Ivete Bastos denuncia: “Estou marcada para morrer”
Imagine a situação de quem estava acostumada a andar tranqüila pelas ruas, conversar com os amigos sem se importar com o tempo, freqüentar lugares públicos e de repente ficar sem sua liberdade de ir e vir, obrigada a andar com seguranças. Essa foi a “virada brusca” e inesperada que houve na vida da líder comunitária Ivete Bastos, natural da região do Arapixuna e hoje Secretária Municipal de Produção Familiar. Ivete conta que desde 2007 soube que seu nome está em uma lista negra e que ela está marcada para morrer a qualquer instante. Nesta entrevista, ela fala das ameaças que recebeu e também da amizade que unia ela e o casal José Claúdio e Maria do Espírito Santo, colonos assassinados em Ipixuna do Pará. “Eu nunca desejei estar sob proteção policial, porque a gente gosta é de estar liberto, foi muito difícil no início, mas infelizmente não pode ser de outro jeito”. Este desabafo e outras revelações são feitas nesta entrevista. Confira:
Jornal O Impacto- Quer dizer, então, que tem fundamento a notícia de que seu nome consta em uma lista negra, e que a senhora pode ser morta a qualquer momento?
Ivete Bastos: É verdade! Desde 2007 que infelizmente meu nome também é um dos que compõe esta lista, isso me deixa muito triste e indignada, porque estamos perdendo companheiros, como foi o caso do senhor José Cláudio e dona Maria do Espírito Santo, que eram companheiros na luta. Nós fazíamos parte da mesma instituição, que é o Conselho Nacional das Populações Extrativistas, lutando sempre pela causa, como a Floresta em Pé, dos produtos da sócio-biodiversidade, porque para manter esta atividade do extrativismo é preciso que diversas espécies, como a castanha e outras se mantenham também de pé. O casal assassinado desenvolvia uma atividade muito importante, porque os dois estavam presentes em todos os espaços do Movimento, em Congressos, fazendo exposição e vendendo seus produtos, mas, também, aproveitando para denunciar a pressão que sofriam, dizendo que estavam sendo perseguidos. Eu mesmo tive a oportunidade em 2006 de estar com eles em um evento e presenciei o momento em que receberam telefonemas com ameaças.
Jornal O Impacto: Como a senhora reagiu, quando viu que José Cláudio e Maria do Espírito Santo estavam sendo ameaçados?
Ivete Bastos: Me assustei. Naquele momento eu até sugeri que eles procurassem a Delegacia de Polícia para registrar um Boletim de Ocorrência, infelizmente a ligação com a ameaça foi feita de um número desconhecido; nós somos da área rural e descobrimos muitas vezes que determinados elementos que deveriam ser a nosso favor, acabam se revelando contra.
Jornal O Impacto: É verdade que o isolamento em certas áreas de assentamento, onde moram esses colonos, é fator que contribui para o aumento da violência no campo?
Ivete Bastos: Com certeza. Os companheiros que foram mortos moravam bem distantes até da capital, Belém. Se bem que as pessoas que moram em assentamentos bem distantes e que são lideranças locais, tem suas vidas nesses áreas, a vida toda moraram nestas áreas; mesmo participando dos eventos nacionais e internacionais, elas não querem sair desses locais. No dia 20 de janeiro deste ano, eu estive com Maria do Espírito Santo e seu José Cláudio, em Belém, no lançamento de um livro que foi feito na reserva extrativista do Arapiuns, quando dona Maria me falou que estava preocupada, achando até que iria morrer na vicinal, porque o transporte dela e de seu esposo era uma motocicleta. Eu dei uma “força”, pedi para ela procurar o Núcleo de Justiça em busca de proteção.
Jornal O Impacto: A impunidade acaba contribuindo para fortalecer o crime na área rural?
Ivete Bastos: Muito. Inclusive eu me sinto muito abalada, muito chocada com a falta de liberdade. Eu me sinto como se vivesse dentro de uma gaiola, por conta de ter o nome nesta lista negra; a gente fica presa enquanto o predador fica na espreita, do lado de fora esperando o momento de atacar.
Jornal O Impacto: No caso de vocês, quem seria o predador? O madeireiro?
Ivete Bastos: Pode ser. Na verdade, em 2006 e 2007, quando recebi as maiores pressões nós estávamos fazendo um trabalho denunciando a exploração ilegal de madeira na região, brigando em favor das Glebas Pacoval e Nova Olinda, que serviram de palco para muitas denúncias de exploração ilegal e nós pressionávamos várias instituições, para que pudessem estar tomando alguma atitude para coibir tudo isso, porque quem perde não é só o Movimento que denuncia ou as lideranças, mas toda a comunidade, a sociedade, tendo em vista que temos que zelar pela questão ambiental. Lembro que naquele período nós também lutávamos pela legalização das áreas, porque a maioria era posseiro de terra, então, lutávamos também contra o latifúndio, para que o pequeno agricultor familiar tivesse também o direito a terra. Essas foram as causas que levaram nosso nome a compor esta “lista”. Hoje ficamos indignados em ver tantos companheiros que tombaram, foram quatro em apenas quinze dias só no estado do Pará, além de casos que ficamos sabendo, lendo jornais e assistindo pela mídia, ocorridos no Maranhão e que devem ser tratados com muita seriedade. Diante desses fatos, as lideranças ficam com medo de denunciar. Que é isso? Que democracia é essa, onde alguns podem falar enquanto outros são obrigados a usar mordaça, do contrário, são marcados, como se alguém tivesse o poder de dar vida ou morte para outros?
Agricultor é assassinado com tiros e facadas – A imprensa da capital noticiou no início desta semana, mais uma morte no campo. Segundo informações, ainda é mistério para a Polícia a morte do agricultor João Batista Marceno, de 44 anos de idade. O colono foi encontrado morto na região de Brasil Novo, cerca de 30 quilômetros de Altamira, na tarde de segunda-feira, 06, dentro do rio em um travessão conhecido como vicinal 19. Segundo laudos periciais, a vítima recebeu duas facadas e dois tiros de espingarda calibre 22. Polícia Civil indica a possibilidade de latrocínio, roubo, seguido de morte, já que João Batista trabalhava comercializando cacau. Porém, o mistério persiste, porque no bolso de João estava uma quantia em dinheiro, e o carro que a vítima dirigia foi encontrado abandonado na Rodovia Transamazônica.
O IML, por causa do difícil acesso, encontrou dificuldades para remover o corpo de dentro do lago. Foi preciso uma corda que foi amarrada a um rapaz que desceu até o local para fazer o resgate. O corpo foi encaminhado para o IML de Altamira onde passou por pericias.
Um amigo de João disse estar chocado com a crueldade da morte. Afirmou também que até onde sabe o amigo não tinha nenhuma rixa com ninguém da redondeza e que se dava bem com todo mundo. O colono assassinado era casado e tinha dois filhos.
Por: Carlos Cruz