais.”A polícia já possui uma taxa de eficiência baixa. Não é necessário criar ainda mais atribuições para os delegados. É preciso, sim, investir em instituições mais vocacionadas para isso, como a Defensoria Pública e a própria advocacia”, completou.
O procurador da República afirmou ainda que, ao contrário dos que defendem a aprovação do texto, o projeto não irá diminuir a demanda do Judiciário, pois não atinge as principais causas que congestionam os Juizados Especiais.
“O congestionamento dos JECs é uma realidade, mas é determinado sobretudo por demandas cíveis. A maioria são questões envolvendo pessoa física contra pessoa jurídica, principalmente prestadores de serviços. Esse projeto de lei não irá auxiliar em nada a redução deste tipo de processo, logo pouco ajudará para desafogar o judiciário”, disse Paranhos.
A promotora de Justiça Alessandra Campos Morato, representante da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, reforçou a tese contrária ao projeto. Ao entrar em detalhes da lei, Alessandra afirmou que o texto é vago e causa preocupação.
“O artigo 69 do projeto não especifica que tipos de infrações o PL abrange. Fala apenas em crimes de menor potencial ofensivo. Inclusive, no parágrafo 3º deste mesmo artigo, fala sobre a possibilidade em caso de violência doméstica. Isso acaba com toda a luta da mulher. Esses detalhes mostram o risco de se levar esse projeto adiante. Esse projeto é um retrocesso ao tempo que o cidadão não tinha acesso à Justiça. Não se pode transformar o judiciário apenas em um homologador de decisões dos delegados”, concluiu.
Estratégia de não judicialização
Ao rebater os argumentos apresentados contrários ao projeto, o presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, Marcos Leôncio Sousa Ribeiro, afirmou que o PL atende ao desejo da sociedade e está inserido na Estratégia Nacional de Não Judicialização (Enajud), lançado pelo Ministério da Justiça no último dia 2 de julho.
Ele também defendeu que seja derrubado o estigma de que delegacias são cadeias públicas. “Delegacia não deve ser confundida com cadeira. Isso de que a delegacia é um ambiente de coerção é um preconceito. A delegacia não deve ser um centro de opressão, mas sim um ambiente acolhedor”, disse.
O conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil Pedro Paulo Guerra de Medeiros complementou a fala de Ribeiro dizendo que, quando foi sugerido criar delegacias para mulheres, houve essa mesma discussão sobre o ambiente. “As delegacias atuais não comportam. Mas a ideia é construir um novo modelo de delegacia para isso. Na época que se cogitou criar uma delegacia para mulheres houve esse mesmo receio, e hoje elas estão funcionando”.
Exemplo do Necrim
Marcos Leôncio Ribeiro citou o Núcleo Especial Criminal (Necrim) de São Paulo como exemplo. Entre as atribuições do Necrim está a conciliação preliminar de pequenos conflitos.
O representante da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, Cloves Rodrigues da Costa, apresentou dados que comprovam a eficiência do Necrim. Segundo ele, atualmente há 35 Necrims em funcionamento no estado. Somente em 2013, esses ógãos fizeram 15.671 audiências com um total 91% de acordos.
Ele explicou que o funcionamento do Necrim é diferente do atendimento prestado nas delegacias. Segundo Costa, o atendimento se dá num prédio diverso e as partes têm um tratamento diferenciado. Além disso, observou que as conciliações são feitas sempre pelos delegados na presença de um representante da OAB.
O exemplo do Necrim foi rebatido pela promotora de Justiça Alessandra Campos Morato. “Se está funcionando bem em São Paulo, sem nenhum questionamento, é porque o projeto já é legal e constitucional e, por isso, não precisa de lei para justificar sua execução”, concluiu.
Participação dos advogados
Representada pelo conselheiro Pedro Paulo Guerra de Medeiros, a OAB se posicionou completamente favorável ao projeto apresentado, desde sejam feitas algumas melhorias no texto.
“A OAB acredita no projeto, mas é preciso lapidá-lo. É necessária, por exemplo, a participação de um advogado nesse processo de conciliação. É preciso encontrar um ponto de equilíbrio no projeto, que atenda a todos. Além disso preciso que se especifique os crimes passíveis de conciliação pelos delegados”, afirmou.
Quem também aprovou com ressalvas o projeto foi a Associação dos Magistrados Brasileiros. “É preciso fazer uma correção no projeto. A manutenção e o gerenciamento desse sistema de conciliação deve ser supervisionado pelo Judiciário”, disse o presidente da AMB, João Ricardo.
Em seu entendimento, é preciso rever as formas de intervenção do Judiciário e a polícia brasileira. “É preciso uma reformulação da polícia brasileira, que deve se tornar uma instituição pacificadora, seguindo o modelo que já existe em outros países. É preciso lembar que a possibilidade de mediação pela polícia não significa impedir o acesso à Justiça. O acesso à Justiça não é apenas peticionar”, explicou.
O coro a favor da aprovação do projeto foi reforçado pelo presidente da Associação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais, Ernane Ribeiro Pitangui. Segundo ele, esse projeto permite aos delegados agilizar a solução dos conflitos e desafogar o judiciário.
Possibilidades limitadas
Com um posicionamento contrário, o vice-presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti, entendeu que o projeto não estimula a conciliação. “Ele tolhe as iniciativas por limitar a possiblidade aos delegados. É importante destacar que o delegado não é a pessoa ideal para dirigir uma conciliação. O delegado deve focar nas atribuições que já possuem. Se existe alguém que possa dirigir essa conciliação é o advogado ou o defensor público”.
Representando os policiais federais, o vice-presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais afirmou que os policiais não possuem condições de ter mais essa atribuição. “Nós não temos condições de levar os envolvido para uma delegacia. Isso aumenta a burocracia. Quanto tempo irá demorar no processo de levarmos até a delegacia, fazer a conciliação, passar pelo MP e chegar ao Judiciário para homologação? Os policiais federais não têm condições de absorver mais esta atribuição”, disse.
Fonte: Revista Consultor Jurídico