Governo de SP já foi condenado a pagar vítimas de atirador em escola
O governo de São Paulo tenta reverter há quase cinco anos uma decisão da Justiça de Jabotical, no interior, que condenou o estado a pagar uma indenização de mais de 328 salários mínimos (o salário mínimo federal é de R$ 545) por danos materiais, morais e lucros cessantes a seis pessoas baleadas dentro de uma escola em Taiúva, cidade com pouco mais de 5 mil habitantes. Elas foram vítimas de um atirador, um ex-aluno que se suicidou em seguida, assim como ocorreu na quinta-feira (7) em uma unidade de ensino do Rio de Janeiro. A diferença do atentado carioca para o paulista é que o primeiro deixou mortos e o segundo, não.
Em 28 de janeiro de 2003, cinco alunos, o caseiro, a zeladora e uma professora sobreviveram ao ataque de Edmar Aparecido Freitas dentro da Escola Estadual Coronel Benedito Ortiz, mas ficaram feridos e até hoje têm sequelas, como restrição de movimentos e perdas de órgãos.
Um deles ficou paraplégico. Para a Justiça, Pedro Russo Júnior, que vive numa cadeira de rodas, terá o direito a receber 150 salários mínimos mais um salário mínimo mensal até seus 65 anos. Além disso, terá de ser ressarcido com correção dos R$ 5.415 gastos na época em refeição, transporte e atendimento médico hospitalar, além de remédios.
Apesar de a ação ser coletiva, os valores que as vítimas têm de receber do governo são individualizados. Eles terão de ser corrigidos pela inflação e servirão para custear o pagamento de tratamentos médicos e psicológicos. Há vítimas que chegaram a perder o emprego após as lesões que sofreram.
O atirador
O ex-aluno tinha 18 anos e atirou no que viu pela frente porque alegava ter sofrido bullying dos colegas. Freitas invadiu o local, por volta das 14h30, armado com um revólver calibre 38 e um punhal. Depois, começou a atirar na direção das pessoas, ferindo algumas delas. Em seguida, apontou a arma contra si mesmo, apertou o gatilho e se matou.
“Deu o sinal do intervalo e saí para beber água. Ele [Freitas] estava saindo do banheiro masculino atirando em todo canto que via gente. Ele atirou em mim e caí no chão, no banheiro feminino, que fica ao lado do masculino e perto do bebedouro. Fiquei ouvindo um barulho e não deu para ver nada. Sentia muita dor no peito e não conseguia me levantar. Acho que fiquei no chão do banheiro uns dez minutos e depois vieram me socorrer e me levaram para o hospital”, havia dito Pedro Russo Júnior, em entrevista ao G1 em 2007.
Russo Júnior não foi localizado nesta sexta para comentar o assunto. “Não sei o que ele [Freistas] pensava. Até agora não cheguei à conclusão nenhuma. O pessoal falou que era porque zoavam dele. Não sei. Acho que era coisa da cabeça dele… ele gostava de Hitler, acho que foram essas coisas”, chegou a dizer também há quatro anos.
O G1 também não localizou os parentes do ex-aluno Edmar Aparecido Freitas, que atirou nas pessoas na escola em Taiúva, para falar do caso.
Além de Russo Junior, os estudantes Eliel Camara (30 salários mínimos mais R$ 2.100 na época), Julio Cesar Costa de Souza (44 salários mínimos), Jeferson Aparecido de Souza (38 salários mínimos) e Jairo Miranda Dias (41 salários mínimos), mais o caseiro Antonio Augustinho de Souza, decidiram entrar com o processo contra o estado por falta de segurança na escola. O G1 não conseguiu localizar as vítimas do atirador da escola em Taiúva que ingressaram com a ação para comentar o assunto.
Ação indenizatória
A ação indenizatória coletiva foi impetrada em 2003 pelo departamento jurídico da Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeosp). A entidade cedeu os seus advogados gratuitamente para os impetrantes.
“Acho que o estado deve pagar a indenização porque aluno que está dentro da escola está sob responsabilidade do estado. Ele é obrigado a indenizar, sim. É preciso dar todas as condições de segurança, mas quando essas condições não são suficientes, ele tem de ser responsabilizado”, afirmou a presidente da Apeosp, a professora Maria Izabel Azevedo Noronha, nesta sexta-feira (8). Segundo ela, a escola em Taiúva não reforçou a sua segurança desde o episódio em 2003.
“Está igual. Não avançou muita coisa lá. A única coisa que mudou nas escolas de São Paulo foi a colocação de câmeras. Mas as escolas continuam vulneráveis à falta de segurança. Precisa colocar o elemento humano e não a máquina. O ser humano é uma medida preventiva e a máquina é elucidativa. Por isso, somos favoráveis à volta da figura do inspetor de aluno, e vamos cobrar isso do secretário da Educação [Herman Voorwald]. Ainda mais por conta do que ocorreu no Rio, vamos reforçar esse pedido. O inspetor conhece todos os alunos e as famílias dele e se perceber algo errado pode ligar rapidamente para as autoridades ou para a Polícia Militar agir”, disse Maria Izabel.
O G1 procurou a Secretaria de Estado da Educação para comentar o assunto da segurança na escola de Taiúva. Até as 16h desta sexta-feira, a pasta não havia respondido à solicitação.
Ação indenizatória
A ação das vítimas do ex-aluno em Taiúva foi ingressada na 12ª Vara da Fazenda Pública da capital em 28 de maio de 2003, mas foi remetida posteriormente para a 3ª Vara Civil do Fórum de Jabotical, em 2004. Em setembro de 2005, o juiz Antônio Roberto Borgatto decidiu em primeira instância condenar o estado a pagar as vítimas.
Em sua sentença, o juiz informa que a escola tinha obrigação de cuidar da segurança das pessoas que estavam no seu interior. “Inexistia no local sequer um guarda ou qualquer outra pessoa que efetuasse vigilância do ingresso de pessoas no estabelecimento”, escreveu Borgatto. “Se o Estado tivesse agido com cautela, colocando pessoa responsável pela segurança no local, seja sem guarda policial militar ou civil, o triste episódio poderia não ter ocorrido”.
A alegação do advogado Cesar Rodrigues Pimentel, da Apeoesp, é que o estado não tomou as medidas de segurança necessárias na escola para proteger as pessoas que foram feridas pelo atirador. A alegação se baseou no artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, que trata basicamente da responsabilidade civil do Estado pelos atos ou omissões praticadas pelos agentes públicos.
A Secretaria da Fazenda Pública do Estado de São Paulo, que representa o governo em questões judiciais, contestou a decisão da sentença do magistrado da comarca do interior e entrou com um recurso de apelação no Tribunal de Justiça da capital paulista (TJ-SP) também em 2006. Algumas das contestações são:
a) a responsabilidade do estado somente haveria de ser proclamada se demonstrado algum ato omissivo ou comissivo, praticado pelo agente estatal. Traz jurisprudência que entende aplicar-se ao caso;
b) o indivíduo causador do dano não era um estranho, mas um ex-aluno. Daí porque não haveria motivo para a sua proibição de ingresso no estabelecimento escolar;
c) há necessidade de se comprovar a conduta culposa da administração;
d) os autores não especificam quais as lesões sofridas em decorrência do episódio;
O relator do processo do recurso, o desembargador Aroldo Viotti, da 11ª Câmara de Direito Público, não foi localizado pela assessoria de imprensa do TJ-SP porque está de férias. Ele dará seu voto, se é favorável ou não ao recurso da Fazenda Pública. Depois, um revisor marcará uma data para a sessão de julgamento no tribunal. Nesse dia, o relator e outros dois desembargadores votarão o mérito do recurso. Ainda não há data prevista para quando isso irá ocorrer.
O G1 procurou a Fazenda Pública para comentar o assunto. A pasta informou que a equipe de reportagem deveria procurar a Procuradoria Geral do Estado. Até as 16h40 desta sexta, a procuradoria ainda não havia se manifestado.
Do G1