Instituto Evandro Chagas é referência em vacinas e alertas de epidemias

Se o Brasil fosse um computador, o Instituto Evandro Chagas, do Pará, seria seu principal sistema de alarme contra os ataques de vírus.
Com surtos sucessivos no país desde 2013 –de dengue, zika, chikungunya e, mais recentemente, febre amarela, o IEC vem tendo papel central não apenas no alerta, mas no estudo destes arbovírus (transmitidos por artrópodes, como mosquitos).
É ele, por exemplo, o responsável por desenvolver uma vacina contra o zika, em parceria com a Universidade do Texas. O centro paraense acabou de concluir a fase de estudos em macacos e chegou a uma opção que será testada em humanos. Situado em Ananindeua, região metropolitana de Belém, o instituto completou 80 anos em novembro e passa por sua fase mais produtiva.
Sua seção de patologia, que recebia cerca de 400 amostras para diagnóstico por ano, recebeu 625 em 2015 e 926 no ano passado.
“Terminamos 2016 ainda com zika acontecendo e com a chegada de amostras de primatas e humanos mortos por febre amarela. Já temos quase 300 casos para diagnóstico só neste ano. Se isso se mantiver, vamos passar de mil”, diz Arnaldo Martins Filho, 40, chefe da seção de patologia do IEC.
Além da demanda por exames, aumentou também a de treinamento –o instituto ensina técnicas de diagnóstico para pesquisadores de diversos laboratórios, como os da Fiocruz, do Rio, e do Adolfo Lutz, de São Paulo. O orçamento do IEC acompanhou a alta: em 2014, estava em torno de R$ 40 milhões anuais; em 2016, foi de R$ 60 milhões. Neste ano, o instituto pediu R$ 100 milhões, mas recebeu R$ 70 milhões.
“A gente não vive só do orçamento do ministério, obtemos financiamento na Capes, no CNPq, no Finep. No ano passado, conseguimos mais de R$ 25 milhões para gastar em projetos pelos próximos três anos”, diz o virologista Pedro Vasconcelos, 59, diretor do instituto desde 2014.
Boa parte desse impulso financeiro se deveu à crise do zika e sua associação com a microcefalia em bebês, conexão que foi demonstrada pioneiramente pelo IEC. O vírus da dengue, no entanto, continua sendo o mais problemático em termos de saúde pública, com seus quase 2 milhões de casos no ano passado. Vasconcelos também destaca a crescente disseminação do chikungunya.
“Em 2015, foram notificados cerca de 8.000 casos em todo o país. Em 2016, já eram quase 300 mil casos. Tivemos quase 200 mortes por causa do chikungunya no ano passado, algo inédito no mundo. E ainda não entendemos direito o porquê disso. Na África e na Ásia ele não causou essa quantidade de mortes.”
INVESTIGAÇÃO
Antes de entender o porquê de uma epidemia, algo que envolve diversos órgãos públicos nos Estados afetados, é preciso identificar o que a está causando.
No IEC, o processo que leva ao diagnóstico é como um trabalho de investigação, mobilizando diversas equipes –o instituto tem oito seções científicas e também sedia os maiores laboratórios de biossegurança nível 3 (a escala vai até 4) da América Latina. No caso dos vírus que vêm causando surtos no país, destacam-se as seções de patologia e a de arboviroses.
A primeira recebe espécimes mortos e realiza exames de histopatologia (em que se observa o tecido e suas características) e de imunohistoquímica (que detecta a presença de antígenos virais, permitindo saber qual vírus contaminou o paciente).
No departamento de arbovírus, são feitos exames virológicos e sorológicos: tenta-se não apenas identificar o vírus no sangue dos pacientes, mas isolá-lo e cultivá-lo. Com isso, é possível estudar seu mecanismo de ação e produzir anticorpos e vacinas. Um dos orgulhos do instituto é ter isolado mais de 200 vírus diferentes.
“A gente se especializou, e devemos isso à forma como a pesquisa em vírus foi estabelecida aqui, a partir de um grupo de pesquisadores americanos com grande expertise”, diz Vasconcelos. O diretor refere-se aos cientistas trazidos em 1954 com apoio da Fundação Rockefeller, a partir de um acordo de cooperação entre os governos de Brasil e Estados Unidos,
Os americanos mantiveram todas as atividades do laboratório até 1970, e treinaram as gerações de pesquisadores brasileiros que tocaram o trabalho dali em diante.
SEÇÃO AMBIENTAL SE DESTACA
Se os laboratórios que tratam dos vírus são o carro-chefe do IEC, um outro departamento vem ganhando destaque graças às preocupações com o desenvolvimento sustentável: o de meio ambiente.
Criado em 1992 a partir de um programa de estudos voltado às populações expostas ao mercúrio na Amazônia, em 2011 ele se tornou o centro de referência do Ministério da Saúde para a vigilância da qualidade da água do país. Também o é para o diagnóstico de metais em amostras biológicas e ambientais.
Com isso, tornou-se o laboratório preferencial para casos em que o Ministério Público Federal (MPF) ou os estaduais precisam de laudos técnicos para avaliação de impactos ambientais, como no rompimento da barragem da Samarco, em Mariana (MG).
“O foco é a saúde pública. Como há pouquíssimos laboratórios com essa capacidade, a demanda é incrível, uma pressão muito grande de promotores e juízes para analisarmos amostras”, diz Pedro Vasconcelos, diretor do IEC.
Exemplo da parceria entre cientistas e procuradores aconteceu no caso de uma mina de bauxita na região do rio Trombetas, no Pará. “Fomos lá porque uma comunidade quilombola reclamou com o MPF que a coloração da água estava mudando, e eles tinham razão”, diz Marcelo Lima, pesquisador do IEC.
“O aumento da produção de forma descontrolada está gerando mais resíduos, chega uma hora que eles perdem o controle. Não posso afirmar que já está gerando um impacto, mas tem problema. Os moradores estão vendo mudanças em seu ambiente e estão preocupados.”
Estudos do departamento também embasaram ação civil pública movida em outubro pelo MPF contra indústrias do distrito industrial de Barcarena, a 40 km de Belém. As empresas estariam contaminando a água potável da região com metais pesados.
Cientes de que laudos que afetam negócios milionários costumam ser contestados judicialmente, os pesquisadores enfatizam a qualidade dos cinco laboratórios do departamento, cujo ambiente precisa ser incólume à contaminação externa que possa afetar as amostras. “É preciso tecnologia e gente especializada para enfrentar uma discussão dessas. E hoje nós conseguimos dar respostas mais rápidas, o que é um dos grandes motes do meio ambiente”, diz Lima.

Fonte: Folha de São Paulo

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *