Cortes na Funai atingem setor que analisa grandes obras na Amazônia
Índio tupinambá, da Bahia, protesta contra a indicação de general do PSC para a presidência da Funai. |
Os cortes de servidores da Funai (Fundação Nacional do Índio) determinados por um decreto assinado pelo presidente Michel Temer e pelo ministro da Justiça, Osmar Serraglio (PMDB-PR), vão afetar uma das áreas mais estratégicas do órgão, a coordenação responsável por analisar grandes empreendimentos que atingem terras indígenas.
O decreto com os cortes foi publicado nesta sexta-feira (26) no “Diário Oficial da União”. O texto determinou a extinção de 347 cargos em comissão e a criação de funções comissionadas em substituição. No final das contas, segundo a Funai, serão exonerados ocupantes de 87 cargos comissionados.
Indagada pela Folha, a assessoria da Funai confirmou, em nota: “A CGLIC (coordenação-geral de licenciamento), por onde passam todos os processos de licenciamento de obras em terras indígenas, é a coordenação que teve o maior corte de cargos”.
Grandes empreendimentos da iniciativa privada ou do governo federal, principalmente na Amazônia Legal, precisam passar pelo escrutínio da CGLIC, criada em 2012 para avaliar a viabilidade e os impactos das obras em relação aos indígenas, além de “buscar a definição e aplicação de medidas adequadas à proteção e garantia dos direitos dos povos indígenas nesses processos”.
A Funai não esclareceu quantos cargos foram cortados na CGLIC ou nas outras áreas. Na nota, informou que não partiu da Funai “um processo de escolha […] das áreas mais afetadas”.
A Folha apurou que oitos postos de trabalho serão cortados na CGLIC. Eram assessores responsáveis pela análise de projetos controversos como uma imensa mina de ouro no Pará, chamada Belo Sun, rodovias em Mato Grosso, linhas de transmissão de energia elétrica, como a que ligaria Amazonas a Roraima, e usinas hidrelétricas, entre diversos outros empreendimentos.
Os cortes agora anunciados aprofundam um processo de esvaziamento do órgão responsável pela execução da política indigenista. Em 2012, a força de trabalho total na fundação era de 3.133 servidores. O número caiu para 2.946 em 2013 em recuou novamente para 2.769 em 2014.
No ano passado, foi feito um concurso público para 200 novos servidores, mas nenhum deles foi contratado. Estima-se que outros 250 se aposentaram nos últimos dois anos e mais 250 deverão deixar o órgão até 2019.
Em outra nota na sexta-feira (24) para explicar os cortes, assinada pelo presidente do órgão, Antônio Costa, o órgão afirmou que “a diretoria da Funai, em reunião permanente em Brasília, não medirá esforços para adequar a instituição à nova realidade, priorizando as necessidades dos povos indígenas em cada região e buscando blindar e fortalecer a fundação em sua sede e nas bases regionais”.
“A Funai enfrentará essa nova realidade com responsabilidade e buscará alternativas junto ao Governo Federal e ao Ministério da Justiça para que a crise econômica em que se encontra o nosso país não prejudique ainda mais a instituição e suas 305 etnias existentes no Brasil.”
Procurada pela Folha, a assessoria do Ministério da Justiça afirmou que os cortes haviam sido decididos ainda em agosto de 2016, em um contexto de enxugamento de toda a máquina pública federal determinada pelo Palácio do Planalto. Na época o ministério não era ocupado por Serraglio, mas sim pelo atual ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes.
“Salienta-se que esta redução não se refere especificamente à Fundação Nacional do Índio, mas a outros órgãos da administração, que também tiveram redução proporcional de quadro de pessoal”, diz a nota do MJ.
Em nota, a APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), uma das principais entidades indígenas do país, que também era crítica ao governo Dilma Rousseff, afirmou que há “um desmonte do Estado, das instituições e políticas públicas voltadas aos povos indígenas”. A entidade disse que os cortes vão atingir também as coordenações técnicas locais, “o que implica o abandono total das comunidades nos territórios”.
Fonte: Folha de São Paulo