Com briga entre Marco Aurélio e Fux, STF restabelece prisão de André do Rap
Os ministros Luiz Fux, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes se posicionaram em defesa da liminar do presidente da Corte. Único a divergir, Marco Aurélio foi contra a liminar de Fux. “Voto no sentido de inadmitir a possibilidade, seja qual for o presidente, de ele cassar individualmente decisão de um integrante do tribunal. Os atos somente ficam sujeitos ao colegiado”, disse.
Quando Marco Aurélio, o autor da decisão original derrubada por Fux e centro de toda a polêmica começou a votar, iniciaram as alfinetadas no colega presidente da Corte.
“Presidente, continuo convencido do acerto da liminar. E se alguém falhou, não fui eu. Não posso ser colocado aí como bode expiatório por uma falta de diligência do juiz de origem, do Ministério Público do estado acusador ou na representação da própria polícia. Não poderia deixar de implementar essa medida acauteladora”, afirmou Marco Aurélio, que mandara soltar o traficante porque ninguém pedira a manutenção da prisão no prazo de 90 dias exigido pelas mudanças na lei aprovadas no chamado pacote anticrime.
O ministro reclamou de “autoritarismo” de Fux e afirmou que o que está em jogo no julgamento é saber se o presidente da Corte pode tirar uma tutela de urgência implementada por um colega. “Amanhã, a Presidência poderá cassar uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, da ministra Cármen Lucia, de Fachin, de Lewandowski […]”, falou.
E a tensão foi ao auge: “Não ocupo cadeira voltada às relações públicas. Mesmo ficando isolado no colegiado, eu sempre entro na sessão com uma fisionomia e saio com a mesma. Jamais me senti alcançado porque não disputo coisa alguma. Mas volto à tecla inicial: hoje o Supremo está referendando a cassação individual pelo presidente de um ato de um integrante. Poderíamos ter aí a adoção da máxima popular. Um cesteiro que faz um cesto faz um cento e amanhã poderá ser a liminar de outro integrante. Quem ganha com isso? Apenas a vaidade do presidente”.
“Vossa Excelência quer me ensinar a votar. Só falta essa. Eu não imaginava que seu autoritarismo chegasse a tanto.”
Fux então pediu a palavra, para responder “com urbanidade”: “Eu queria dizer, em primeiro lugar, dizer que o caso foi excepcionalíssimo e por isso efetivamente a Suprema Corte ratificou, muito embora tenham deixado claro que o caso excepcional exigia uma intervenção judicial”.
E prosseguiu: “Eu não trouxe a cassação do habeas corpus, porque isso não estava entre as balizas do processo. Aprendi com Vossa Excelência que não se pode presumir que o preso volte a delinquir. Então, Vossa Excelência não tem razões para me classificar como totalitário nem para presumir que outros casos como esse ocorrerão. E eu queria dizer que, no caso, tratado de um traficante internacional, foragido há 5 anos, e que fora preso pelo tráfico internacional, o pano de fundo era bastante expressivo. No caso específico, para mim, representaria autofagia não defender a imagem da Corte”,
A ministra Cármen Lúcia, primeira a votar nesta quinta, também argumentou que a não reavaliação da prisão não dá direito à soltura automática e acompanhou o voto de Fux, formando o placar de 7 a 0.
O ministro Ricardo Lewandowski decidiu referendar a decisão de Fux, mas, para ele, o presidente do STF, assim como o seu vice, não são órgãos jurisdicionais hierarquicamente superiores a nenhum dos ministros da Corte.
“Apenas as funções de ordem estritamente administrativas é que os diferencia dos demais membros da Casa. Por essa razão, não se pode admitir, que fazendo o uso processualmente inadequado do instituto da suspensão de liminar, o presidente e o vice do STF se tornem em órgãos supervisores jurisdicionais de decisões conferidas por seus pares, convertendo-se em verdadeiros superministros”, declarou.
O ministro Gilmar Mendes também decidiu acompanhar o voto do relator, pelo retorno de André do Rap à cadeia. Contudo, ele criticou a cassação pelo presidente do STF de liminar concedida por um colega da Corte.
“Se formos estender essa competência que se deu ao presidente do STF aos presidentes de outros tribunais, nós vamos inventar uma grande jabuticaba. Não é disso que se trata, não tem base”, disse.
Veja como votaram os ministros na última sessão:
1 x 0
Após Fux apresentar o relatório, na abertura da sessão, o procurador-geral da República, Augusto Aras, deu início à fase de sustentação oral. Ele se manifestou em favor da liminar que determina a volta de André do Rap à cadeia.
Primeiro a votar, Fux afirmou que a atitude de derrubar a liminar de Marco Aurélio foi tomada em conformidade com a lei e como uma medida “excepcionalíssima”.
“Trata-se de exercício de competência jurisdicional, para, excepcionalmente, suspender medida liminar proferida pelo relator mediante a satisfação de dois requisitos cumulativos: (1) a desconsideração dos pronunciamentos já exarados pelos colegiados da Corte. (2) a potencialidade de gravíssima insegurança jurídica e conturbação da ordem pública”, falou.
Fux manteve a posição adotada na liminar. Para ele, há altíssima periculosidade do traficante. Ele afirmou que o “mero decurso do prazo de 90 dias” para a revisão da prisão preventiva não justifica a soltura do preso. Fez 1 a 0 para determinar o retorno de André do Rap à prisão.
2 x 0
O ministro Alexandre de Moraes acompanhou Fux e votou pela manutenção da ordem de prisão, deixando o placar em 2 x 0 pela manutenção da liminar.
“É inegável que [a libertação do traficante] compromete a ordem e a segurança pública. Ele é de altíssima periculosidade e tem condenação por tráfico transnacional de drogas. Não é uma mera prisão preventiva, ele tem uma dupla condenação em segundo grau num total de 25 anos. Além disso, continua sendo investigado por outros delitos”, avaliou.
3 x 0
O ministro Edson Fachin foi o terceiro a votar a favor da decisão de Fux, pelo restabelecimento da prisão preventiva de André do Rap. Para ele, cabe ao presidente do STF manter a coerência de uma orientação a todos os membros do Judiciário.
“No caso, tendo em vista que há pronunciamento majoritário de ministros em sentido contrário ao adotado pela liminar [de Marco Aurélio], caberia ao presidente zelar pelo restante de integridade e submeter o assunto ao plenário”, afirmou.
“Mas não deve virar regra”
O ministro Luís Roberto Barroso foi o quarto a acompanhar o relator, ministro Luiz Fux. Ele afirmou que a decisão que derrubou a liminar de Marco Aurélio e mandou André do Rap retornar à cadeia “tem precedente legal”, mas não deve virar uma regra.
“Há uma questão de proteção da ordem pública. Essa é uma situação excepcional e que jamais pode se transformar na regra. Não estamos falando do menino pobre que faz um pequeno tráfico de 100 g, estamos falando de um grande traficante, condenado em pelo menos dois processos”, justificou Barroso.
Rosa Weber discorda, mas faz 5 x 0
A ministra Rosa Weber, quinta a votar, criticou a decisão do ministro Luiz Fux, mas decidiu acompanhar os magistrados que a antecederam. Ela afirmou que a decisão deveria ter sido tomada pelo plenário.
A ministra expressou “perplexidade” e o seu profundo “desconforto com a cassação de liminares de ministros por presidente da Corte”.
Maioria
Com voto de Toffoli, o STF formou maioria pela manutenção da liminar de Fux, em favor de a prisão preventiva de André do Rap ser mantida.
“Não há prisão por determinação legal, e também não há soltura por determinação legal”, disse Toffoli.
Caso
A divergência na Suprema Corte começou no sábado (10/10), pela manhã, quando Marco Aurélio determinou o fim da prisão preventiva de André do Rap. O magistrado fundamentou a decisão em uma regra criada com a sanção pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) do pacote anticrime, que entrou em vigor em janeiro.
Mais tarde, na noite de sábado, o presidente do STF, Luiz Fux, suspendeu a decisão de Marco Aurélio Mello e determinou a prisão imediata de André do Rap. Contudo, o traficante não se apresentou ao sistema prisional e continua foragido.
O julgamento deve servir para dar uma interpretação única ao artigo 316 do Código de Processo Penal, inserido pelo pacote anticrime aprovado pelo Congresso e que serviu como base para Marco Aurélio Mello determinar a soltura do traficante.
Fonte: Metrópoles