‘Lula vive momento delicado, não jogarei pedra’, diz Fernando Henrique
Em entrevista à Folha, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso evitou fazer juízo de valor sobre o destino de seu sucessor, o também ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva –que nesta semana virou réu pela segunda vez na Operação Lava Jato.
FHC disse que o assunto é da Justiça e que não quer “jogar pedra” no petista.
*Folha – O sr. assistiu ao julgamento de Dilma Rousseff
Fernando Henrique Cardoso – Eu a vi falando. Acho que se defendeu bravamente, como podia. Foi até mais clara no falar do que é geralmente.
O problema é que não querem enfrentar a realidade. Apesar de todos os floreios para evitar a questão central, houve efetivamente arranhões à Constituição. Houve emissão de despesa sem autorização do Congresso.
Durante algum tempo o sr. não teve segurança de que era o suficiente…
Não. Foi o mesmo com o [Fernando] Collor. O impeachment é sempre traumático, tirar alguém que foi votado. E, enquanto a população não se convence de que esse alguém esgotou sua chance…
Fiz o mesmo com o Collor, custei muito a aceitar. Sempre achei que Dilma, pessoalmente, não se meteu em tramoia. Agora, se ela tem ou não responsabilidade nas tramoias, responsabilidade política, já é outra coisa.
O que achou da decisão de fatiar o julgamento de Dilma?
Visivelmente contra a Constituição. Não sei como o Supremo vai descalçar essa bota. [Acho que] Não vai. Vai dizer que é soberania do Senado.
Mas o ministro do Supremo [Ricardo Lewandowski] não teve nem o cuidado de submeter ao Congresso a questão. O que é isso? É um pouco do espírito de conciliação brasileiro. Um “jeitinho”.
E a denúncia do ex-presidente Lula? Assistiu?
Vi partes. O Ministério Público, ao tentar mostrar que o Lula era o responsável maior, obscureceu a outra questão, que é a mais importante: houve ou não crime de favorecimento pessoal?
Se ele foi o responsável maior, não é ponto de partida, é ponto de chegada. Isso não diminui a necessidade de responder a outro quesito: houve desvio de finalidade dos recursos?
Antes, o sr. havia se recusado a falar sobre o assunto…
Disse que preferia não entrar no assunto. Ele vive um momento delicado, e não acho que corresponda a mim, que fui presidente e o conheço de outras épocas, agravar. Isso, agora, é a Justiça quem vai ter que decidir. Não quero jogar pedra no Lula.
Há tensão entre diversas instituições: Judiciário, Congresso, Ministério Público. É possível uma crise institucional?
Não creio. O problema que temos é o seguinte: Será que o nosso arranjo –Executivo, Congresso, Judiciário, Ministério Público– está funcionando?
Após 1988 metade dos eleitos sofreu impeachment, e, saltando o regime militar, só [Eurico] Dutra e Juscelino [Kubitschek] escaparam de um final tormentoso. Tem algo inquietante.
O Congresso tem muita força. A Constituição é quase parlamentarista. Por quê? Porque ela era quando foi escrita. Depois, quando foi derrotada a emenda, não houve rebalanceamento.
Fonte: Folha de São Paulo