Semas estaria se omitindo sobre irregularidades dos estudos da Cargill em Itaituba
Por Baía*
“Em abril deste ano, a Cargill completa um ano sem apresentar a renovação da licença de operação do Porto de Miritituba, em Itaituba”. É o que aponta a organização Terra de Direitos na segunda parte do relatório Sem Licença Para Destruição – Cargill e as violações de direitos no Tapajós, que aborda os impactos socioambientais do porto que a empresa mantém em Itaituba (PA), complementando observações sobre o caso de Santarém (PA).
No documento são relatadas graves denúncias em relação à atuação da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), que estaria “se omite diante das irregularidades dos estudos da Cargill, a empresa se beneficia e continua a operar na região do Tapajós, no Pará, sob um padrão de irregularidades e violações de direitos humanos de povos e comunidades tradicionais – da mesma forma que ocorreu no Porto de Santarém”.
A Cargill é uma das companhias de destaque na exportação de commodities e, apesar disso, tem desenvolvido atividades que ameaçam os direitos dos munduruku, povo indígena que vive na região.
Com a estruturação do porto, apenas um dos 19 que escoam produtos no município, os munduruku e outros grupos têm precisado se deslocar mais para obter alimentos e enfrentado dificuldade de obter meios de subsistência, devido à contaminação das águas do rio e afluentes.
Observam-se, ainda, outros danos e mudanças na configuração do espaço, como a especulação imobiliária. Segundo o relatório, a população da cidade saltou de 5 mil para 13 mil pessoas, com a abertura do porto.
Um dos pontos ressaltados pela entidade é que, nos estudos de impacto ambiental da Cargill, constam apenas duas aldeias, a da Praia do Índio e a da Praia do Mangue.
Na realidade, o que se deveria ter em conta é o conjunto de efeitos que se alastram por todo o curso do Rio Tapajós, uma vez que os munduruku habitam o Vale do Tapajós, região conhecida como Mundurukânia, tanto em terras reconhecidas oficialmente quanto em comunidades ribeirinhas, conforme menciona o Instituto Socioambiental (ISA), em página dedicada a esse povo.
Para a Terra de Direitos, a referência parcial da Cargill às aldeias consiste em um apagamento da existência dos munduruku, o que implica reduzir os resultados de sua atuação no local, que começou em 2013, e, portanto, sua responsabilidade.
Como cita o relatório, ao abrir a unidade portuária no distrito de Miritituba, em Itaituba, a multinacional norte-americana não consultou as comunidades que seriam afetadas, como os munduruku, requisito previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Além disso, outra falha apontada foi a falta de dados técnicos que justificassem o empreendimento, na documentação submetida a Semas que, mesmo assim, aprovou as licenças de funcionamento.
A organização também destaca que, depois da aprovação de instalação do porto, a pasta deixou de exigir determinadas condições para que continuasse em operação. Na Licença de Operação de 2017, por exemplo, a Semas estabeleceu que a companhia somente poderia manter o porto ativo se realizasse o Estudo do Componente Indígena nos territórios Munduruku de Praia do Mangue e Praia do Índio, no prazo de quatro meses.
No entanto, segundo a Terras de Direito, “não há evidências de que isso tenha sido cumprido. Em 2019, a Fundação Nacional do Índio (Funai) emitiu termo de referência com orientações para a realização dos estudos junto aos indígenas, mas, ao que tudo indica, também foram novamente ignorados”.
O sistema que a cadeia de trabalho do porto requer acabou por acarretar elementos que antes não existiam no local. “Nós temos, na verdade, um polo portuário na região do Rio Tapajós, onde não existia esse polo. É um polo que tem poucos anos e, com isso, temos impactos que vão se somando, são cumulativos. Toda essa modificação, não só da paisagem, mas também das dinâmicas sociais, se depara também com a falta de planejamento”, diz o coordenador do Programa Amazônia e da pesquisa, Pedro Martins, para quem a consulta prévia às comunidades deve chegar de modo simplificado, e não por meio de editais, considerados por ele instrumentos “já precários”.
O empreendimento
De acordo com a Cargill, a Estação de Transbordo de Cargas (ETC) em Miritituba, é considerada um ponto estratégico para escoamento de grãos no Arco Norte do Brasil. A ETC tem capacidade de movimentação de 4 milhões de toneladas de grãos por ano. A unidade recebe granéis sólidos (soja e milho) produzidos no estado de Mato Grosso, de onde são transportados por caminhões até Miritituba, que recebe esse produto e posteriormente realiza seu carregamento em barcaças, com destino a Santarém (PA), que por sua vez exporta os produtos por via marítima para diversos destinos no mundo.
Ainda conforme a multinacional, a unidade possui quatro linhas de classificação com caladores hidráulicos, duas balanças rodoviárias, sendo uma de entrada e outra de saída e armazenagem em 03 silos com capacidade de 18.000 toneladas cada.
Chegadas dos portos e a realidade vivenciada pela população
O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) lançou publicações que colocam em foco, o distrito de Miritituba, que chega a receber até 1500 carretas de soja por dia na alta safra, vindas do estado de Mato Grosso. Da localidade de 15 mil habitantes, a produção é escoada pelas águas do rio Tapajós até o porto de Santana (AP), Barcarena e Santarém (PA), fazendo assim um caminho muito mais curto do que quando a soja é exportada via os portos do sul e sudeste do país.
Impactos cumulativos de diferentes empreendimentos
Um dos documentos ressalta a falta de transparência do Estado e, em muitos casos, a fragmentação dos procedimentos de licenciamento ambiental impede que tais empreendimentos sejam analisados como um todo e dentro do contexto das operações extrativas e logísticas que já atuam na região.
“Isso afeta a capacidade de resistência da sociedade civil e das comunidades e até a construção de medidas de compensação e mitigação, diz Inesc.
Conforme a entidade, no caso das ETCs em Miritituba, o Ministério Público Federal pediu ao Judiciário a suspensão do licenciamento ambiental das ETCs da Bunge/Amaggi, da Cianport e das Hidrovias do Brasil, tendo em vista que a escala dos impactos combinados de todos os megaempreendimentos em operação e previstos para a região demandariam que o licenciamento fosse feito na esfera federal, não estadual.
“[…] por meio de uma estratégia de contratação de laudos e contralaudos, as empresas têm sido bem-sucedidas em manter as suas operações e em atrasar a decisão judicial que as prejudicaria. Esse é um exemplo sobre a necessária revisão das concepções de ‘impacto’ e da escuta social para a sua definição. Uma visão pontual e restritiva dos potenciais impactos causados por empreendimentos limita a compreensão das consequências oriundas da instalação de grandes e complexas infraestruturas, como as do setor logístico”, afirma o Inesc.
O Impacto