Artigo – Manifestação pacífica versus insurreição: a incrível história da guerra pela “1/2 Passagem” em Belém

Por Oswaldo Bezerra

O movimento liderado por Gandhi, na Índia, é o maior exemplo dos defensores da resistência não violenta, nos dias de hoje. A filosofia política de Gandhi, por outro lado, limita a importância das lutas insurrecionais. Muitas das vezes, ela é a única maneira de se atingir o objetivo. Eu vivi e experimentei isso de perto durante minha adolescência.

Caso alguém me pergunte o que mais marcou minha adolescência, durante meu ensino médio, com certeza direi que foi a luta sem fim pela “Meia Passagem” para estudantes, nos anos 80.

Eu tinha acabado de sair de uma escola de filhos de militares (Escola Tenente Rego Barros), onde problema com falta de recursos para transporte não existia. Entrei na antiga Escola Técnica Federal do Pará, e me deparei com outra realidade.

Os anos 80 foram anos econômicos terríveis para o Brasil. O Brasil da desigualdade social testemunhou seu aprofundamento na década de 80. A degradação nos anos 80 pode ser observada em quaisquer índices que o mede (tanto do coeficiente de Gini quanto do índice de Theil). Na época metade da população de Belém vivia abaixo da linha de pobreza. Dinheiro para passagem de ônibus para estudantes, das famílias mais pobres, era muito difícil de obter.

O paraense sempre foi um povo forte e lutador. Na época, muitas das capitais brasileiras já davam o benefício da “Meia Passagem” para seus estudantes, independente da classe social. Por isso, surgiu a grande luta, própria dos estudantes, sem auxílio de ninguém, pela meia passagem. Os meus 3 anos de ensino médio admirei as passeatas pacíficas de estudantes, que mendigavam ao poder público o direito de pagar menos para poder estudar.

Entrou prefeito, saiu prefeito. Entrou vereador, saiu vereador, mas nada podia vencer a vontade do empresariado dos monopólios do transporte público de Belém.

No meu último ano de ensino médio, saindo de um ginásio de esporte, junto com muitos outros alunos, observamos uma manifestação de professores, em frente à Secretaria de Educação. Juntamo-nos aos professores e gritamos a todo pulmão por “Meia Passagem”. Os líderes do movimento dos professores foram até nós; e praticamente nos expulsaram de lá. Disseram que não poderíamos misturar as reivindicações.

Durante meus três anos de ensino médio todas as manifestações por “Meia Passagem”, foram no modelo pacífico de Ghandi. Elas foram grandes, constantes, mas sem resultado nenhum. Talvez, tenha sido esta a minha única, ou talvez maior decepção do ensino médio. Foi como se minha geração de ensino médio tivesse falhado, estrondosamente, em conseguir algo pra nós mesmos e para as futuras gerações.

Sai uma geração, mas vem outra! E uma geração mais aguerrida chegou. E foi com esta nova geração que o movimento estudantil paraense encontrou seu momento de glória. Foram milhares de estudantes, cansados de falsas promessas e desculpas, que deixaram as salas de aula e rumaram ao centro da cidade.

Eles tomaram as ruas do centro de Belém. Foi uma luta aberta pela conquista da “Meia Passagem”. Do outro lado, os empresários do setor de transporte e o Estado, todos protegidos por pelotões da policial militar.

Os estudantes iniciaram o furioso quebra-quebra, que resultou em ônibus depredados, vidros quebrados, rotas de ônibus desviadas por estudantes no controle dos ônibus, a casa do governador apedrejada e um carro do “Jornal O Liberal” destruído. Além disso, muitos carros particulares que passavam pelas cercanias tiveram seus vidros quebrados. Foram 27 ônibus destruídos. No total, 72 estudantes foram feridos em confronto com a polícia militar, alguns gravemente, vários foram detidos.

A manifestação ganhou repercussão nacional. Depois dessa verdadeira guerra nas ruas de Belém, o governo atendeu a reivindicação dos estudantes.

A política da manifestação não violenta representa uma força moral contra uma injustiça. Contudo, os britânicos não deixaram a Índia só pela liderança pacífica de Ghandi. Eles deixaram por causa das ameaças de insurreição. Minha geração falhou em obter a “Meia Passagem”, pela falta de insurreição, que a geração seguinte soube muito bem colocar em prática.

Já como estudante de Universidade, fui fotografado ao pular a roleta de um ônibus, quando o cobrador se negou a aceitar o ticket emitido pelo governo. Com a foto, acabei virando capa de jornal. A recusa do ticket, pelas empresas de ônibus, acabou por desencadear novos protestos, mas isso já foi outra história.

RG 15 / O Impacto

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