Falta de acesso a contraceptivos no Brasil resulta em milhares de gestações não planejadas

Por Thays Cunha

Uma das grandes preocupações que praticamente todas as mulheres têm é em relação ao domínio do seu próprio corpo. Isso significa ter o direito de escolher como viver, com quem se relacionar, como se vestir, trabalhar, estudar e muitas outras coisas. É crucial também o cuidado com a saúde e o poder de controle sobre a sua própria reprodução, com oportunidade para que seja feito de maneira eficiente, prática e também segura.

Uma gravidez não planejada ocorre quando a gestação não é programada por um casal ou por uma mulher. A grande maioria dos casos acontece pelo não uso de métodos contraceptivos, uso incorreto dos métodos, e até mesmo falta de informação.

Nem todas as mulheres em idade reprodutiva podem contar com o acesso a contraceptivos para evitar uma gravidez não planejada, principalmente aquelas com baixo poder aquisitivo. E sem esse acesso fácil e gratuito a métodos anticoncepcionais muitas acabam enfrentando essas gestações advindas sem qualquer planejamento. De acordo com um estudo sobre parto e gravidez feito pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), entre as mulheres que tiveram filhos no Brasil, ouvidas entre os anos de 2011 e 2012, 55,4% delas afirmaram não ter planejado a sua gestação. É um número expressivamente alto, uma vez que ultrapassa a metade de todos os nascimentos no período.

Em tese, o Sistema Único de Saúde (SUS) deveria oferecer uma gama de métodos diferentes de forma gratuita para todas as brasileiras que os requisitem. Porém, na realidade a distribuição ainda é pouca, e o oferecimento de contraceptivos de longa duração, que não dependem de dosagens regulares ou da memória da usuária, sendo assim mais efetivos, é mínima.

Os métodos mais utilizados – quando utilizados – são então a camisinha e as pílulas. Porém, como são passíveis de esquecimento por dependerem muito do usuário, que podem vir a utilizá-los sem o rigor necessário, acabam apresentando falhas.

MÉTODOS DE LONGA DURAÇÃO

Os métodos de longa duração mais conhecidos são o Dispositivo Intra-Uterino (DIU) de cobre, DIU hormonal (Também chamado de DIU Mirena) e implante hormonal subcutâneo. Desses, somente o DIU de cobre é oferecido pelo SUS, no entanto, para consegui-lo é necessário enfrentar uma jornada extensa e complicada. Assim, essas opções que apresentam índice de falhas relativamente baixo são usadas por menos de 2% das brasileiras.

Em muitos locais pelo país o DIU está em falta em hospitais e postos de saúde, e há também casos nos quais não há sequer profissionais que saibam como realizar a aplicação desse dispositivo, embora seja algo considerado relativamente simples.

De acordo com um levantamento feito pela BBC News Brasil em 2018, através de dados disponibilizados pelo Data SUS, “há uma enorme discrepância no oferecimento desse método por região. Mulheres do Norte e Nordeste são as que menos têm acesso”. A pesquisa revelou que em estados como Acre e Amapá em um ano inteiro cerca de 10 dispositivos foram implantados apenas. Em locais como Alagoas, Amazonas e Sergipe foram cerca de 30 em cada. Já em São Paulo, no mesmo período, foram realizados 9,3 mil procedimentos com DIU.

Ainda segundo o levantamento, foram apontados alguns “mitos” que reduzem o acesso das mulheres ao DIU de cobre, como, por exemplo, a crença de que adolescentes não podem utilizá-lo, que é preciso já ter filhos para usar o DIU, e que ele só pode ser aplicado após a realização de extensos e caros exames. No entanto, mulheres de qualquer idade podem receber o dispositivo, assim como não é necessário já ter tido uma gravidez.

Talvez o que leve a rede de saúde a oferecer apenas pílulas e camisinhas em vez do DIU seja a questão dos custos. Porém, embora esses métodos anticoncepcionais mais difundidos sejam mais baratos, o DIU, por ser utilizado por um longo prazo (cerca de dez anos), pode compensar esse custo.

Não que pílulas anticoncepcionais não funcionem, porém, como devem ser tomadas rigorosamente no mesmo horário, todos os dias, podem ocorrer esquecimentos que comprometam a sua eficácia.

RISCOS E CONSEQUÊNCIAS

Escolher engravidar ou não engravidar é um direito de todas, pois uma gestação traz muitas mudanças, e isso significa que quando acontece de surpresa acaba gerando diversas consequências, algumas até negativas.

As mudanças mais comuns são as alterações no corpo, o aumento do cuidado com a saúde de mãe e bebê através do pré-natal e o preparo da casa para a vinda da criança. No entanto, algumas mães podem se ver grávidas em um momento em que não queriam, o que pode interferir no estabelecimento do vínculo com o bebê, problemas na amamentação, e o aumento das chances de a mulher sofrer de depressão pós-parto.

ADOLESCÊNCIA

Como já dito anteriormente, as meninas mais jovens e adolescentes são as que têm mais chance de engravidar de forma não planejada. Os fatores são diversos, mas quase sempre ocorrem devido à falta de acesso a contraceptivos, que pode ocorrer devido ao fator econômico das famílias dessas jovens, e também à falta de diálogo com pais sobre sexualidade, o que as faz iniciar a vida sexual sem nenhum acompanhamento.

Engravidar nessa fase da vida pode gerar muitos prejuízos na vida dessas mães. Meninas muito novas podem não estar com o corpo completamente formado para gerar um bebê, o que traz riscos para a mãe e o feto. Além disso, grande parte das que engravidam ainda em idade escolar acabam abandonando os estudos por conta do preconceito, vergonha e pressão.

PANDEMIA

Com a pandemia ocasionada pelo coronavírus muitas unidades de saúde tiveram que ser transformadas em centro de apoio aos doentes, o que reduziu os atendimentos de prevenção e controle de doenças, cuidados, planejamento familiar, entre outros. Logicamente essa situação também trouxe impactos na reprodução de muitas mulheres, que estão durante todo esse período sem assistência médica e acesso a métodos anticoncepcionais.

Na 15ª edição da série de webnários “População e Desenvolvimento em Debate”, realizado em outubro de 2020 pelo Fundo de População da ONU (UNFPA) em parceria com a Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP), foi visto que “além das diversas consequências epidemiológicas, a pandemia da Covid-19 também vem interrompendo o acesso a informações e serviços de saúde sexual e reprodutiva”.

De acordo com informações apresentadas no webnário em relação a pesquisas atualizadas realizadas em toda a América Latina e Caribe, “o indicador de necessidades insatisfeitas de planejamento familiar na  América Latina vinha caindo nos últimos anos. No início de 2020, chegou a 11,2%, e, com a pandemia da Covid-19, em agosto de 2020, chegou a 16,3%, revelando que cerca de 17 milhões de mulheres descontinuaram o uso de métodos contraceptivos, um retrocesso de até 27 anos”.

SAÚDE PÚBLICA

Mulheres mais vulneráveis socialmente podem não conseguir acesso a contraceptivos pelo SUS, e sem fundos para adquiri-los correm maior risco de passar por uma gravidez indesejada. Além das mais pobres, de acordo com informações disponibilizadas através da pesquisa “Nascer no Brasil: Inquérito Nacional Sobre Parto e Nascimento”,  geralmente as mulheres que não conseguem planejar uma gravidez são meninas muitos jovens e adolescentes, as usuárias de droga e portadoras de doenças crônicas.

Reprodução e natalidade são então questões de saúde pública. Isso significa que os governos devem fomentar e criar estratégias para difundir o acesso a métodos anticoncepcionais entre as que mais precisam e não têm como pagar. Por conta de fatores socioeconômicos mulheres que passam por uma gravidez indesejada têm mais riscos de sofrer depressão pós-parto, realizar abortos e até mesmo passar por violência doméstica. As crianças também são vítimas, uma vez que a falta de acompanhamento das mães pode levar a partos prematuros, baixo peso ao nascer, problemas de saúde, etc.

As políticas públicas devem se preocupar também não somente com os prejuízos a saúde, como também a economia. Uma gravidez não planejada mantém o ciclo de pobreza, pois aumenta o número de filhos nas famílias pobres, que com muitas crianças por vezes não conseguem se sustentar. Garantir que essas mulheres mais vulneráveis obtenham métodos de controle de natalidade é uma forma de diminuir as desigualdades sociais, pois assim só terão filhos quando considerarem o momento certo.

RG 15 / O Impacto

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