PF mapeia dinheiro pago ao ex-ministro da José Dirceu
A Polícia Federal rastreou o caminho do dinheiro que liga o cartel de empresas que fraudaram a Petrobras ao ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. A sequência de operações está descrita em um relatório da Polícia Federal sobre as irregularidades cometidas pela construtora Camargo Corrêa nas obras da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Antes de chegar à JD Consultoria, do ex-ministro, o dinheiro passou por dois intermediários, os chamados operadores da Operação Lava-Jato. Um deles, Milton Pascowitch, dono da empresa Jamp, disse em delação premiada, no começo do mês, que o pagamento feito a Dirceu era propina oriunda dos desvios da Petrobras.
Laudo da PF mostra que, de 2009 a 2014, durante a vigência do contrato de obras da refinaria, a Camargo Corrêa repassou R$ 67,7 milhões a duas empresas do consultor Julio Camargo, a Piemonte (que recebeu R$ 22,7 milhões) e Treviso (para a qual foram repassados R$ 45,048 milhões). Júlio Camargo já assinou um acordo de delação premiada com a Justiça e, em depoimento, confessou os crimes.
No mesmo período, essas duas empresas depositaram R$ 1,375 milhão a Pascowitch. Ele afirmou ainda que era o próprio Dirceu quem fazia “insistentes” pedidos de dinheiro, necessários para garantir a manutenção dos contratos da Engevix com a Petrobras.
LAUDO FOI ENVIADO À JUSTIÇA FEDERAL PELA PF
Os levantamentos da Polícia Federal mostram que foi por meio de Pascowitch que o dinheiro chegou a Dirceu. Dentro do mesmo período em que recebeu os depósitos, a Jamp repassou, entre 2011 e 2012, a José Dirceu valor bem próximo ao que ele recebeu: R$ 1,457 milhão. Os valores recebidos por Dirceu da Jamp constam de um relatório da coordenação-geral de pesquisa e investigação da Receita Federal.
No laudo enviado à Justiça Federal pela PF, a JD Consultoria aparece listada entre as 31 empresas “suspeitas de promoverem operações de lavagem de dinheiro” em contratos de obras da Refinaria Abreu e Lima. Piemonte e Treviso, de Julio Camargo, também são citadas no mesmo documento.
A JD Consultoria e Assessoria foi criada pelo ex-ministro Dirceu, em sociedade com seu irmão Luis Eduardo, depois que ele deixou o governo, fustigado pelas denúncias do mensalão, pelas quais acabou condenado. A Jamp, de Pascowitch, é a sexta empresa que mais repassou dinheiro à JD.
Dirceu também recebeu pagamentos por meio da JD de outras seis empresas acusadas de compor o cartel das empreiteiras investigado na Operação Lava-Jato. Entre 2010 e 2013, segundo o relatório da Receita, o montante chega a R$ 8,5 milhões. De acordo com o documento, a JD recebeu da Construtora OAS R$ 2,9 milhões, da UTC Engenharia, R$2,3 milhões, da Engevix, R$ 1,1 milhão, e da Egesa Engenharia, R$ 480 mil. Além delas, a própria Camargo Corrêa repassou diretamente à empresa de Dirceu R$ 900 mil. Em nove anos de funcionamento, a empresa de Dirceu faturou R$ 29 milhões, pagos por mais de 50 empresas.
Segundo informações fornecidas pela defesa do ex-ministro à Justiça, a empresa teria prestado consultoria em países da Europa e da América Latina em setores como engenharia, telecomunicações e indústria. Para tentar comprovar que efetivamente atuava como consultor, Dirceu anexou ao processo seus passaportes, que registram mais de cem viagens ao exterior entre 2006 e 2012.
José Dirceu está na mira dos investigadores da Lava-Jato há mais de seis meses. Depois de avaliar a contabilidade das empreiteiras OAS, UTC e Galvão Engenharia, a Polícia Federal descobriu os pagamentos a Dirceu, o que fez com que a Justiça Federal decretasse a quebra do sigilo bancário e fiscal da JD Assessoria.
Em janeiro passado, a juíza substituta da 13ª Vara da Justiça Federal, Gabriela Hardt, que determinou as ações contra Dirceu, argumentou que os recursos recebidos pela JD das empreiteiras investigadas na Operação Lava-Jato seguiam o mesmo molde que abasteceu o esquema montado pelo doleiro Alberto Youssef. Segundo ela, Dirceu operava “através de empresas de fachadas”, com repasse de propina “pelo pagamento de serviços de consultoria fictícios a empresas diversas para viabilizar a distribuição de recursos espoliados do Poder Público”.
PREÇOS DEZ VEZES MAIOR
A investigação da Polícia Federal é rica em detalhes sobre como o cartel funcionou para dar vitória ao consórcio responsável pelas obras na Abreu e Lima, liderado pela Camargo Corrêa, na Unidade de Coqueamento Retardado (UCR). De abril de 2010 a junho deste ano, a Petrobras já pagou R$ 4,573 bilhões pela obra, incluindo atualização monetária. O preço original da obra era R$ 3,411 milhões.
Os investigadores, em documentos internos, afirmam que a chance de ter existido cartel nos contratos da estatal é de 99,9%. Os investigadores descobriram que a empreiteira também obtinha enormes lucros comprando insumos para obras. Em alguns casos, o preço cobrado da estatal chegou a ser 10 vezes mais alto do que o pago pelo consórcio.
DIRCEU DIZ QUE COLABOROU COM ENGEVIX NO EXTERIOR
A assessoria do ex-ministro José Dirceu afirmou, em nota, que o contrato com a Jamp “teve o objetivo de seguir na prospecção de negócios para a Engevix no exterior, em especial no Peru”, sem qualquer relação com a Refinaria Abreu e Lima. A nota “refuta qualquer ilação de que os serviços de consultoria para a Jamp não foram prestados” e diz que a defesa de Dirceu não teve acesso ao “conteúdo do relatório da Polícia Federal sobre a obra de Abreu e Lima nem ao depoimento do empresário Milton Pascowitch”. A assessoria de Dirceu lembra que o presidente do Conselho da Engevix, Cristiano Kok, e o ex-vice-presidente Gerson Almada “já declararam à imprensa e à Justiça que José Dirceu foi contratado com o propósito de expandir os negócios da construtora no exterior”. Também em nota, a assessoria da Camargo Corrêa afirmou que seu advogado, Celso Villardi, “apresentou documentos nos autos sobre pagamentos realizados para a JD” e que “todos os serviços foram efetivamente prestados”.
Fonte: O Globo