Médico é acusado de retirar pele das pálpebras de paciente e deixá-la cega em cirurgia
Uma designer de sobrancelhas de 49 anos acabou cega ao fazer um procedimento de blefaroplastia, que é a cirurgia para retirar o excesso de pele das pálpebras. O acusado é um médico de Franca, em São Paulo. A paciente conta que um dos olhos dela chegou a cair do globo ocular após o procedimento e acabou perdendo parte da visão. Embora o caso tenha acontecido no início meses atrás, no início desta semana foi comprovado que o homem atua de forma ilegal, sem o registro de dermatologista no Conselho Regional de Medicina (Cremesp) e no Conselho Federal de Medicina (CFM).
A defesa da vítima cita que não foram solicitados exames pré-operatórios e a mulher teve complicações graves durante e depois do procedimento. Um boletim de ocorrência foi registrado como lesão corporal grave e, segundo a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), é investigado pela Central de Polícia Judiciária (CPJ) de Franca.
A paciente também denunciou o caso ao Conselho Regional Medicina Estado São Paulo (Cremesp) e entrou com um pedido de instauração de processo ético-profissional.
Na denúncia policial, a mulher diz que estava insatisfeita com a aparência dos olhos, mas que em fevereiro deste ano, a mulher escolheu fazer o procedimento com o médico Ricardo Bovo Junqueira por confiar nele, uma vez que era paciente dele e ele, cliente dela. O valor cobrado pela blefaroplastia foi de R$ 2,5 mil. Ela mostrou uma troca de conversas por aplicativo de mensagens antes da cirurgia, quando o dermatologista afirma que o valor dispensava custos com anestesia e sala cirúrgica: “Inclui a cirurgia, os curativos na clínica e um laser pós-operatório. Melhor que fazer em hospital porque não tem que pagar anestesia e nem sala cirúrgica”, diz a mensagem. Ela destaca que chegou a cotar a cirurgia com outros especialistas, mas resolveu fazer com Junqueira em consideração à amizade.
Dor extrema
A cirurgia foi marcada para a manhã do dia 10 de fevereiro e o primeiro olho a passar pelo procedimento foi o direito, com uso de anestesia local. Quando o médico foi operar o olho esquerdo, no entanto, também com o mesmo tipo de anestésico, começaram as dores.
A paciente diz que a dor era “fora do normal” e que percebeu um barulho interno que pareceu o “estouro de um pneu de caminhão”, além de uma pressão muito forte que começava no ouvido e seguia para a cabeça. A designer diz que avisou o médico sobre o que estava sentindo, mas recebeu um reforço de anestesia dentro do ouvido, o que teria intensificado a dor.
A cirurgia, que teria uma hora e meia de duração aproximadamente, demorou quase duas horas a mais que o previsto. Ela seria liberada, inicialmente, por volta das 12h30, mas só conseguiu ir para casa por volta das 14h.
A queda do olho
Já em casa, a vítima relata que continuou a sentir dor e que teve sangramento e que sua filha, de 29 anos, chegou a entrar em contato com a secretária do médico, mas foi informada de que a reação era normal.
Pouco depois, a filha percebeu o olho esquerdo da mãe cair: “Minha filha percebeu que meu olho caiu pra baixo. Ela falou que eu comecei a gritar, que estava com dor e não estava enxergando. Meu olho foi pra baixo, lá pra bochecha”. Em desespero, a filha chamou a avó, de 68 anos, para cuidar da designer, enquanto insistia no contato com o consultório para saber o que fazer com a mãe.
Embora a família tenha voltado para a clínica por volta das 17h, o dermatologista só atendeu a paciente por volta das 20h, pois, segundo a secretária, a agenda de pacientes estava cheia: “A secretária falou que o consultório estava cheio de paciente pra ele atender e mandou as assistentes comigo na sala fazendo compressa e ele foi atender os pacientes até 19h30. Acabou o último paciente, 19h40 me colocou numa outra sala e começou a mexer em mim de novo, uma segunda cirurgia”.
Já por volta das 21h, o médico avisou a família que um cirurgião plástico e uma oftalmologista iriam chegar para ajudá-lo. Um dos médicos teria dito a Junqueira que não havia mais nada que pudesse ser feito no consultório e apenas após isto, o dermatologista teria avisado a família de que ela seria transferida para um hospital.
Correção
Levada a outro hospital, a mulher foi submetida a uma correção cirúrgica de fissura palpebral. Para este procedimento, recebeu anestesia geral. Segundo o prontuário médico, ela sofreu um hematoma pós-blefarosplastia. Após a cirurgia de correção, em contato com o médico dermatologista, a filha da paciente recebeu a informação de que a mãe não havia sido operada, mas sim passado por exames. A médica que passou a acompanhar a paciente detectou lesões no olho esquerdo e perda parcial da visão.
Uma série de laudos de exames feitos por oftalmologistas até o fim do mês de julho atestam sequelas em razão do procedimento inicial, como neuropatia óptica isquêmica, que é uma lesão do nervo óptico causada pela interrupção do fluxo sanguíneo. Desta forma, com a visão prejudicada, a paciente não consegue visualizar detalhes, não tem o mesmo senso periférico, tornou-se insegura, abalada psicologicamente e teve a autoestima ainda mais prejudicada por causa das deformidades causadas aos olhos.
Ainda em recuperação, a paciente afirma que tentou uma reparação amigável com o médico pelos danos causados, mas ele não teria demonstrado interesse e alegou que o problema foi causado por deficiência de vitamina K no organismo da paciente, aconselhando que ela procurasse um hematologista.
Atuação ilegal
A Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), expica que, pela legislação brasileira em vigor, se o profissional tem um diploma de medicina reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC) e está regularmente inscrito em um Conselho Regional de Medicina, ele está autorizado a exercer a profissão de médico em todas as suas áreas, porém, para atuar como especialista, o prifissional deve concluir residência médica correspondente ou ser aprovado em prova de título da sociedade médica da especialidade correspondente e o título deve ser registrado no Conselho Regional de Medicina do estado onde irá atuar.
Nas redes sociais e em seu site, Junqueira se apresenta como dermatologista, especialista em cirurgia da pele, remoção de tatuagens, harmonização facial, queda de cabelo, tratamentos a laser, peelings e rejuvenescimento, embora não tenha registro de qualificação de especialista (RQE).
Marlo Russo, advogado do médico Ricardo Bovo Junqueira, encaminhou cópias de certificados de cursos feitos pelo médico na área de dermatologia. No entanto, reconhece que o médico não submeteu os documentos ao Cremesp e não passou por prova da sociedade correspondente para obter o título de especialista.
Fonte: Roma News