Universal deve pagar R$ 300 mil por induzir fiel a largar tratamento de Aids
A Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) foi condenada a pagar R$ 300 mil de indenização por danos morais a um homem com Aids. A 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul avaliou como fundamental a influência da igreja na opção do então fiel de abandonar o tratamento médico em nome da cura pela fé. Não é difícil encontrar vídeos da igreja mostrando pessoas que supostamente foram curadas.
Conforme os autos do processo, o homem ainda teria sido levado a fazer sexo sem preservativo com sua mulher, como prova de fé, acabando por transmitir-lhe o vírus, além de ceder bens materiais para a igreja.
“O Direito contemporâneo admite a responsabilização de alguém por abusar da confiança alheia, dando-lhe conselhos ou recomendações, sabendo ou devendo saber que, no seu estado de fragilidade, essa pessoa tenderá a seguir tal orientação”, diz a ementa da decisão.
A Igreja Universal já havia sido condenada em primeira instância pela juíza Rosane Wanner da Silva Bordasch, que fixou a reparação em R$ 35 mil. No entanto, considerando o estado crítico de saúde do homem, que chegou a ficar internado 77 dias, sendo 40 em coma induzido, após largar o tratamento, o colegiado do TJ-RS aumentou o valor em mais de 700%.
O caso chegou ao Tribunal de Justiça após ambas as partes recorrerem da sentença — o homem pedindo o aumento da indenização, e a Universal buscando a nulidade da sentença, sugerindo que houve ausência de imparcialidade por convicções religiosas por parte da juíza.
Ao rejeitar o pedido de nulidade, o relator, desembargador Eugênio Facchini Neto, alegou que não há nada nos autos que indique eventual crença da juíza. Para ele, o que houve foi o inconformismo da Universal com a decisão. “Se a apreciação da juíza sobre os fatos foi a mais adequada, ou a mais correta, é questão de mérito e não de nulidade processual.”
Ao analisar o mérito, o relator explicou que, apesar de inexistir prova explícita acerca da orientação recebida pelo homem para abandonar sua medicação e confiar apenas na intervenção divina, o conjunto de provas foi suficiente para convencê-lo.
As provas citadas incluíam: declaração em redes sociais sobre falsas curas da Aids, documento da própria Universal recomendando sacrifício “perfeito” e não “em parte” para os que creem em Deus, gravação de reportagem de jornal de âmbito nacional com investigação sobre coação moral praticada durante os cultos e testemunho de ex-bispo que admite ter doado “tudo o que tinha” para obter a cura da filha.
Em seu voto, o relator afirmou que, no caso, a responsabilidade da Universal “reside no fato de ter se aproveitado da extrema fragilidade e vulnerabilidade em que se encontrava o autor, para não só obter dele vantagens materiais, mas também abusar da confiança que ele, em tal estado, depositava nos ‘mensageiros’ da ré”.
Além do mais, continuou o desembargador Facchini, a “pessoa ou instituição que tem conhecimento de sua influência na vida de pessoas que a tem em alta consideração deve sopesar com extrema cautela as orientações que passa àqueles que provavelmente as seguirão”.
Grande negócio
Ao seguir a decisão do relator, o desembargador Carlos Eduardo Richinitti acrescentou severas críticas àqueles que, “em nome de Deus, ameaçando com a ira satânica”, constroem um lucrativo negócio financiado, muitas vezes, pelo medo.
“Não se trata de discutir a pertinência ou não da religião, ou questionar a crença de cada um”, salientou. “Sem meias palavras, a religião virou, no Brasil, um grande negócio, planejado e que se espraia por vários segmentos da nação. Não foi para materializar essas distorções que a Constituição assegurou a liberdade religiosa”, asseverou o desembargador Richinitti.
Em seu voto, ele diz que está na hora de impor uma restrição na liberdade religiosa e que esta deve, se não for feita pelos legisladores, ser feita pelo Judiciário. “Nutro esperança que o Judiciário, seja através da atuação em processos individuais ou, quem sabe futuramente, em uma abordagem se não regulamentadora, ao menos limitadora, por parte da Suprema Corte, estabeleça essa necessária restrição. Como referi anteriormente, o caso dos autos é emblemático e por si só mostra a necessidade de uma intervenção que evite a exploração dos mais vulneráveis”, diz.
Recurso a caminho
A Igreja Universal afirma que recorrerá da decisão, uma vez que o próprio relator do caso no tribunal “reconhece que não há prova da suposta orientação recebida pelo autor, no sentido de abandonar sua medicação”. Em nota enviada à ConJur, a instituição diz que “é mentira que a Universal tenha praticado tal ato”.
O comunicado da Iurd diz que, em relação à alegação de que a igreja teria estimulado o autor da ação a não usar camisinha nas relações sexuais com a própria mulher, “vale lembrar que, dentre as instituições religiosas, a Universal é pioneira na distribuição de camisinhas na África, exatamente como método de combate à propagação da AIDS naquele continente”.
Ainda no documento, a igreja diz que laudos e depoimentos presentes no processo atestam que, quando entrou para a Iurd, o autor do processo não se submetia aos tratamentos terapêuticos na forma indicada pelos médicos.
Fonte: Consultor Jurídico